2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 4,3 bilhões não dispõem de saneamento básico

Todos os seres humanos têm direito à água. Mas, ainda hoje, quase 1/3 da população mundial não tem acesso a este bem natural, e mais da metade não dispõe de saneamento. E, sem água, não há dignidade, não há igualdade, só exclusão, miséria e morte.

Para incentivar reflexões e ações e marcar o Dia Mundial da Água (22 de março), todos os anos a Organização das Nações Unidas lança relatório sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos com dados atualizados e sugestões que ajudem a transformar essa realidade.

Foi o que aconteceu esta semana, em Genebra, na Suíça, durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, no Fórum Mundial da Água, em Dakar, no Senegal, e em coletivas de imprensa pelo mundo: a ONU lançou o documento Não deixar ninguém para trás, no qual esmiuça formas de superar tanta exclusão e desigualdade. Este trecho do documento resume objetivos e motivos:

“Melhorar a gestão dos recursos hídricos e fornecer a todos o acesso a água potável e saneamento seguros e acessíveis financeiramente são ações essenciais para erradicar a pobreza, construir sociedades pacíficas e prósperas e garantir que ‘ninguém seja deixado para trás’ no caminho rumo ao desenvolvimento sustentável”.

Todos que são marginalizados ou discriminados por causa de seu gênero, idade, status socioeconômico, ou por sua identidade étnica, religiosa ou linguística, infelizmente são, também, os que têm acesso limitado à água e ao saneamento adequados. O relatório da ONU fornece evidências da necessidade de se adaptar as abordagens, tanto nas políticas quanto na prática, para tratar das causas da exclusão e da desigualdade.

Publicado pelo Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP) da UNESCO, é resultado da colaboração entre 32 entidades da ONU e 41 parceiros internacionais, que compõem a ONU Água.

Direito ignorado

Faz nove anos que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resolução que reconhece “o direito à água potável segura e limpa e ao saneamento como um direito humano”. E faz cinco que o direito humano ao saneamento foi reconhecido de forma explícita como um direito distinto. É inacreditável que isso tenha que ser escrito e declarado, assim, em pleno século XXI, mas, ok. Que assim seja! Mas nem com os “apelos” da ONU boa parte dos governos dos países membros agem para garantir esses direitos: o acesso à água e ao saneamento para todos, sem discriminação e priorizando os mais necessitados.

Lançada pela ONU em 2016, a Agenda 2030 apresentou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas para esclarecer, ainda mais, essas diretrizes e ajudar a promover a gestão sustentável e o acesso à água e ao saneamento para todos até 2030. A água é o objetivo 6: assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos e todas.

Claro que não dá pra negar alguns progressos obtidos nos últimos 15 anos – ainda bem que aconteceram! -, mas é só rever os números que estão no titulo deste post – 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável (são três entre dez pessoas) e 4,3 bilhões não dispõem de saneamento básico (são seis entre dez) – para saber que avançamos muito pouco. Grande parte da população mundial ainda vive de forma miserável e não dispõe do recurso natural mais precioso que a Terra oferece gratuitamente.

Escassez crescente

É fato que, se continuarmos lidando com a água de forma tão irresponsável e mesquinha, o futuro será de escassez crescente, como aponta o relatório da ONU. Em todo o mundo, o consumo desse recurso tem aumentado cerca de 1% ao ano, desde a década de 80. Talvez seja possível reverter pouco do processo atual até 2030 (meta da agenda 2030), mas se falar de desumanidade não toca a maioria das pessoas, pensemos que esse cenário trará efeitos muito negativos para a economia global.

“Os números falam por si. Como mostra o relatório, se a degradação do meio ambiente natural e a pressão insustentável sobre os recursos hídricos mundiais continuarem a ocorrer nas taxas atuais, 45% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 40% da produção mundial de grãos estarão em risco até 2050”, salientou Gilbert F. Houngbo, diretor da ONU Água e presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).

E isso significa que as populações pobres e marginalizadas continuarão sendo afetadas de forma desproporcional, aumentando ainda mais as desigualdades que já são crescentes.

Pobres pagam mais pela água do que os ricos

Como já era possível supor, o relatório aponta que metade das pessoas que bebem água de fontes não seguras vive na África.

Quase metade das pessoas que bebem água retirada de fontes desprotegidas nesse continente vive na África Subsaariana. Nessa região, a coleta da água é feita principalmente por mulheres e meninas, que podem levar de 30 minutos a seis horas em cada viagem para buscar água. E mais: “apenas 24% da população têm acesso à água potável, e 28% têm instalações sanitárias básicas que não são compartilhadas com outras residências”.

E há discrepâncias muito claras entre ricos e pobres. Nas áreas urbanas, os desfavorecidos que vivem em acomodações improvisadas sem água corrente chegam a pagar, por ela, de dez a 20 vezes mais que seus vizinhos que moram em bairros mais ricos. Com um detalhe: “pagam por uma água de qualidade similar ou inferior, comprada de vendedores ou de caminhões-pipa”.

Sem água e saneamento seguros e acessíveis, obviamente essas pessoas enfrentam múltiplos desafios provocados pelas condições de vida precárias: doenças, desnutrição e falta de oportunidades de educação e emprego. Veja o que tudo envolve a falta de um recurso natural que deveria estar ao alcance de todos…

Refugiados, entre os mais vulneráveis

Todas as pessoas obrigadas a se deslocar de seus países, com frequência, enfrentam grandes obstáculos para ter acesso à água potável e segura e a serviços sanitários. E a quantidade de pessoas nessa situação nunca foi tão grande, por isso vivemos uma das piores crises humanitárias do mundo.

Em 2017, 68,5 milhões de pessoas foram forçadas a fugir de seus lares por causa de conflitos e perseguições. O relatório aponta também que conflitos relacionados à água aumentaram consideravelmente: entre 2000 e 2009, foram 94; de 2010 a 2018, 263.

Esse cenário é mais agravado ainda pelas migrações causadas por desastres naturais: são cerca de 25,3 milhões de pessoas (média anual), o dobro dos que enfrentavam a mesma situação no início da década de 1970.

Com o avanço das mudanças climáticas, é esperado que esse número só aumente.

Por tudo isso, é mais do que urgente que sejam criadas e implantadas políticas inclusivas, também necessárias para neutralizar conflitos entre diferentes usuários da água.

O documento da ONU ainda destaca que investir em fornecimento de água e saneamento faz todo sentido, também em termos econômicos. Em geral, o retorno do investimento é alto, também no caso de pessoas vulneráveis e desfavorecidas, especialmente quando benefícios mais amplos, como saúde e produtividade, são considerados. O fator multiplicador do retorno desse investimento foi estimado, mundialmente, em 2 para a água potável, e em 5,5 para o saneamento. Ou seja, não se trata apenas de humanidade ou caridade, quem quiser ganhar dinheiro de forma honesta com a água, tem um caminho bastante otimista a percorrer.

Ninguém solta a mão de ninguém!

Ao ler o título do relatório da ONU – Não deixar ninguém para trás -, lembrei da frase, que se espalhou rapidamente logo após o resultado da eleição presidencial no Brasil, em outubro de 2018: Ninguém solta a mão de ninguém. Sim, é simples assim.

Só o pensamento que prioriza o coletivocom empatia e intenção de igualar as condições de todos – vai nos ajudar a avançar neste tema. Como bem disse Audrey Azoulay, diretora-geral da ONU para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), incluir todos que foram deixados de lado “nos processos de tomada de decisão”, nos projetos das cidades, é imprescindível para transformar o direito à água em um direito humano de verdade. Não pode estar desassociado, como destacam os autores do relatório.

Abaixo, o tweet da campanha da ONU neste Dia Mundial da Água e vídeo produzido pela Unesco, que resume a realidade e o que pode ser feito. Espalhe.

Foto: Vicki Francis (DFID/Unesco)

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.