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Avanço da mineração no Paraná é alerta para extração ilegal de areia

Avanço da mineração no Paraná é alerta para extração ilegal de areia

*Por José Lázaro Jr., Livre.jor

O Paraná foi a cara do avanço da mineração no país em 2021, com 170 das 759 novas lavras autorizadas encravadas no território brasileiro. À frente de Minas Gerais (163), São Paulo (129) e Santa Catarina (91), o número disparou um alerta ambiental, já que a maior parte das liberações são para a extração de areia – uma atividade que ameaça rios, cavernas e reservas naturais.

Somando as novas 58 lavras de areia àquelas já existentes, o Paraná passa a ter 1.068 pontos de retirada deste recurso não-renovável cadastrados pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Uma autorização da ANM pode abranger duas ou mais cidades, por isso há mais pontos que lavras. O problema é que, conforme alertam os estudiosos do setor, a extração ilegal de areia é sorrateira e praticamente invisível. Internacionalmente, o tráfico de areia já é o terceiro maior crime em volume de dinheiro, atrás apenas da venda de produtos falsificados e das drogas. Mas aqui não se fala disso.

Avanço da mineração no Paraná é alerta para extração ilegal de areia

Noroeste é a bola da vez para a setor da mineração

Por trás do primeiro lugar do Paraná no avanço da mineração no país está a expansão das empresas do setor de areia no Noroeste do estado. Em 2021, a ANM liberou novas lavras que atingem 17 municípios da região, abrindo 40 pontos de extração – um aumento de 30%, pois antes eram 139, agora são 179. O caso que chama mais a atenção é o da cidade turística de Porto Rico, às margens do rio Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul.

O pequeno município de Porto Rico tem oito praias naturais de água doce e nove ilhas no leito do rio Paraná, sendo que a mais conhecida é a de Santa Rosa. A região é propícia para o mergulho e possui diversos parques aquáticos. Segundo o governo estadual, na temporada, o número de pessoas na cidade quadruplica, dos 2,5 mil habitantes registrados no censo de 2010, para mais de 10 mil pessoas.

Até o ano passado, Porto Rico tinha nove empreendimentos legalizados para extração de areia, em operação desde os anos 2000, sob a responsabilidade da Mineração Nova Londrina e do Porto de Areia do Lago. Em 2021, oito pedidos da Athenas Mineradora Ltda., para retirada de areia nas duas margens do rio Paraná, tanto em Porto Rico, como em Taquarussu (MS), registrados em 2014, ganharam a benção da Agência Nacional de Mineração.

Com a anuência da ANM, a Athenas poderá explorar legalmente a areia disposta em uma área que, somando as oito concessões de lavra, é de 382 hectares na região do rio Paraná. Arredondando, é o equivalente a 400 campos de futebol. O caso exemplifica bem como a indústria da areia contribuiu para o estado ser o campeão de concessões, pois são vários pedidos picotados, para uma mesma região, engordando a estatística.

Não é exclusividade de Porto Rico ter praticamente dobrado seus pontos de extração de areia de um ano para o outro. No Noroeste, o mesmo aconteceu com Alto Paraná, Nova Londrina, Iporã, Inajá, Cruzeiro do Sul, Santo Antônio do Caiuá, Planaltina do Paraná, Japurá e Amaporã. Dessas cidades, quatro nem tinham areeiras operando dentro dos seus limites territoriais até o ano passado. 

Essa escalada fez com que o Noroeste roubasse da região dos Campos Gerais – famosa pelos seus arenitos, como a Área de Preservação Ambiental da Escarpa Devoniana – o segundo lugar no ranking estadual de exploração da areia. Ela tem agora 179 lavras ativas, atrás das 419 da Região Metropolitana de Curitiba (que engloba o litoral), mas à frente das 160 do Centro Oriental (que é o jargão técnico para o entorno de Ponta Grossa).

Meio bilhão de reais

Uma vez que o tráfico de areia é um problema mundial, há uma metodologia internacional para visualizar o tamanho desse problema. Ela consiste em tomar como parâmetro o consumo de cimento, para estimar a quantidade de areia realmente utilizada. Na prática, no ano de 2020, o Paraná consumiu 4,2 milhões de toneladas de cimento – o que deveria vir acompanhado do consumo de 16,8 milhões de toneladas de areia. Só que isso passou longe de ser verificado nos números oficiais.

Nos registros da União, faltou metade dessa areia. Em vez de produzir 16,8 milhões de toneladas, o Paraná só registrou a extração legalizada de 8,6 milhões de toneladas de areia em 2020 – logo, a diferença de 8,2 milhões de toneladas é a estimativa de retirada ilegal. O uso dessa metodologia é defendida no Brasil pelo policial federal Luiz Fernando Ramadon, que tem se dedicado a elucidar os mecanismos da mineração ilegal de areia no Brasil.

Em um artigo recente, Ramadon calculou que 64% da areia usada no Brasil em 2018 foi minerada ilegalmente – um negócio de R$ 13 bilhões de reais, que roubou R$ 179 milhões dos cofres públicos em impostos não pagos, fora os incalculáveis danos ambientais. Aplicando os mesmos parâmetros ao Paraná no ano de 2020, com o metro cúbico da areia sendo vendido a R$ 100, esse crime ambiental pode ter movimentado R$ 500 milhões.

Considerando que esses são os dados mais recentes disponíveis, 49% do consumo de areia no Paraná é presumidamente ilegal. Ou seja, meio bilhão de reais alimentam uma rede de negócios ambientalmente sujos, que em 2020 sonegaram R$ 5 milhões ao não pagarem a CFEM (Contribuição Financeira pela Exploração Mineral) – cuja alíquota para a areia é de 1% sobre a receita bruta da venda. 

Avanço da mineração no Paraná é alerta para extração ilegal de areia

Calculando a extração ilegal de areia (Ramadon, 2021)

Órgãos ambientais desconversam

Quem mais perde com a sonegação da CFEM são os municípios, que ficam com 65% da contribuição. Do restante, 23% vão para os estados e 12% para a União. Convidada a se manifestar sobre a metodologia utilizada pelo policial federal Luís Ramadon, a ANM disse somente que “não avaliamos e emitimos juízos de valor sobre metodologias aplicadas/utilizadas por outras instituições”.

O Instituto Água e Terra, por meio da assessoria da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Sustentável e Turismo (Sedest), disse o mesmo.“Este indicador [do Ramadon] é utilizado para estimar a produção de areia a partir do consumo do cimento, porém existem diversas proporções de consumo, a depender do uso na composição dos diferentes produtos que utilizam a areia. Importante considerar que existe grande comercialização de finos de brita (areia artificial) que é comercializado como brita, porém seu uso substitui a areia natural. Para considerar que existe comercialização de areia de fonte ilegal haveria necessidade de estudos mais aprofundados pela ANM”, insistiu o IAT.

A opinião dos órgãos de fiscalização é diferente da dos especialistas no assunto, como a do chefe do departamento de Geociências da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), Gilson Burigo Guimarães. Para ele, “este trabalho do Ramadon é excelente”. “Inclusive por utilizar dados, sem muita margem para especulação, e trazer um quadro mínimo do problema!”.

Sobre metade da areia usada no Paraná ser ilegal, “não é uma projeção absurda”, disse Guimarães, que é também representante estadual da Sociedade Brasileira de Geologia, membro do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) e membro titular do Conselho Gestor da APA da Escarpa Devoniana.

Consumo consciente depende de fiscalização sobre a mineração

Para Guimarães, o consumo consciente da areia esbarra na falta de controle dos órgãos públicos sobre a extração da areia. “Essa proteção na aquisição de areia, para pessoas e empresas, teria que passar pela atuação rigorosa dos entes públicos, fazendo seu papel fiscalizador. Só que eles definitivamente não estão preparados. Vai parecer discurso de sindicato, mas existe, sim, um histórico consistente de descaso (e/ou desmonte deliberado) dos órgãos públicos, nos três níveis [de governo], que deveriam atuar nas atividades de fiscalização”. 

À reportagem o IAT disse que o órgão divide com a ANM a fiscalização da mineração no Paraná. A Agência Nacional de Mineração deveria efetuar o controle da atividade legalizada, enquanto ao órgão estadual caberia exigir o cumprimento dos licenciamentos ambientais. “Coexistem as 2 legislações. Se a mineração é ilegal por falta de diplomas legais de mineração, é a ANM a ser acionada. Se crimes ambientais forem cometidos, é o IAT”, descreveu o governo do Paraná, sem responder sobre autuações recentes de mineração ilegal.

“Existem registros recentes de lavra não autorizada de areia no Paraná, que em sua maioria chegam à ANM mediante denúncias ou solicitações de informações por parte do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, ou são descobertas casualmente ao se analisarem os processos minerários com diversos fins. Mais recentemente, na região metropolitana de Curitiba, a ANM tem contado com o apoio da Polícia Federal nessa atuação”, respondeu a União, confirmando a ocorrência da atividade ilegal.

Hoje, a ANM dispõe de apenas três geólogos para a fiscalização da pesquisa, mais três geólogos e um engenheiro de minas para a fiscalização das lavras. 

Mudança é a resposta

“Não existe solução que não inclua a reformatação dos órgãos de controle, dando a eles autonomia verdadeira, com concursos em grande número e programas de capacitação de suas equipes, além da garantia de investimento contínuo em equipamentos, suporte de geoprocessamento e veículos, tanto terrestres, quanto drones”, alerta Gilson Guimarães. No seu trabalho mais recente, Ramadon afirma que a extração ilegal de areia é cometida diariamente no país “e seu faturamento anual é muito alto, sendo estimado entre R$ 7,6 bilhões e R$ 8 bilhões [por ano]”.

A extração ilegal de areia, um dos mais importantes agregados da construção civil, é uma das atividades da mineração mais impactantes e não sustentáveis, por não existir nenhum tipo de controle ou fiscalização. Ela é responsável pela degradação de praias, rios e lagoas, alterações dos cursos hídricos, aumento do assoreamento, descaracterização do relevo com erosão do solo, destruição de áreas de preservação permanente, da flora e da fauna, alteração do meio atmosférico, com aumento da quantidade de poeira no ar”, comenta o policial federal e pesquisador do assunto.

Ainda segundo Ramadon, “o subsetor de extração de minerais de uso direto na construção civil, objetivo principal deste estudo, é geralmente constituído por empresas de pequeno a médio porte, com baixa capacidade organizacional e de investimentos. Nem sempre com conhecimento adequado, ou planejamento de lavra que conduza ao fechamento da mina com aproveitamento máximo do recurso mineral. Principalmente nas pequenas empresas é grande a clandestinidade e a ilegalidade, associada a falta ou a deficiências no licenciamento ambiental”.

A visão do IAT para o problema é que não há problema, pois “todas as lavras passam por rigorosa análise ambiental, antes de ser instalada e após o início de suas atividades”. O órgão ambiental do governo do Paraná também afirma categoricamente que “não existem lavras legais em áreas de preservação ambiental, e muito menos lavras de areia em cavernas”. “A mineração é necessária a toda a população e ela deve ser feita sempre de forma sustentável”, disse, em nota, à reportagem, o Instituto Água e Terra.

Muito material barato

Ainda que tenha saído daqui o ouro usado para forjar as medalhas das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, o Paraná não é destaque na mineração nacional. Em termos de produção bruta, ficou com a 7º posição no ranking nacional em 2020, com 56 milhões de toneladas extraídas. São meros 3,5% do total. O Paraná está bem atrás de Minas Gerais, que ficou em 1º, ao extrair 515 milhões de toneladas (32%).

No Brasil, a alíquota da CFEM é menor quanto mais ordinário for o material extraído. É por isso que areia e outros insumos da construção civil recolhem apenas 1% de imposto enquanto o minério de ferro retém mais que o triplo, custando 3,5%. Por produzir materiais mais baratos, em termos de arrecadação, o Paraná cai para a 12ª colocação no ranking. O estado arrecadou R$ 23 milhões de CFEM, Minas Gerais fez R$ 4,6 bilhões em 2020.

O aumento das lavras de areia explica o recorde de 2021, mas a areia é só a terceira substância mais extraída no Paraná. No topo da lista, em 2020, está a pedra brita e o cascalho, com 24,7 milhões de toneladas, seguida pela indústria do calcário, com 16 milhões de toneladas. A soma da brita, calcário e areia representa 87% de toda produção bruta do estado, mostrando como a mineração no Paraná está atrelada à construção civil.

“[Em termos de mineração], não podemos esquecer [que a construção civil] é a própria vocação natural do Paraná, [um estado] comparativamente menos atraente quando o assunto são bens minerais erroneamente tidos como mais nobres – ouro, ferro, cromo, níquel, cobre etc. Isso faz com que por aqui o destaque sempre esteja em materiais da construção civil (areia, cascalho, argila, brita) ou de interesse agrícola (calcário)”, assinala Gilson Guimarães, da UEPG.

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Foto de abertura: Gilson Burigo

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