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A ferrugem que cutuca o nosso dia a dia

O ano não começa, assim, um tanto enferrujado? Sem yoga, academia, comida leve… Há veranista que sai para uma caminhada ou corrida à beira-mar. Há quem fique na casa alugada, procurando ponto de ferrugem no carro, encerando carcaça, em vez de tentar disputar o sol, o mar, a areia…  Argh!!! Areia. Não me entre com esse pé no carro. Ai!!! Não me passe com essa roda no barro. No cascalho! No máximo um churrasco com pão de alho!!! E lava a lataria na volta, sim?

“Não, não, no meu caso não precise” é a resposta libertária do dono desse carro. Preciso perguntar para saber? De deixar com cara de paspalho qualquer dono do asfalto do alto do seu fanatismo automobilístico.

A banheira está sempre estacionada na mesma rua, na frente do mesmo prédio. Um dia parou ao lado de um fusca em estado semelhante. Queria fotografar o fusca também, mas deve estar na praia agora…  Naquela dia, eram cuidados por três rapazes em confraria confraternizante que me impediu de parar para conversar e saber mais dessa arte de deixar enferrujar.

E mais: de aprender a gostar dessa ferrugem toda se espraiando pelas laterais, traseira e frente. É a minha metáfora para começar o ano. Entenda como quiser a frase dita em homenagem a quem sente uma dorzinha qualquer típica da idade. Sabe aquela que fisga? Ou o pé que pinica? O ciático que não estica…  Ah! Vá… Desculpa os cutucões.

Nem foi com prego, já cego. Nem tema tétano. Achada a chave para entradas e saídas livres de chaveiros, segundas cópias, mixas, bolsas com belo fundo, cheias de um mundo vazio.

Não há necessidade de procurar por um desses na bolsa… Ele estará sempre no lugar certo. E se não estiver acho que o Edgar Duvivier não se incomoda do nosso amigo das ferrugens emprestar um desses da escultura que vi esses dias no Museu de Arte Contemporânea do Paraná, em Curitiba. Deve estar lá ainda. Faz parte do acervo.

Queria que ela estivesse do lado de fora para o metal descascar seu belo colorido oxidante e impermanente mais rápido. Não tão rápido. Na velocidade de um possante desses rapazes que têm orgulho de não precisar ter o carro do ano e muito menos voar na direção do consumismo que faz um endinheirado pobre coitado trocar de carro por temer que o modelo do farol esteja ultrapassado.

Sou mais quem consegue identificar uma oxidação diferente e insiste em cultivá-la. Faz arte dela. Extrapola com ela. Aumenta, risca, arrisca. Alguém que goste do tom novo que vai surgindo, da nova forma que se forma. Gosto do tom dissonante em meio a esse ronco igual, essa ladainha boba das concessionárias.

Bom seria se esse monte de prego que o Duvivier, lá em 1969, em plena ditadura, conseguiu arranjar, soldar, colar como se fosse um nicho, apesar de tantas aberturas, acolhedor, apesar de tanta pontiagudez, se materializasse em proteção para todos nós que tememos o estado de golpe em que nos encontramos. Tantos dos mesmos, um após outro, um ao lado do outro, colocados coesos podem virar um refúgio, um acolhimento, um colchão que não machuque os faquires por obrigação, um respiro para que a maturidade oxidante venha, sim, mas de forma tranquila.

 

Fotos: pixabay/domínio público (abertura), Karen Monteiro e divulgação Museu de Arte Contemporânea do Paraná

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