A onça pintada ou jaguar é o maior predador da Mata Atlântica, bioma considerado um hotspot da biodiversidade (reserva extremamente ameaçada de destruição), do qual resta apenas 7% de área no Brasil, Argentina e Paraguai: região de quase 2 milhões de km2, que abrange a província argentina de Missiones, estende-se pelo oriente do Paraguai e atinge região central e costeira do Brasil.
A espécie já perdeu 85% de seu habitat e sobrevive em apenas 2,8% dessa área, em grupos muito pequenos: existem menos de 300 indivíduos que habitam apenas 2,8% de seu habitat. Se nada for feito, em 50 anos ela desaparecerá.
O alerta é de pesquisadores dos três países que conduziram o estudo A biodiversity hotspot losing its top predator: The challenge of jaguar conservation in the Atlantic Forest of South America (Hotspot da biodiversidade perde seu maior predador: o Desafio da Conservação da Onça-Pintada na Mata Atlântica da América do Sul, em tradução livre), publicado na semana passada na revista Scientific Reports, com base em dados de 14 grupos de cientistas.
A perda de habitat e a fragmentação da mata são as principais causas do declínio da onça pintada na Mata Atlântica, mas a mortalidade causada pelo homem é a pior ameaça para a população remanescente. O crescimento das cidades e a expansão da agricultura causaram grande impacto em seu habitat transformando-o em ambientes cada vez menos adequados para a espécie, que se extinguiu em várias regiões.
De acordo com o estudo, existem sete Unidades de Conservação para onças pintadas e outras sete potenciais, mas apenas três delas podem ter cerca de 50 indivíduos. Além disso, a maioria está isolada, o que prejudica sua conservação.
Agustin Paviolo, pesquisador que coordenador o trabalho, salienta: “Esta é a primeira vez que se combinam as informações de tantas instituições. E, mesmo sabendo que a situação das onças-pintadas na Mata Atlântica era muito comprometida, os resultados nos impressionaram. O status da espécie é muito grave e requer ações urgentes e concretas”.
Por isso, é imprescindível que o Brasil, o Paraguai e a Argentina se unam num esforço monumental para implementar ações de conservação em parceria com organizações internacionais especializadas.
Como foi feita a pesquisa
A análise foi realizada com base em fontes de informação diversas, o que permitiu estimar a quantidade de onças que ainda sobrevivem e onde estão. Os dados utilizados foram fornecidos por armadilhas fotográficas, por meio do monitoramento dos animais por meio de colares com GPS, da comunicação com satélites, de pegadas, registros de avistamentos e de casos de ataques a gado, além de animais atropelados nas estradas.
Este grande banco de dados possibilitou identificar como o habitat remanescente para as onças está distribuído e que a espécie ainda persiste em apenas 2,8% deste bioma.
Os pesquisadores encontraram três núcleos que ainda garantem a sobrevivência de onças em longo prazo (com pouco mais de 50 indivíduos). São dois espaços no Brasil e um na Argentina:
– no Alto Rio Paraná-Paranapanema (SP, PR, MS),
– na Serra do Mar (SP) e
– no Corredor Verde na região que abrange a província central/norte de Missiones.
E ainda foram identificadas quatro áreas onde existem populações menores, entre cinco e 15 indivíduos.
Os cientistas também analisaram a possibilidade de criar situações que permitam a troca genética entre essas populações de onças e concluíram que, em alguns casos, podem ser realizados projetos de restauração de corredores naturais. “Isto não será possível entre todas as populações identificadas, porque algumas estão muito distantes umas das outras. Neste caso, é preciso pensar em outras estratégias como a troca de indivíduos de uma população para outra para garantir a variabilidade genética”, contou Carlos de Angelo, pesquisador assistente do CONICET na Argentina.
Apoios político e financeiro
E há um detalhe interessante a destacar: mesmo tendo duas das três áreas áreas com grandes chances de garantir a sobrevivência da espécie em longo prazo, não foi no Brasil que as onças sofreram menos nas últimas décadas, mas na Argentina.
Na Serra do Mar, por exemplo,, apesar de sua grande extensão, é uma das regiões mais adensadas do país, o que atinge a espécie consideravelmente, de acordo com Fernando Lima, pesquisador do Projeto Detetives Ecológicos e colaborador do artigo publicado. “No Alto Paraná-Paranapanema – onde a espécie é estudada pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas em parceria com outros institutos há mais de 15 anos – o cenário é diferente e os maiores impactos sobre as onças estão relacionados a atropelamentos, caça ilegal e morte por causa da predação do gado”, explica ele, que destaca: “O grande diferencial deste trabalho é ter conseguido reunir tantas instituições e pessoas dispostas a compartilhar dados e contribuir de forma a obtermos o diagnóstico mais completo sobre a espécie em um bioma. Embora necessário, esse tipo de colaboração não é tão comum quanto se imagina e este trabalho é um exemplo a ser replicado para outras espécies”.
Os esforços para proteger a onça pintada têm sido grandes, nos últimos dez anos, no entanto, ainda são insuficientes para garantir a conservação da espécie. Este diagnóstico vem em boa hora: os pesquisadores que participaram do estudo ressaltam que, sua intenção com ele é de “estabelecer as bases para estratégias que exigem decisões políticas e apoio financeiro para implementação de planos de ação mais efetivos para a conservação da onça pintada nos três países”. Vamos torcer para que consigam seu intento.
Foto: CMart29/Pixabay