Alimentação saudável na adolescência

prato de salada - alimentação saudável

Dispostos em roda, alunos de Ensino Médio jogam uma espécie de “supertrunfo”. Mas em vez de comparar modelos de carros ou poderes de heróis, eles conversam sobre cartas com tabelas nutricionais de diferentes tipos de lanches, mais ou menos saudáveis: qual é o teor de açúcar, sal, gordura, fibras e vitaminas de cada alimento? O que cada uma dessas informações significa? Como a escolha do que consumimos afeta nossa saúde?

A disputa faz parte de um conjunto de oficinas promovido mensalmente, desde abril de 2014, pelo Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, da sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Os encontros ocorrem no anfiteatro e nas arenas da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, a cada mês, reúnem em média 92 convidados (88 alunos e quatro professores) de duas escolas da rede pública de ensino.

“Buscamos mostrar aos jovens que uma dieta balanceada ajuda a prevenir o aparecimento de doenças como diabetes, hipertensão e obesidade. E, mais do que isso, que a ciência e particularmente a química dos alimentos não estão apenas nos livros – elas estão vivas e tocam permanentemente nossas vidas”, disse Ronaldo Aloise Pilli, coordenador de Educação e Difusão do Conhecimento do OCRC, à Agência FAPESP.

As oficinas começam sempre com uma palestra introdutória, ministrada por pós-graduandos vinculados aos pesquisadores do CEPID OCRC. Na última edição, realizada em 11/09, a palestrante foi Vanessa Bóbbo, aluna de doutorado na Escola de Enfermagem da Unicamp.

“Adolescentes costumam associar os cuidados com o corpo somente à aparência. Queremos chamar a atenção deles para o fato de que, desde cedo, as escolhas do cardápio também têm influência sobre algo muito mais importante – nossa saúde e qualidade de vida”, afirmou Bóbbo.

A apresentação inclui recursos como imagens de tumblrs, gifs animados e memes, tornando a linguagem mais descontraída, mas o intuito é o de que esse momento sirva como pontapé inicial para discussões mais profundas que virão a seguir, nas oficinas propriamente ditas.

“Depois de falarmos rapidamente sobre a composição dos alimentos, algo que o estudante dessa faixa etária já conhece, conversamos sobre o quê, quanto e quando consumir, o papel da insulina no corpo humano, o que os rótulos revelam, a importância dos exercícios físicos, entre outros temas.”

Também é objetivo da equipe do OCRC que os alunos retransmitam as informações às suas famílias, incentivando-as a adotar hábitos mais saudáveis. “Quase todos têm um parente ou conhecido que é diabético, hipertenso ou obeso. Procuramos trazer essas experiências para o debate e dar dicas relacionadas a novos hábitos”, disse Bóbbo.

Depois da palestra inicial, os estudantes participam de quatro a cinco oficinas, divididos em grupos que se revezam nas atividades, também conduzidas por pós-graduandos. Além do “supertrunfo” dos alimentos, há rodas dedicadas aos assuntos pressão arterial, aterosclerose, infarto e AVC; IMC (índice de massa corporal), massa magra versus massa gorda, alimentação e exercício físico; doação de sangue, antígenos e anticorpos, esta última promovida por profissionais do Hemocentro da Unicamp.

Parceria com os educadores

O modelo atual das oficinas foi inspirado em um antigo projeto do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Obesidade e Diabetes, financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Até 2013, as atividades de educação do INCT já eram voltadas a estudantes de Ensino Fundamental e Médio. Quando o CEPID OCRC entrou em vigor, adotamos o projeto e priorizamos o atendimento a escolas que se propuseram a difundir o conhecimento adquirido nas oficinas a outros alunos, ampliando ainda mais o alcance de nossas ações”, disse Cristina Vidrich, gestora de Educação e Difusão do Conhecimento do OCRC.

Hoje, já há escolas públicas de Campinas que procuram a equipe do centro de pesquisa a fim de entrar para o calendário das oficinas. Mas inicialmente a iniciativa partiu do OCRC, que procurou as duas diretorias de ensino da cidade, solicitando indicações dos dirigentes sobre quais comunidades necessitavam desse tipo de atenção e divulgação científica.

“Estamos trabalhando mais intensamente com três unidades: a Escola Estadual Barão Geraldo de Rezende, próxima à Unicamp; a Escola Estadual Miguel Vicente Cury e a Escola Estadual Barão Ataliba Nogueira”, contou Pilli.

A equipe orienta os educadores a, na medida do possível, conciliar as demandas do conteúdo trabalhado na escola com o conteúdo ofertado nas oficinas, estendendo-o também a novas ações e desdobramentos. Segundo Pilli, “cabe a eles selecionar qual faixa etária e turma devem vir aos encontros, de acordo com as necessidades de aprendizagem dos estudantes”.

Aos poucos, chegam notícias sobre como os professores têm feito a transposição entre oficina e sala de aula. “Soubemos de um professor de Matemática que incentivou seus alunos a replicar a oficina sobre cálculo do IMC para colegas da escola que não tinham vindo à Unicamp. Um docente de Geografia e um de Inglês travaram uma parceria para investigar costumes alimentares e aumento da obesidade em países de língua inglesa”, exemplificou Vidrich.

Joander Rodrigues, professor de Física da Escola Estadual Miguel Vicente Cury, acompanhou seus alunos na últlima oficina. “Eles têm a chance de absorver e multiplicar esse conteúdo a que têm acesso aqui. E, mais do que isso, podem sentir despertar o desejo de entrar também para o time acadêmico, como estudantes e pesquisadores”, disse.

De acordo com Pilli, fomentar esse interesse está sempre entre as metas do OCRC. “Afinal”, questiona ele, “como o aluno pode se interessar por Ciência se ela não o encanta?”

Em 2014, as oficinas contaram com 848 participantes, entre alunos e docentes. Em 2015, estima-se que serão 880 até o mês de novembro. As escolas integram ainda outras atividades esporádicas, como visitas a museus e laboratórios da universidade, excursões ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e orientações para montagem de feiras de ciências.

Surpresas e descobertas

Apesar do fácil acesso que os estudantes têm à informação, Pilli e Vidrich contam que as turmas ainda se surpreendem com a quantidade de açúcar presente nos refrigerantes, o teor de gordura de certos biscoitos ou o fato de que barras de cereal e sucos de caixinha nem sempre são as melhores escolhas, dependendo dos ingredientes que os compõem. Há surpresas, contudo, que agregam novas opções ao cardápio.

Na última parada das oficinas, e depois de todas as informações recebidas, as turmas são convidadas a montar lanches saudáveis, com direito à inclusão de salada e suco natural – escolhas distantes do biscoito recheado com achocolatado ou da batata frita com refrigerante que tanto aparecem, ao longo do dia, no discurso dos adolescentes.

“Hoje escutei um garoto elogiando o sanduíche que montou adicionando tomate, cenoura e alface. Quanto ao suco, em geral as turmas já chegam perguntando pelo açúcar, mas acabam convencidas a provar a bebida apenas com o adocicado natural da fruta”, contou a nutricionista Carla Bueno, oficineira e doutoranda da FCM.

“É uma questão de desconstruir pré-conceitos, por vezes criados há anos, há gerações. Quando os pais dizem ‘coma a salada senão ficará sem sobremesa’, a percepção que se cria é a de que salada é ruim, mas obrigatória para ganhar a recompensa, ou seja, o doce”, disse Bueno.

“Mas o saudável custa caro, não custa?”, ouviu-se, enquanto isso, numa das rodas de conversa. “Depende”, responderam os oficineiros, que exemplificavam: os mesmos R$ 3 que compram uma barra de chocolate que termina depressa compram um pacote de aveia que dura por dias; frutas como banana, maçã ou mamão são mais acessíveis que o kiwi, o morango ou o maracujá.

“Também trabalhamos nesse sentido, de desfazer equívocos”, contou Pilli. “Ainda existe muita confusão sobre o que é alimentação saudável, em públicos de todas as idades. Há quem pense que se trata de consumir produtos dietéticos – o que só é necessário em casos específicos. Ou que refrigerantes e chocolates não possuem sal – basta conferir os rótulos para verificar que possuem, sim. São más interpretações que buscamos resolver junto aos estudantes, professores e, se possível, suas famílias.”

Para Emile Chiareli, de 15 anos, a novidade foi descobrir quão importante é cuidar de cada refeição do dia. “Sempre comi aleatoriamente, quando sinto vontade, e agora vou tentar prestar mais atenção no que como e quando como, de manhã, à tarde e à noite”, disse ela.

Expansão e outras frentes de atuação

No mês de setembro, o OCRC promoveu sua primeira oficina fora de Campinas. O encontro ocorreu na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp em Limeira, cidade onde também atuam pesquisadores vinculados ao CEPID.

“Planejamos expandir ainda para Piracicaba, onde temos parceiros na Faculdade de Odontologia [FOP, também da Unicamp], e Diadema, onde um colega na Unifesp [Universidade Federal de São Paulo] manifestou o interesse de reproduzir nosso modelo de atividades”, afirmou Pilli.

“A ideia é que possamos capilarizar, espalhar as oficinas pelo maior número possível de cidades, atendendo cada vez mais jovens”, concluiu.

O OCRC também investe na produção de materiais de divulgação, como histórias em quadrinhos. A primeira delas, “Vivendo de bem com o diabetes”, teve tiragem de 9.850 exemplares, distribuídos em oficinas e demais eventos promovidos pelo centro de pesquisa, e também está disponível on-line.

Um fôlder ilustrado sobre alimentação saudável, “Como eu faço para comer bem?”, foi lançado em 11 de outubro, dia mundial de combate à obesidade, com tiragem de 10 mil exemplares. Eles seriam distribuídos entre os participantes da corrida “VI Volta da Unicamp” e a comunidade da universidade – alunos, funcionários, pacientes e visitantes.

Ainda na internet, o CEPID mantém um site institucional voltado a pesquisadores e a página SobrePeso, com notícias, dicas e receitas em linguagem de fácil entendimento.

Os dados consolidados para o período de setembro de 2014 a maio de 2015 mostram que o SobrePeso atingiu uma média de 210,2 mil pageviews por mês e 1,5 milhão de acessos totais, além de reunir quase 7 mil seguidores em sua página oficial no Facebook.

Os próximos planos da equipe envolvem criar uma gincana virtual, também destinada a alunos de escolas públicas, e ampliar o público-alvo das atividades educacionais do OCRC, envolvendo, por exemplo, grupos de idosos.

Exposição Cor da Luz

O OCRC é um dos três CEPIDs envolvidos na organização da exposição “Cor da Luz – O Código das Cores”, em cartaz no Museu Exploratório de Ciências (MC) da Unicamp desde agosto – os outros são o Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (CCES/eScience) e o Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN).

“Sempre falamos sobre a importância de montar um prato com cores variadas. A clorofila, o licopeno e o caroteno são exemplos de pigmentos que estão presentes nos alimentos e têm propriedades nutricionais e funcionais. Esse tema permeou nossa contribuição na montagem na exposição”, contou Pilli.

Painéis interativos permitem ao visitante associar a cor de alimentos aos seus respectivos pigmentos; instalações abordam como a natureza se valeu, ao longo do processo evolutivo, de estruturas químicas semelhantes na garantia de processos vitais aos reinos vegetal e animal; outras revelam como os mecanismos da visão humana se desenvolveram de modo a assegurar melhores chances de se conseguir comida; e há também exemplos de como a luz é usada para diagnóstico e tratamentos médicos.

De acordo com Pilli, a receptividade do público tem sido muito positiva e a exposição deve se estender até o ano que vem. Mais informações podem ser encontradas neste site.

 

*Texto originalmente publicado por Noêmia Lopes no site da Agência Fapesp de Notícias
Foto: domínio público/pixabay

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