Após dois anos, suspeito da morte do líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, líder indígena de Rondônia, é preso pela Polícia Federal

“Só quem viveu sabe a dor de perder alguém querido. Ainda mais quando essa perda acontece de forma violenta contra um protetor e guerreiro do seu território e povo. Nada apaga ou diminui essa dor. Que a justiça seja feita!”, escreveu a jovem líder indígena Txai Suruí em 15 de julho, em seu perfil no Instagram (veja no final deste post).

Ela se referia à prisão de suspeito pelo assassinato de seu querido amigo, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, em 2020, durante a pandemia, compartilhando o post da Associação de Defesa Etnoambiental Canindé, que diz:

“O assassino do indígena Ari Uru-eu-wau-wau foi preso hoje pela Polícia Federal em Rondônia. O crime ocorreu em 18 de Abril de 2020 e estava até agora sem solução. Ari era integrante do Grupo de Monitoramento da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e teve sua história contada no documentário ‘O Território’.

Txai falou de Ari em seu discurso forte e comovente na COP 26 – Conferência de Clima da ONU, em Glasgow (contamos aqui): “Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza”.

“Esperamos que haja justiça”

A indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo mãe de Txai e mais conhecida como Neidinha Suruí -, fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé (organização não-governamental de Rondônia que atua com mais de 50 etnias indígenas), celebrou a notícia:

“Finalmente a gente teve a notícia de que o possível assassino foi preso. E o que nós esperamos é que haja justiça. Ari era um guardião da floresta que estava lutando para manter o seu território e o seu povo. Ele era professor, pai de família e uma pessoa muito boa”, declarou ao G1.

A Kanindé, liderada por Neidinha, e a Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (Jupaú) se manifestaram por nota pública, na qual contaram que aguardam a identidade do suspeito e a motivação da morte.

“Seguiremos acompanhando o caso até a efetiva punição com os rigores da lei dos envolvidos na morte de nosso parente e a saída dos milhares de invasores da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau”.

Polícia tentou classificar o caso como acidente

Professor e agente ambiental de 33 anos, Ari foi encontrado com marcas de espancamento pelo corpo (como contamos aqui), em uma estrada de Tarilândia, distrito de Jaru, a 292 km de distância de Porto Velho, em Rondônia. 

A região é conhecida pelo longo histórico de invasões, grilagem, desmatamento e ameaças aos povos da floresta. E, apesar das evidências, na época, a Polícia Civil insistiu em sentenciar o caso como um ‘acidente’.

Em nota, instituições de direitos humanos refutaram a conclusão precipitada e ressaltaram que “a violência contra as lideranças aumentou ainda mais com a pandemia e “tem relação direta com a política genocida do governo Bolsonaro”.

Ari integrava um grupo de vigilância indígena formado para fiscalizar e denunciar invasões à sua terra, que se autodenomina Guardiões da Floresta, como acontece em diversas etnias, entre elas a dos Guajajara, no Maranhão: Paulo Paulino, assassinado em dezembro de 2019, numa emboscada, também era guardião (recentemente, a Justiça decidiu que seus assassinos serão julgados por júri popular).

De acordo com informações do WWF-Brasil, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem 1,8 milhões de hectares e é um dos últimos remanescentes de floresta no estado de Rondônia, por isso, alvo constante de invasões de grileiros que, com o afrouxamento da fiscalização e a impunidade promovida pelo governo de Bolsonaro, se sentem livres para agir.

Operação Guardião Uru

A operação que investiga o assassinato de Ari foi batizada como Operação Guardião Uru em sua homenagem e trabalha com a hipótese de que ele tenha sido dopado e espancado até a morte.

O nome do suspeito – que é autor de outros crimes – e o local onde foi preso, de forma preventiva, não foram divulgados. 

Em nota, a Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé declararam aguardar a divulgação dos detalhes sobre a prisão como a identidade do suspeito e sua motivação para cometer o crime.

“O crime ocorreu em meio à falta de fiscalização, invasões de terras por grileiros, garimpeiros e madeireiros. Esperamos também que esta Operação Guardião Uru, nome dado em homenagem ao Ari, ajude a solucionar outros crimes cometidos na região”. 

As entidades ainda destacaram que, como Ari, há muitos indígenas e ativistas ameaçados de morte por tentarem proteger a floresta e seus povos de ataques. E que as ameaças sofridas por eles têm sido relatadas pelas comunidades às autoridades, sem qualquer retorno. Nenhuma providência é tomada. 

E a organização WWF-Brasil acrescentou que é imprescindível esclarecer “pontos cruciais” da investigação para que os envolvidos sejam responsabilizados e punidos: executores e, certamente, mandantes. 

A história se repete

Quando Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram no Vale do Javari, em junho, os integrantes da Univaja – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari relataram à imprensa e às autoridades que, tanto o indigenista como diversas lideranças indígenas vinham sendo ameaçadas por pescadores e narcotraficantes (seus corpos foram encontrados 15 dias depois)

Também contaram que Funai, MPF e Polícia Federal vinham sendo atualizados sobre a situação perigosa na região, com provas das invasões e da exploração ilegal da pesca e da caça, além do garimpo. E nada foi feito. 

No caso de Ari, com a identificação e prisão preventiva de um suspeito, neste momento, as três organizações (Kanindé, Jupaú e Univaja) chamam a atenção para o fato de que o avanço das investigações no caso de Ari ocorre pouco mais de um mês do assassinato do indigenista e do jornalista.

Seria um sinal de que a PF vai se dedicar mais e intensificar o combate a esse tipo de crime? Inclusive o que tirou as vidas de Bruno e de Dom?

A luta de Ari e de seu povo no cinema

A história de luta em defesa de seu território contra ameaças constantes vivida por Ari e por seu povo foi retratada no documentário O Território, dirigido pelo americano Alex Pritz, com coprodução dos Uru-Eu-Wau-Wau. Ele revela também as motivações de quem invade suas terras

O assassinato de Ari permeia a obra que foi selecionada pelo Festival Sundance, o maior do cinema independente dos Estados Unidos, realizado em janeiro, no qual recebeu dois prêmios: Melhor Documentário do Mundo pelo voto popular e prêmio especial do júri para Obra Documental.

Em março, o filme se destacou no CPH:Dox (o maior festival de documentários do mundo), em Copenhague, na Dinamarca, com uma menção especial do júri. E, em abril, levou o prêmio de ‘Documentário Ativista’ da mostra Movies that Matter Festival 2022, em Haia, na Holanda. Saiba mais na reportagem Documentário ‘O Território’ conquista o mundo, da agência Amazônia Real.

E, pra finalizar este texto, reproduzo o post de Txai Suruí, no Instagram, celebrando a prisão do suspeito de ter tirado a vida de seu amigo querido:

Foto (destaque): Gabriel Uchida/Kanindé

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.