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Vislumbres do Mundo Novo: sai certificação de quilombo em Pernambuco

Muitos sabem, graças a políticas de inclusão iniciadas em 2004 com o programa Brasil Quilombola, o conceito de Quilombo, porém poucos conhecem seu interior, seu cotidiano e as barreiras para o reconhecimento devido dos seus direitos. O que alimenta estereótipos preconceituosos. Há quem ache, por exemplo, que são “malandros” por natureza, que “eles não fazem nada”, ou que a unidade de medida para pesá-los é a mesma usada para pesar gado. Ou até que a existência dessas comunidades se dá somente no campo, negando os milhares de quilombos urbanos.

Na mídia não é diferente. Ainda são raras as informações profundas sobre essas comunidades e o teor do que é publicado, invariavelmente, está relacionado a alguma disputa que termina, a grosso modo,colocando a comunidade na posição de pobres coitados, ou de invasores, ou de seres exóticos.A impressão que se dá, é que de vez enquanto, os editores dessas publicações dão um tapa na testa e se lembram que metade da população brasileira é formada por negros e pardos, que existe uma dívida histórica. Então mobilizam alguém com chapéu de exploradorpara cobrir qualquer coisa antropológica nessas comunidades.

Aqui, parafraseio o escritor David Foster Wallace, nos parágrafos iniciais de Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, livro que reúne alguns dos seus mais significativos ensaios. No primeiro texto, homônimo, ele relata a sensação de ser um desses jornalistas de “chapéu de explorador”, em uma cobertura interiorana para uma revista “classuda da Costa Leste”. David se suicidou há exatos dez anos.

Por falar em datas, escrevo, apesar de tudo, para contar boas notícias. Todos lembram que em fevereiro deste ano, o STF julgava improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 que colocava em risco as demarcações de terras quilombolas em todo país. Aqui, no Conexão Planeta, muitos de vocês puderam acompanhar como essa decisão foi importante para os povos descendentes de quilombos, em especial para a comunidade quilombola do sítio Mundo Novo. Uma comunidade enraizada na zona rural de Buíque, agreste pernambucano, com a qual convivo desde 2014, documentando sua rotina e as dificuldades enfrentadas por eles durante o processo de homologação das terras que ocupam há mais de um século.

Pois, no dia 15 de agosto, o Diário Oficial da União publicou uma nota informando a Certificação do Quilombo do sítio Mundo Novo. Assim, me sinto no dever de compartilhar mais essa etapa vencida. A mais importante, politicamente, desde a decisão, em 2014, de lutar por seus direitos.

Poucos sabem como se dá o rito para a titulação de terras quilombolas, então sugiro a consulta a um infográfico muito simpático feito pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, que fornece informações detalhadas, muito fáceis de entender. Como vocês podem ver, ainda há um longo caminho a percorrer.

Por mais que essa vitória signifique somente o início de uma longa batalha jurídica que se estenderá por mais alguns anos, ela tem um sabor especial para mim que pude participar direta e ativamente do processo. Vi pessoas morrerem esperando esse dia. E crianças nascerem exatamente no dia em que o futuro se mostra mais promissor. Vislumbre, garantias não existem. 130 anos após a Lei Áurea, 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 30 anos da Constituição Federal.

Naturalmente, a oligarquia dominante – característica da política no interior do país – tenta tirar uma lasquinha puxando para si parte da conquista, a fim de angariar votos para os candidatos ao cargo de deputados estaduais apoiados pela prefeitura. O discurso, agora, é de que será fornecida toda a “assistência necessária”. Ao tentar argumentar sobre o instantâneo interesse do poder municipal na comunidade, um vereador me disse: “Afinal, sempre deixamos que vivam ali”.

Deus-lhe-pague.

Grande parte das terras mapeadas para a realização do levantamento histórico e do laudo antropológico enviado à Fundação Palmares, e que agora será revista pelo Incra – sem prazo determinado, diga-se de passagem – passa por terras pertencentes as famílias que dominam a política na cidade. Vivemos em paz, até agora, porque estamos em um período eleitoral que deve durar até 2020.

Nos fortaleceremos, nesse período para, quando todos estiverem em suas posições, a briga pela terra possa realmente começar. Exagero? Acho que não. A vida não é fácil para os povos do campo. A violência cresce a cada novo levantamento e pode ser tanto direta (atentados, expulsões, etc), quanto indireta, com a simples omissão do estado, por exemplo.

Por isso, o próximo presidente não pode – de maneira alguma – ser alguém que ache que um quilombola se pesa em arrobas. Ou que deixe um ruralista no poder num eventual golpe parlamentar… nunca se sabe. Ou que represente as ideias do governo atual.

Eu permaneço aqui para contar o novo capítulo dessa história.

Então, fica a notícia para vocês que acompanham essas histórias comigo. E minhas preocupações.

Foto: Tiago Henrique

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