A morte do direito do indígena

O antropólogo Adelino Mendez foi convidado pelo fotógrafo Renato Soares para escrever neste blog

Da Colônia à República, o Brasil sempre reconheceu o direito dos povos indígenas ocuparem seus territórios imemoriais. O Alvará Régio (1680), a Lei de Terras (1850) e a Lei de Terras dos Índios (1928, que regularizou a situação dos índios nascidos em território nacional) revelam uma relação estável do Estado com essas populações ao longo de séculos. A Carta Régia (1655) reconhecia o direito dos índios aos seus territórios tradicionais, mas também dizia que eles podiam ser capturados ou mortos nas chamadas “guerras justas”.

O que acontecia nas terras da Colônia era bem diferente do que previam os legisladores. Quase nenhuma dessas leis chegava à distante, vasta e esquecida Amazônia, mas elas demonstram que o Brasil sempre reconheceu algum direito aos povos indígenas. O direito às terras não impediu as “guerras de pacificação” na Amazônia e em outras regiões onde o índio surgia como entrave ao avanço colonialista.

A Constituição de 1934 (artigo 129) conferiu maior segurança a esse direito essencial dos índios, seguida pelas demais Constituições (1937, 1946, 1967), que reconheceram a esses o direito à posse de suas terras tradicionais e imemoriais.

A Constituição de 1988, que ampliou os direitos individuais, tem um capítulo inteiro sobre direitos indígenas, reforçando o direito às terras (artigo 231).

A presença do índio no debate sobre a construção do Brasil tem sido constante. No século XX, avançamos em direção a uma política indigenista eficaz. O movimento indígena, nos anos 80, avançou de forma organizada na defesa do direito do índio e na luta pelas demarcações dos territórios tradicionais.

Nos anos 90, o primeiro povo indígena a ganhar na justiça o direito de retornar ao seu território tradicional, recebeu um documentário dirigido por Aurélio Michiles. Os Panará representavam o ápice da conquista indígena em um mundo de não-indígenas

O que assistimos, hoje, não é apenas um retrocesso, é a negação, por parte do Estado, do direito do índio, direito esse anterior à colonização. O que presenciamos hoje é a explícita tentativa de destruir as conquistas dos povos indígenas no Brasil.

Temos um Estado omisso e criminoso que aparelha grupos interessados em desarticular o movimento indígena. Um Brasil ausente, que enterra, corpos indígenas, todos os dias, silenciosamente.

Foto: Renato Soares (foto realizada em 22/7/2003 durante o Kuarup do sertanista Orlando Villas Bôas)

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Adelino Mendez

Antropólogo doutorando no programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - HCTE). Mestre em Antropologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP). Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Humanidades do IUPERJ (IUPERJ). Licenciado em Sociologia e Filosofia pelo Instituto de Humanidades do IUPERJ (IUPERJ). Possui experiência de pesquisa na Amazônia, com trabalhos nas áreas de Antropologia.