APIB leva o caso de Bruno Pereira e Dom Phillips e a omissão do governo ao Tribunal Penal Internacional, de Haia 

Em 9 de agosto de 2021, Dia Internacional dos Povos Indígenas, a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil denunciou Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, por genocídio devido à morte de 1.162 indígenas na pandemia da covid-19, e crimes contra a humanidade (contamos aqui). Esta foi a 7ª denuncia, até então, contra o presidente brasileiro desde 2019.

No documento, a APIB solicitou que a procuradoria do TPI examine os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente brasileiro, desde o início do seu mandato, em janeiro de 2019, com especial atenção desde o início da pandemia. E que também analise a descrição de ações e supostas omissões na gestão do meio ambiente

Agora, a cada seis meses, a organização atualiza o documento depositado em Haia com um relatório que traz novas informações. Foi assim em dezembro, e novamente agora, em 13 de junho, com ações referentes ao período de janeiro a maio de 2022

Na nova manifestação, a APIB faz três denúncias: contra a omissão do governo em relação ao desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, a falta de proteção e de ação contra as invasões de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami e a transformação da Funai em um orgão anti-indígena, entre outros. 

Ouça a declaração de Eloy Terena, advogado da APIB, em vídeo no final deste post no qual conta que deu entrada a esse relatório hoje em Haia.

Caso Bruno e Dom

Bruno Pereira e Dom Phillips foram vistos, pela última vez, em 5 de junho, quando rumavam de barco para Atalaia do Norte. As instituições que deveriam ter começado as buscas no dia seguinte – Polícia Federal, Marinha, Exército, Força Nacional –, demoraram para agir porque não tinham sido acionadas pelo presidente.

Ilustração: Cris Vector

Dias depois, quando Bolsonaro finalmente se pronunciou em uma entrevista para uma emissora que o apoia, acusou os desaparecidos de terem se lançado em “uma aventura não recomendável”!

Até ontem, pouco havia sido encontrado – material orgânico (em análise) e pertences pessoais (confirmados). Mas, hoje, a PF deu uma notícia muito triste, que liquida com qualquer esperança: os dois pescadores detidos como suspeitos confessaram o crime.

A partir dos depoimentos de testemunhas, na semana passada a PF prendeu Amarildo Oliveira, conhecido como ‘Pelado’, e analisava sangue encontrado em seu barco. Ontem, 14 de junho, Oseney da Costa OIiveira, conhecido como ‘Dos Santos’ – e irmão de Amarildo -, teve sua prisão temporária decretada pela Polícia Civil do Amazonas.

Hoje, confessaram que mataram Bruno e Dom e tentaram se livrar de qualquer vestígio. Depois, Amarildo disse que não os executou, só ajudou a esconder os corpos. Eles levaram a PF até o local. A PF deve se reunir com a imprensa para dar mais detalhes.

Garimpeiros nas terras Yanomami

Foto: Chico Batata/Greenpeace

A segunda denúncia da manifestação da APIB indica o aumento de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami – a maior do Brasil, homologada há 32 anos. Hoje há cerca de 421 pontos de garimpo ilegal.

O Ministério Público Federal de Roraima chegou a denunciar que, destes, apenas 9 pontos receberam a visita de policiais, na tentativa de retirar os criminosos.

Isso sem falar na barbárie diária promovida por eles, como abusos psicológicos, violência sexual, doenças, fome. Com seus rios contaminados, muitas vezes os indígenas dependem dos garimpeiros para se alimentar e estes se aproveitam para chantageá-los: ofertam comida em troca de mulheres e meninas para exploração sexual. 

O caso da menina de 12 anos estuprada até a morte e o sumiço de uma criança de três, que estava junto com ela e uma mulher, não foi solucionado pela Polícia Federal, que declarou que não há indícios do crime visto que não encontrou o corpo. De acordo com os indígenas, o corpo da menina foi cremado, como é de costume. 

Medidas anti-indígenas

A terceira denúncia da APIB enfatiza a implementação de uma política anti-indígena em órgãos como a Funai, criada em 1967 para proteger esses povos. 

Ilustração: Carlos Latuf

A organização cita medidas administrativas “criadas com o objetivo de desproteger indígenas localizados em terras não homologadas, além de atos infralegais que facilitaram o acesso de terceiros às terras indígenas, bem como a completa paralisação dos processos demarcatórios“.

Também destaca a contratação de funcionários abertamente contrários aos interesses dos povos indígenas, como o presidente da Funai, Marcelo Xavier: um ex-delegado da Polícia Federal e pastor evangélico fundamentalista, que defende os interesses dos ruralistas.

Para assessora-lo ou orienta-lo, o pecuarista Nabhan Garcia, que presidiu a UDR – criada em 1985 para se contrapor ao MST – Movimento dos Sem Terra, e hoje é responsável pela reforma agrária, além da demarcação de terras indígenas e quilombolas, imagina! 

Xavier e a Funai na Justiça

A pedido de Xavier, entre maio e abril do ano passado, a Polícia Federal intimou as lideranças indígenas Sonia Guajajara e Almir Suruí para depor, mas a Justiça Federal mandou a PF arquivar os dois processos. E, em setembro, o presidente da Funai tornou-se réu por atraso na demarcação da Terra Indígena Munduruku, em Santarém, Pará. Ou seja, sua trajetória à frente do órgão visa atacar os povos e suas lideranças, que deveria proteger.

Esta semana, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com pedido na Justiça Federal contra Marcelo Xavier e a Funai devido à nota pública, na qual o órgão declara que Bruno e Dom não tinham autorização para estar no Vale do Javari, desmentindo a Univaja – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari.

Ontem, a Justiça proibiu Xavier de fazer qualquer declaração que atente contra a dignidade dos desaparecidos. Mais: a juíza Jaíza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, também decidiu que a Funai deve retirar imediatamente a nota pública de esclarecimento do ar (o que, até o fechamento deste texto, não aconteceu), publicada no dia 10 no site da fundação. Para ela, o texto contém “afirmações incompatíveis com a realidade dos fatos e com os direitos dos povos indígenas”.

Além disso, a Funai deve providenciar medidas de segurança pública e garantia da integridade física de seus servidores e dos povos indígenas no Vale do Javari, no Amazonas, em todas as Bases de Proteção do Vale do JavariQuixito, Curuçá e Jandiatuba –, como também nas sedes das coordenações regionais do Vale do Javari e da coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.  

Agora, assista Eloy Terena, advogado da APIB, explicando o novo relatório no Tribunal de Haia:

Foto (destaque): Ilustração de Cris Vector

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.