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A arte e o amor de Mundano pelos catadores e pela liberdade


São Paulo, onde moro, está ficando cinza. E não falo do clima , mas da decisão do prefeito de pintar dessa cor os espaços grafitados e pichados da cidade. Se você não mora aqui, deve ter ouvido falar desta ação infeliz. Mas se não sabe nada a respeito, não faz mal. Fiz esta introdução, na verdade, para começar a falar do Thiago Leite, ou Mundano, o jovem artivista (como ele se autodenomina; em inglês, StreetArTivist) que trabalha com grafite desde 2007 e que tem se manifestado – nas ruas, na mídia, nas redes sociais – sobre as ações do novo governo de um jeito muito bacana. O dele.

Na semana passada, munido de balde, escovão e água, tirou a tinta cal que cobria uma de suas obras, no Largo da Batata: Não dê vexame! Aqui não é Miami. E explicou, irônico: “Me engajei no programa Cidade Linda da prefeitura e removi sua maquiagem para revelar sua beleza de verdade”.

Ele pichou essa frase para protestar contra as ações da mesma prefeitura de restringir a arte de rua e fez referência à cidade americana que criou espaços específicos para grafites. Me lembrei também da cidade de Hong Kong que, por causa da poluição intensa, instalou painéis com céus azuis para que os turistas possam (se) fotografar e compartilhar sua passagem pela cidade. Surrealismos contemporâneos.

(Assista, no final deste post, ao vídeo da palestra de Mundano no TEDxVerOPeso, em 2011, no qual fala da arte de rua e da sua cidade cinza, São Paulo)

Cinco anos depois de mostrar suas reflexões pelas ruas da capital paulistana, ele encontrou um novo caminho para se engajar. Foi quando observou o trabalho dos catadores de lixo, definição que ele refuta veementemente. “Eles não são catadores de lixo, mas catadores de materiais recicláveis!! São verdadeiros agentes ambientais da cidade e prestam um serviço precioso que ninguém vê”.

A luta que Mundano empreende, todos os dias, contra essa invisibilidade, tem feito muita diferença na vida deles e na de muita gente. Não é à toa que o grafiteiro é reconhecido no exterior, onde também tem ajudado a transformar a vida de cidadãos desqualificados pela sociedade. Uma inspiração para a ação!

Logo, Mundano percebeu que essa realidade não é exclusiva do Brasil. “Encontrei-a na Argentina, no Chile, na Bolívia, na África do Sul, na Turquia, e também nos Estados Unidos e no Japão”, contou em sua palestra no TED Global, encontro internacional realizado no Rio de Janeiro em 2014. Por conta dessa participação e de sua performance, ele se tornou speaker e fellow do TED e, nesta semana, foi citado, em texto publicado no site dessa iniciativa (Ideas TED) como um dos 12 jovens artistas mais engajados do mundo, que usam seu trabalho para provocar reflexão e lutar contra injustiças sociais e ambientais.

“O artista de rua brasileiro, Mundano, chama a atenção para as questões sociais, ambientais e políticas com cores brilhantes e humor inteligente”, diz o texto do TED que remete a seu projeto Pimp My Carroça, criado em 2012 – a partir de financiamento coletivo e da adesão de voluntários – para ajudar a resgatar a autoestima dos catadores. Assim, ele pintou suas carroças com tintas coloridíssimas e, em seguida, introduziu frases críticas e irônicas criadas pelos próprios condutores ou em parceria com o artista, a partir de suas conversas. Na foto que abre este post, por exemplo, está o desabafo de um deles, que cansou de ouvir buzinadas em seus trajetos pela cidade.  Na placa na parte traseira da carroça, a mensagem diz: “Não buzine! Agente ambiental trabalhando”.

O grafiteiro sempre conta – em qualquer entrevista ou papo sobre o movimento Pimp My Carroça – que se apaixonou pelos catadores e que aprendeu muito com eles. Mas, que, no início do contato, seu foco era apenas o de grafitar as carroças e deixa-las bonitas para que eles se tornassem visíveis. O que não foi difícil porque, por onde passavam, chamavam a atenção. Em seguida, veio a preocupação com sua segurança e passou a instalar (sempre com a ajuda de voluntários em vários cantos do país) faixas refletivas e espelhinhos também, que compõem o kit completo da pimpagem ou pimpex, como chama o site do movimento.

Mas a convivência diária escancarou cada vez mais a importância do trabalho realizado por essas pessoas e Mundano, então, abraçou a causa. Decidiu lugar para mostrar essa realidade para a população e os governantes e reivindicar direitos por esse serviço prestado à cidade: catar os resíduos recicláveis em lugares que não contam com o atendimento da prefeitura local. Até hoje – de acordo com dados do site – o movimento recebeu a adesão de mais de 1.900 voluntários , foram “pimpadas” 706 carroças, em 39 cidades e 8 países.

Eleições, água, Olimpíadas, educação e o aperto no prefeito

Acompanho o trabalho do Mundano desde que ele criou o Pimp My Carroça – na época, eu trabalhava em uma iniciativa editorial grande, voltada para sustentabilidade. Mas, este ano, com a mudança de administração na cidade onde moro e a perspectiva de retrocesso nas poucas conquistas obtidas pelo projeto junto ao governo anterior, tenho ficado extremamente tocada por tudo que ele conta e faz em suas páginas no Facebook (Mundano e Pimp My Carroça) e no Instagram. Por causa disso, naveguei por essas redes, onde o artista e sua equipe registram tudo que ele diz, faz e pensa e os avanços do movimento. Foi uma delícia porque descobri e revi algumas de suas ações, que compartilho aqui com você.

Inquieto e entusiasmado com a projeção que o Pimp My Carroça conquistou, o artista foi se envolvendo em outras causas e ganhando mais notoriedade: nas eleições presidenciais de 2014, criou uma cabine de votação eletrônica em forma de lixeira, onde jogou panfletos de diversos candidatos. Em 2015, protestou contra a crise de água em São Paulo, fazendo um paralelo com a Califórnia e ressaltando que não falava do futuro das próximas gerações – como os discursos pela sustentabilidade costumam fazer -, mas da água que não teríamos no dia seguinte e que, na verdade, já não saia da torneira de muita gente.

Em 2016, carregou a tocha olímpica. Mas não foi por orgulho da realização dos Jogos Olímpicos no Brasil e, sim, para protestar contra a corrupção, a falta de transparência nos gastos públicos, o não cumprimento das metas ambientais para a realização do evento e também porque nosso país é campeão de assassinatos de ambientalistas e na destruição de florestas”. Só que, ao correr com a tocha, ele caiu (fiquei sem saber se foi de propósito ou por acidente; aliás, quanta gente caiu na condução dessa tocha, não?) e foi aplaudido com uma “chuva de dinheiro”: as notas faziam parte de sua performance e foram criadas por artistas e ativistas com base nos temas acima citados.

Também descobri que, no ano passado, o grafiteiro virou tema de estudo numa escola de educação infantil em São Paulo, próxima ao Ceasa, onde a comunidade convive com os catadores diariamente. O trabalho foi realizado por duas professoras com alunos de 2 a 3 anos. E a escolha se deu graças à relação do trabalho do Mundano com o uso consciente de recursos naturais, reciclagem, reutilização de materiais e destino de resíduos e, também, por utilizar linguagem acessível e bom humor. “Esse é o meu combustível renovável e, agora, tô com o tanque cheio pra essa longa estrada!”, comentou ele, feliz, no Facebook.

Voltei ao topo do seu perfil nessa rede e soube também que, no segundo dia deste ano, lá estava Mundano na posse do novo prefeito de São Paulo, muito bem acompanhado por seus amigos catadores de materiais recicláveis, para entregar-lhe o Manifesto do Lixo Vivo. O nome do documento foi inspirado em declaração do próprio governante, feita em 5 de dezembro do ano passado, na qual chamou a capital paulistana de Lixo Vivo. “Sem a inclusão e a garantia dos direitos dos catadores, como a liberdade de circulação nas ciclovias e seu reconhecimento e justa remuneração, não teremos uma cidade linda e limpa de verdade”, comentou ele.

Ontem, aniversário da cidade de São Paulo, Mundano aproveitou para celebrar com uma nova campanha, que publicou em seu Instagram. Nele, fotos apresentam o prefeito em forma de boneco (estilo João Bobo), vestido de gari com uma vassoura na mão (como na performance que fez há algumas semanas na cidade), próximo de frases como: “Limpar a ponte é fácil, queremos ver limpar o Rio Pinheiros” (ao lado), “Cidade Linda com muro cinza?”, “463 anos de higienização social” e também a frase já citada acima: “Não dê vexame! São Paulo não é Miami”.

Neste post, está uma seleção singela de tudo que esse artista bacana já fez pelos catadores e outras causas no Brasil (e também em outras cidades do mundo). Faz tempo que eu queria contar essa história, aqui no Conexão Planeta,  para inspirar mais gente e mostrar que mudar o que acontece no seu entorno nunca é pouco. Você não sabe onde poderá chegar, o que descobrirá no percurso e quanta gente poderá se juntar à você.

Agora, pra mergulhar ainda mais no universo de Mundano, assista às suas palestras no TEDxVerOPeso, em Manaus, e no TED Global no Rio de Janeiro. Por último, indico a deliciosa entrevista realizada pelo coletivo Imagina na Copa e peço que repare na proposta que Mundano faz para que qualquer cidadão crie vagas para carroças – com a cara e a coragem – e ainda produza cartazes com multas para quem não respeitar o espaço: um almoço para um catador. É genial! Os quatro vídeos ilustram muito bem a luta do artista e seus ideais.

Palestra no TEDXVerOPeso, em 2011, em Manaus:

Palestra no TED Global, em 2014, no Rio de Janeiro:


Entrevista com Mundano para o Imagina na Copa:

Fotos: Reprodução vídeo (retrato) e divulgação e Facebook

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