Amandio Micolino, plantador de florestas, deixou um grande legado na região do Xingu e Araguaia

Amandio Micolino se engajou no desafio de reflorestar as áreas degradadas do Xingu e Araguaia, no Mato Grosso. Na região desde a década de 1970, ele desmatou parte de sua propriedade para a agropecuária, mas a partir de 2008, com apoio do ISA – Instituto Socioambiental, começou a recuperar áreas da Fazenda São Roque.

Micolino faleceu em 24/9, em Goiânia aos 89 anos. Seu legado seguirá vivo nas florestas que plantou.

“Eu gosto de reflorestamento. Naquele tempo desmatei porque precisava e hoje planto árvores porque quero deixar um exemplo para meus filhos e netos”, disse em entrevista para o blog da Rede de Sementes do Xingu.

Amandio era natural do Rio Grande do Sul. Quando tinha dez anos, contou, acompanhava seu pai na derrubada do mato para fazer roça na região próximo ao rio Uruguai.

“A gente não levava água junto. Quando tinha sede, cortava cipó e saia quase um litro de água. A árvore e a água são duas coisas que não vivem separadas: a água não vive sem a árvore e a árvore não vive sem a água. Aí tem um casamento, um segredo entre as duas”. Sua fala foi publicada no livro Agricultores que Cultivam Árvores no Cerrado (disponível neste link).

Luciano Eichholz, que foi técnico do ISA entre 2008 e 2011, conta que Amandio dizia que tinha chegado um momento da vida em que gostaria de contribuir para deixar um legado para as próximas gerações, e que o jeito de resolver isso seria plantando árvores.

Amandio sempre realizou o trabalho de plantar florestas com muito entusiasmo e felicidade e sempre voltava a afirmar que ele estava fazendo para deixar para a sociedade, para as futuras gerações”.

Ele disse isso para os organizadores do livro citado acima: “Eu sempre pensava em fazer alguma coisa, plantar alguma coisa, pro meio ambiente, que tanta riqueza me deu. Então, fiz esse plantio, mas não foi com interesse de ganhar dinheiro. Fiz pra deixar alguma coisa para o futuro”.

Essa e outras histórias do Sr. Amandio foram contadas nas inúmeras visitas em sua propriedade, a Fazenda São Roque, para conhecer o trabalho que estava sendo realizado por ele.

Em 2013, uma expedição realizada para mostrar os resultados da Campanha Y Ikatu Xinguque nasceu em 2004 com o objetivo de recuperar e preservar as nascentes e matas ciliares do Rio Xingu – visitou a propriedade.

Quando os participantes ainda desciam do ônibus, Amandio perguntou: “Vocês falam brasileiro?”. Depois de ter certeza de que todos o entendiam, Micolino começou a contar histórias.

Explicou como mudaram as condições de vida desde sua chegada ao Mato Grosso na década de 1970, com os “pioneiros” sulinos que vinham de longe e do frio. Falou com emoção das dificuldades de escoar a produção de grãos no período das chuvas, das carretas de arroz perdidas em atoleiros, de pessoas que perderam seus investimentos e tiveram que voltar para o sul.

Na época, sua decisão de plantar um cafezal onde havia a mata ciliar às margens do rio Tanguro, foi o que o ajudou a garantir seu sustento. Em seguida, contou os motivos que o levaram a restaurar florestas nativas em sua propriedade.

Em uma visita de alunos de uma escola estadual de Canarana, Micolino explicou com orgulho como ele começou a plantar árvores.

Na década de 1980, o cafezal foi destruído por causa de um incêndio e ele decidiu transformar a área em pastagem. Os animais silvestres sumiram e a água do rio Tanguro baixou. Foi então que a vontade de plantar a mata de volta bateu mais forte. Hoje a realidade é diferente:

“A floresta, que já se criou, trouxe todo tipo de bicho, até onça começou a aparecer por aqui, e a água do rio Tanguro aumentou”.

Amandio sempre fez questão de mostrar o trabalho realizado na fazenda, e que todos os visitantes assinassem o livro de presença.

“O equilíbrio da natureza está sendo destruído”

Em uma outra oportunidade, em entrevista a repórter Giovana Girardi, do jornal O Estado de São Paulo, Micolino contou que “depois de uns 20 anos, vi que começou a desandar demais o desmatamento. Começaram a entrar uns grandes, desmatar de uma vez mil, dois mil hectares. Eu pensei: isso aí vai dar em desastre. Cada vez fica pior. A água e as árvores são um casamento, nenhum vive sem o outro. Aí percebi que precisava começar a reflorestar”.

Quando a repórter perguntou se achava que poderia ocorrer um desastre ambiental, Micolino respondeu:

“Se tem uma tormenta, é a mata que ajuda a segurar. Se fica tudo livre, o vento cria mais força. E a raiz da árvore é um encanamento que leva a água pra baixo. O lençol tá fracassando. O que tá havendo, com esse calorão que temos? Eu sei: o que acontece é que o equilíbrio da natureza está sendo destruído”.

A equipe do Instituto Socioambiental (ISA) expressa seus sentimentos à família de Amandio Micolino, nosso parceiro de tantas lutas. Fica nossa sincera homenagem e agradecimento ao Sr. Amandio, que plantou muito mais do que sementes na terra, plantou esperança e deixou um grande legado para o Xingu e o Araguaia.

*Este texto foi publicado originalmente no site do Instituto Socioambiental, em 7/10/2020

Fotos: Rafael Govari/Instituto Socioambiental

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O Instituto Socioambiental (ISA) é uma das principais organizações ambientalistas e indigenistas do Brasil. Fundada em 1994, o ISA atua regional e nacionalmente para defender povos indígenas, comunidades tradicionais, direitos humanos e o patrimônio cultural, valorizando a diversidade socioambiental do Brasil