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Youthification: jovens transformam bairros decadentes e zonas industriais

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“Amor, o banheiro está entupido e a água não para de subir pelo ralo. Na cozinha, agora temos, finalmente, uma torneira que encaixou no encanamento, mas o sifão antigo está com furos. Espera… Ah! Um pedaço do assoalho acaba de se desfazer. E, por favor, não esquece de falar para a imobiliária das janelas que não abrem e das cinco tomadas da casa que estão mortas. Me liga no celular quando chegar em casa para que eu abra a porta pra você, estamos com o interfone quebrado”, diz ela. “É só isso? Tem certeza?”, pergunto aflito, no meio de uma reunião de pauta. “Deixa eu ver… Sim! A máquina de lavar não cabe na área de serviço. Volta logo, por favor. Beijo”, desliga, enquanto peso o desespero em sua voz. Era nosso primeiro dia no “novo” apartamento do centro antigo de São Paulo. Um senhor de respeito e espaçoso, mas com todos os problemas de saúde que se pode ter aos 80 e poucos anos de idade.

Nos últimos dez anos vivendo entre os Jardins e a Bela Vista, na capital paulista, fiquei mal acostumado com a comodidade e os confortos de morar em prédios novos de fato. Não lembro da última vez que precisei de um encanador ou eletricista. Sequer passava pela minha cabeça que alguns lugares fossem tão antigos que, quando projetados, os arquitetos e engenheiros não concebessem a ideia de criar um espaço extra nas áreas de serviço para um equipamento mágico do futuro que lavasse as roupas das pessoas automaticamente. “Coisa de loucos! A modernidade já está aqui, meus caros. Não existe nada mais moderno que a penicilina e a máquina de costura”, me pego zombando desses pioneiros.

Justiça seja feita, ser um deles não é fácil. Estou vivendo isso na pele de uma outra forma. Sou o primeiro dos meus amigos a mudar para o “centrão”. Um sonho antigo e romântico de uma terra onde os apartamentos são baratos, têm pés direitos altos e a diversidade urbana de transgêneros, viciados em crack e funcionários públicos de peruca é a fonte de inspiração para meus livros a vir. A qualquer momento uma cena agridoce de “Domicílio Conjugal” de Truffaut pode se desenrolar na minha frente. Contudo, mais importantes são a agitação e a facilidade de estar perto de tudo a pé, de bicicleta ou de metrô. Tudo está aqui. Pelo menos tudo que me encanta para o horror dos meus pais.

Finquei uma bandeira no coração da cidade. Uma decisão ousada. E, por incrível que pareça, não sou o único pagando pelos riscos disso. Na vizinhança, há uma quantidade impressionante de jornalistas, artistas plásticos, atores, etc. Quase nenhum com mais de 35 anos. O zelador afirma que nos últimos três anos o fluxo de jovens para estes lados tem sido alto. Fui pesquisar mais a respeito e descobri que é verdade e, mais do que isso, trata-se de um fenômeno global, segundo o geógrafo e planejador urbano canadense Markus Moos, da Univerdade de Waterloo. “O processo de rejuvenescimento (ou youthification) dos bairros centrais decadentes das grandes metrópoles diferere da gentrificação – um aumento no status social de um bairro – pois não é tão explicitamente baseado em classe e renda”, conta ele“. Millenials e jovens da geração Y, no Canadá e nos EUA, estão vivenciado uma situação com menos segurança financeira e no trabalho, tendo filhos mais tarde e pagando altos valores em imóveis novos. Por outro lado, há um entusiasmo pela vida urbana que as gerações passadas já não possuem. Isso dá origem a esse fenômeno de bairros antigos e velhas zonas industriais sendo ocupadas cada vez mais por jovens”, diz Moos.

Analisando estatisticamente renda média, valores de aluguéis, tamanhos dos imóveis e a idade dos moradores nas cidades de Vancouver, Toronto e Montreal, ele chegou à conclusão de que, nesses bairros centrais antigos, quanto mais alta a densidade – quando trabalho, educação, cultura e transporte estão mais próximos – maior a incidência de jovens. Enquanto isso, conforme as idades avançam, maior a expansão para os subúrbios menos densos. “Há bairros que são eternamente jovens. Conforme as famílias crescem ou as pessoas envelhecem e saem, os jovens ocupam espaços. E isso é bom, é o que torna os centros vivos e ainda lugares para inovação, atrações culturais e mudanças sustentáveis, a exemplo de ciclovias, áreas verdes e coleta seletiva. Porém, é visível que há também uma divisão geracional. O desafio para as cidades no futuro será ter bairros sempre jovens, mas sem gentrificação, um processo que pode significar exclusão”, explica.

Com todas as vantagens e desvantagens de morar em um lugar antigo, conta Moos, o importante é que os pioneiros da youthification se interessem mais pela cidade. “Essa geração está mais disposta a correr riscos. Eles se interessam pelas cidades e trazem melhorias por uma cobrança mais ativa. Quando você conserta o seu apartamento velho, você acaba desencadeando processos que mudam o cenário urbano para melhor. Aguenta firme, cara!”, me diz. Estou tentando.

Foto: Luis Coelho/Wikicommons

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Nayara Triguero
8 anos atrás

Ju, parabéns pelo texto! Também amo o centro de SP, mas no momento só para trabalhar. beijos

Lizandra Alcantara
Lizandra Alcantara
8 anos atrás

Que texto interessante! Segura firme, bjs.

Silvia
Silvia
8 anos atrás

Olá …estou ensaiando esta mudança…e olha que o Copan está cheio de quarentões, cinquentões e acima há uns 20 anos…os jovens trintões voltaram por conta do custo/m2.Ps.cifão se escreve com “s” – sifão…não sou revisora, apenas arquiteta.Sorte aí.

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