Esta não é a primeira vez que a ciência constata algo parecido. Um estudo divulgado em 2019 na publicação Aquatic Mammals apontou que golfinhos estavam desenvolvendo resistência a antibióticos. Durante doze anos, entre 2003 e 2015, cientistas da Florida Atlantic University encontraram um aumento na resistência a esses medicamentos em organismos (vírus, bactérias, fungos, protozoários) presentes nas fezes, fluidos gástricos e narinas de animais. Dos 733 agentes patogênicos analisados (organismos), coletados em 171 indivíduos, 88% deles se mostraram resistentes a pelo menos um tipo de antibiótico.
Há décadas especialistas alertam sobre os riscos provocados pela administração de antibióticos sem necessidade. Quando há demasiado ou mau uso dessas substâncias, as bactérias para as quais elas foram desenvolvidas a combater, podem ficar ainda mais fortes e imunes a elas, o que hoje chama-se de “superbactérias”. Com isso, o tratamento de infecções bacterianas faz-se mais difícil, prolongado e com maiores chances de tornar-se fatal para o paciente. De acordo com dados do Centro para a Prevenção e o Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), só nos Estados Unidos, cerca de 35 mil pessoas morrem por ano porque foram contaminadas com bactérias resistentes a antibióticos.
Ao serem expelidos pela urina humana ou animal, resíduos de antibióticos podem contaminar também a água e o solo, e como consequência, os alimentos que ingerimos. Vale lembrar que para suprir a demanda global do mercado de carne, hoje em dia bois, frangos, porcos e outros animais são tratados frequentemente com antibióticos. A prática, comum no setor, faz com que eles fiquem mais resistentes à doenças e cresçam rapidamente.
Agora um novo estudo divulgado na Suécia reforça ainda mais a necessidade de controle ao uso indiscriminado de antibióticos. E revela que esse é um problema que tem solução. Um grupo de pesquisadores da Norwegian University of Science and Technology analisaram os cálculos dentários de 82 ursos selvagens do Museu Sueco de História Natural. O animal mais velho foi morto em 1842, 180 anos atrás, muito antes de os humanos começarem a liberar antibióticos na natureza. O mais jovem foi abatido em 2016, depois que o uso de antibióticos foi regulamentado no país escandinavo.
“Este intervalo de tempo nos permitiu comparar como o uso humano de antibióticos afetou a resistência das bactérias dos ursos ao longo do tempo”, explica Jaelle Brealey, uma das cientistas envolvidas na pesquisa.
A análise revelou que, a partir das décadas de 40 e 50, quando a humanidade passou a fazer a utilização em grande escala desses medicamentos, os ursos sentiram esse efeito em seu corpo. Todavia, há 25 anos, quando a Suécia adotou leis mais rígidas em relação aos antibióticos, tanto na área agrícola como médica, a presença de genes resistentes nos animais diminuiu.
“A genética dos ursos reflete a legislação mais rígida. Os genes que conferem resistência não são tão comuns nas bactérias de ursos que foram mortos nos últimos anos, depois que o governo limitou o uso de antibióticos”, ressalta Jaelle.
Ou seja, é possível combater esse que é um problema global de saúde.
“A conclusão deste estudo é encorajadora, porque vemos que as medidas nacionais implementadas pelas autoridades podem realmente funcionar”, diz Daniela Kalthoff, curadora da coleção do Museu Sueco de História Natural.
Um ponto que surpreendeu os pesquisadores, entretanto, foi que eles esperavam encontrar a maior resistência nas bactérias dos ursos que foram mortos perto de áreas com maior concentração de moradias. Mas não foi esse o caso. “A resistência era tão comum nas bactérias de ursos que foram mortos longe da civilização”, afirma Katerina Guschanski, autora sênior do estudo.
*Os pesquisadores suecos publicaram um artigo científico sobre a pesquisa na revista Current Biology. O texto, em inglês, pode ser acessado neste link.
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