André Ruschi: ambientalismo no Brasil perde mais um guerreiro. O Rio Doce também

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Filho de peixe, peixe grande foi. No dia 4/4, André Ruschi – filho de ecologista Augusto Ruschi -, deixou o ambientalismo menos potente no Espírito Santo, que me perdoem seus companheiros de ativismo na região. Merecia melhor fim: partiu muito doente, depois de agonizar por 25 dias por causa de uma bactéria contraída porque estava fisicamente muito debilitado. Nesta segunda, sofreu uma parada cardíaca.

Era filho do ecologista Augusto Ruschifundador do Museu de Biologia Mello Leitão, no estado capixaba. Foi um dos maiores críticos e combatentes da indústria mineradora. Incansável nas denúncias contra o crime da Samarco e parceiras (BMP Billiton e Vale) cometido com o rompimento da barragem do Fundão, em 5/11, que causou a maior tragédia ambiental do Brasil, em Mariana. Assim que a lama destruiu vilas de Mariana e arrasou o Rio Doce, André responsabilizou publicamente as empresas envolvidas, dizendo que deveriam procurar reverter, ao máximo, os estragos causados. Também cobrou compromissos do governo federal e dos estados do ES e Minas Gerais para com seus moradores e convidou a sociedade civil a se mobilizar por essa causa.

Quem o acompanhava no Facebook, sabe a dimensão dessa militância. Foi um dos primeiros a alertar que o desastre com lama de resíduos tóxicos mataria toda a biodiversidade local. No final deste post, reproduzo texto que ele escreveu sobre o assunto em novembro de 2015 e divulgou em seu perfil.

Em sua biografia, fica ainda o registro de pioneiro na implantação da educação ambiental no país com o Projeto Arca de Noé, que criou em 1989, e a coordenação da Estação de Biologia Marinha em Santa Cruz, no município de Aracruz, no Espírito Santo. Segundo os amigos, ele era um “ser da floresta”, que dedicou sua vida às causas ambientais, que nunca deixou de lutar pelos seus ideias, mesmo quando era absolutamente incompreendido.

Sempre que tinha oportunidade, homenageava o pai e lembrava que ele foi o primeiro cientista a cogitar a existência do aquecimento global e que, por causa dele, a água do Rio Doce ia secar e tudo viraria deserto. Em dezembro do ano passado, celebrou o centenário de Augusto Ruschi, morto em 1986.

Agora, leia o texto que André Ruschi escreveu a respeito da tragédia no Rio Doce, dez dias depois do rompimento da barragem. Incrível lê-lo depois de cinco meses em que tudo continua na mesma, a lama continua vazando, a empresa ativa e os criminosos soltos.

Maior impacto ambiental industrial da história do mundo ocorre no Espírito Santo – 15/11/2015

Esta sopa de lama tóxica que desce no rio Doce e descerá por alguns anos toda vez que houver chuvas fortes e irá para a região litorânea do ES, espalhando-se por uns 3 mil km2 no litoral norte e uns 7 mil km2 no litoral ao sul, atingindo três UCs marinhas – Comboios, APA Costa das Algas e RVS de Santa Cruz, que juntos somam uns 200 mil ha no mar.

Os minerais mais tóxicos e que estão em pequenas quantidades na massa total da lama, aparecerão concentrados na cadeia alimentar por muitos anos, talvez uns 100 anos. RVS de Santa Cruz é um dos mais importantes criadouros marinhos do Oceano Atlântico. 1 hectare de criadouro marinho equivale a 100 ha de floresta tropical primária. Isto significa que o impacto no mar equivale a uma descarga tóxica que contaminaria uma área terrestre de de 20 milhões de hectares ou 200 mil km2 de floresta tropical primária. E a mata ciliar também tem valor em dobro. Considerando as duas margens, são 1.500 km lineares x 2 = 3 mil km2 ou 300 mil hectares de floresta tropical primária.

Vocês não fazem ideia! O fluxo de nutrientes de toda a cadeia alimentar de 1/3 da região sudeste e o eixo de ½ do Oceano Atlântico Sul está comprometido e pouco funcional por, no mínimo, 100 anos!

Conclusão: esta empresa tem que fechar. Além de pagar pelo assassinato da 5ª maior bacia hidrográfica brasileira. Eles debocharam da prevenção e são reincidentes em diversos casos. Demonstram incapacidade de operação crassa e com consequências trágicas e incomensuráveis. Como não fechar? Representam perigo para a segurança da nação!

O que restava de biodiversidade castigada pela seca agora terminou de ir. Quem sobreviverá? Quais espécies de peixes, anfíbios, moluscos, anelídeos, insetos aquáticos jamais serão vistas novamente? A lista de espécies desaparecidas foram quantas? Se alguém tiver informações, ajudariam a pensar.

Barragens e lagoas de contenção de dejetos necessitam ter barragens de emergência e plano de contingência. Como licenciar o projeto sem estes quesitos cumpridos? Qual a legalidade da licença para operação sem a garantia de segurança para a sociedade e o meio ambiente? Mar de lama… mas não seria melhor evitar que a lama chegasse ao mar? Quem teve a brilhante ideia de abrir as comportas das barragens rio abaixo em vez de fechá-las para conter a lama e depois retirar a lama da calha do rio?

Temos uma cordilheira submarina que faz barreira nas correntes submarinas em frente ao local, formando um giro de 70 km de diâmetro que fará a contenção destes sedimentos nesta área específica que dimensionei. É claro que os sedimentos chegarão, aí sim, como têm chegado por mais de 120 milhões de anos. Se o geólogo diz que não, o ecólogo diz que sim e sem dúvida!!! Não sou leigo.

Os fundamentos de convicção do geólogo são frágeis e pior, incompletos pois desconsideram a existência do oásis marinho que é a foz do Rio Doce e não deve saber dos efeitos que a cordilheira Vitória-Trindade têm no meio ambiente do oceano Atlântico e do continente da América do Sul..

E quanto às listas de espécies do rio agora extintas? Não fala nada? A caracterização físico-química dos sedimentos deveria estar descrita no EIA/RIMA de licenciamento do empreendimento. Aqui no ES, sedimentos relacionados a pellets de minério de ferro têm revelado composição de cromo, cádmio, arsênio e mercúrio, sim. Inclusive em lagoa da SAMARCO, lagoa de Maimbá entre Guarapari e Anchieta, já detectamos mercúrio. E o pellets da SAMARCO vem de MG pelo mineroduto. E não se pode desvincular a responsabilidade da VALE. Os metais pesados são cumulativos e persistentes na cadeia alimentar. Portanto, no local de origem da maior cadeia alimentar do oceano atlântico é de se imaginar que o efeito cumulativo chegará no topo da cadeia alimentar.

É importante ter ideia do dimensionamento das coisas no tempo. Pois este é o tempo de monitoramento e controle necessários. Quem ainda pensa que o mar tem o poder de diluição da poluição? Isto é um retrocesso da ciência de mais de um século!!!!! Sendo Rio Federal, a juridição é do governo federal, portanto, os encaminhamentos devem serem feitos ao MPF.

Fica a advertência para os olheiros das empresas: se essa coisa chegar ao mar o caso entra para jurisdição internacional. Lá tem prisão perpétua, pena de morte, sequestro de bens internacionais, etc.

André Ruschi
Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi Aracruz, Santa Cruz, ES

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Foto de Breno Pessoa feita durante aula de biologia marinha na Estação Augusto Ruschi

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.