As bonecas da inclusão

As bonecas da inclusão

A artesã Cristiane Mendonça faz bonecas. Bonecas de verdade. Aquelas de pano, de cabelos de fio, que vão sujando à medida que a infância vai chegando ao fim. Aquelas de pernas compridas, que podem ser levadas para qualquer lugar. Feitas à mão, uma nunca é igual a outra. São únicas. Exatamente como nós.

Um dia, Cristiane recebeu um pedido especial de uma amiga. Ela gostaria que a artesã fizesse um boneco para Guilherme, seu filho, portador de síndrome de down e autista. A mãe queria que o filho pudesse se ver reproduzido em um boneco de pano.

Quando estava pronta a encomenda, ela foi entregá-la pessoalmente e levou junto sua filha, Sofia. Mas quando chegou lá e percebeu a reação da menina, se deu conta que não tinha conversado antes com ela. Sofia não parava de olhar para Guilherme porque nunca antes tinha encontrado uma criança com síndrome de down.

“A partir deste momento, mudou tudo em mim. Eu percebi que o amor que eu tinha pelo artesanato devia ir além da decoração e trazer benefícios para outras pessoas”, conta Cristiane. “Seria uma maneira de introduzir o tema inclusão dentro das famílias”.

Desde então, a artesã lançou uma coleção chamada “Amigos da Inclusão ”. São bonecos que retratam crianças com algum tipo de deficiência: motora, visual, auditiva. Há meninos e meninas cadeirantes, cegos, albinos, amputados, com alopecia (perda de cabelo) ou vitiligo (doença autoimune que provoca a descoloração da pele).

Mina, acompanhada de seu cão-guia

A paixão pelo artesanato

Nascida em Natal, no Rio Grande Norte, Cristiane se casou com um italiano e morou no país do marido durante alguns anos. De volta ao Brasil, foi para o Rio de Janeiro, e na nova cidade decidiu investir na sua grande paixão: o artesanato. “Acho que já nasci artesã! Sempre senti a necessidade de criar, fazer coisas com as minhas próprias mãos”, diz.

No início da Bottega das Artes (o nome é uma homenagem ao lado italiano da família), em 2013, Cristiane produzia apenas bonecas para decoração. “Mas com o passar do tempo fui sentindo a necessidade de fazer meus próprios moldes, como eu imaginava e queria: usando o traço simples de criança, com o corpinho triangular e as perninhas e mãozinhas finas”.

Hoje, além dos bonecos inclusivos, ela produz personagens dos mais variados: desde a turma do Sítio do Picapau Amarelo e um Pequeno Príncipe negro até uma Frida Kahlo e uma Malala feitas de pano.

Cristiane e seus bonecos de pano

O principal objetivo da artesã é criar um produto durável, feito mesmo para brincar, e que acompanhe a criança durante toda a infância, diferentemente dos bonecos “industrializados”. Cada boneca leva em torno de um dia a um dia e meio para ser finalizada. Mensalmente, a Bottega das Artes produz aproximadamente 40 delas.

Além das vendas online pelo site da marca, as bonecas da Bottega das Artes são comercializadas em feiras de artesanato no Rio e nas lojas Parceria Carioca, no Shopping da Gávea, no Jardim Botânico e no Museu do Amanhã.

“Eu sinto a emoção das pessoas quando conhecem nossos bonecos inclusivos”, diz. “E quando estão acompanhados dos filhos, os pais já começam a falar sobre inclusão e isso é muito positivo”.

Bonequinha com olhos amendoados, característicos da síndrome de down

Cristiane dá oportunidade para que crianças possam brincar com bonecos brancos, negros, loiros, cadeirantes, cegos, com síndrome de down… E mostra que no fundo, somos todos iguais – únicos –, mais iguais!

E é dentro de casa que a artesã também sente a importância de seu trabalho. Outro dia, a filha (que aparece na foto que abre esta reportagem) estava brincando com outra criança. Quando disse que a boneca cadeirante iria ser uma médica, a amiga contestou “Ela não pode ser médica, ela é uma cadeirante!”. Do alto de seus 6 anos, Sofia não titubeou. “Ela pode ser médica sim! Ela é cadeirante, mas pode ser o que ela quiser”.

Menina maravilha e cadeirante: porque ela pode ser o que quiser!

Fotos: divulgação Bottega das Artes 

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.