Vamos concordar: pastel


Vamos concordar: pastel

Cada louco com sua mania. Uma das que eu tenho é corrigir o português em placas, anúncios, essas coisas que pulam na nossa cara. Não dá pra não ver.

Outro dia, almoçando num restaurante aqui por perto, vi umas fotos decorando o ambiente. Estavam à venda. O problema era o anúncio em plaquinhas sobre cada mesa: “as fotografias expostas na decoração, estão a venda.” E essa vírgula fora do lugar e a falta da crase me trouxeram um amargor desnecessário ao tempero da comida, que é bem gostosa mesmo, caseirinha, criativa, uma delícia. E a tal plaquinha bem na minha frente enquanto eu mastigava berinjela. E a caneta na minha bolsa enquanto eu mordiscava o cuscuz. E eu me coçando pra corrigir pelo menos a plaquinha que estava ao meu alcance. Não resisti. Saquei a caneta da bolsa, borrei a vírgula, acrescentei a crase e pedi a conta.

De outra feita, eu e meu marido fomos tomar café na padaria. Raro isso, muito raro. Naquela manhã, quase madrugada de sábado, despachamos nosso filho pra uma viagem promovida pelo colégio. No caminho de volta, a padaria. Na padaria, o anúncio escrito na lousa, com giz: “Temos pastéis feito na hora.” Pronto. Pedi um pão francês com queijo branco quente, um café expresso e que, por favor, corrigissem a lousa. Um “s” e estaria tudo resolvido: pastéis feitos na hora.

O garçom olhou pra lousa, olhou pra mim e confidenciou:

– Eu falei ontem pra eles, mas eles não me ouvem…

– Moço, somos dois agora. Tenta de novo…

E lá foi ele encomendar nosso pedido e solicitar a correção. A partir daí deflagrou-se o conflito. A garçonete olhou a lousa com muita atenção e, intrigada, bradou – acho que pra eu ouvir mesmo – que tava certinho! O que é que tem de errado ali? E repetia, lendo silabado: “Temos pastéis feito na hora. Temos pastéis e ele é feito na hora! O que é que pode estar errado?”

O chapeiro também olhou, olhou, balançou a cabeça e não fez comentário. O outro garçom leu e franziu a testa. E o gerente decretou: tá certo isso aí. Deixa assim.

O garçom solidário a mim e à língua portuguesa veio até nós, entregou nosso pedido e sussurrou:

– Eu sabia que não ia adiantar.

Aí eu insisti:

– Então, faz assim: em vez de plural, singular. E fica mais bonito ainda!

Ele sorriu amarelo, cúmplice na minha angústia. Fomos derrotados.

Quase perguntei se tinha de queijo, pra desanuviar. Mas pensei melhor. Me recuso a comer pastel nessas equivocadas condições. Tomamos café e fomos embora deixando pra trás a concordância desrespeitada. Vou fazer pastel feito em casa, na hora que eu quiser.

RECEITA DE PASTEL

(Esta receita aprendi com minha mãe, que aprendeu com a falecida Efigênia, uma amiga dela de longa data. E tem uma dose de pinga, truque infalível pra deixar a massa com aquelas pururucadas)

INGREDIENTES

2 ovos
2 colheres de óleo
1 xícara (chá) de água morna
1 colher (café) de sal
1 colher (chá) de fermento em pó químico
1 colher (sopa) bem cheia de pinga
farinha de trigo até obter o ponto de massa lisa e homogênea
(Não tem jeito de tirar da minha mãe uma medida exata da farinha. Eu também nunca medi. Arrisco dizer que você vai usar de 3 a 4 xícaras de farinha de trigo. )

MODO DE PREPARO

Numa vasilha, misture bem ovo, sal e óleo. Acrescente farinha de trigo até a mistura ficar quase seca, esfarelada. Acrescente água aos poucos até obter uma massa lisa e homogênea. Adicione, então, a pinga e incorpore à massa. Deixe descansar por meia hora.

Abra a massa com rolo ou cilindro, em espessura o mais fina que conseguir. Corte a massa em retângulos.

Recheie com carne ou queijo ou outro ingrediente escolhido. Dobre a massa sobre o recheio e feche o pastel apertando as bordas com um garfo.

Frite em imersão, em óleo quente.

Foto: Marco Bonito/Creative Commons/Flickr

2 comentários em “Vamos concordar: pastel

  • 5 de outubro de 2018 em 5:13 PM
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    No caso da frase “Me recuso a comer pastel… Não estaria equivocada pelo uso do oblíquo antes do verbo, iniciando a frase??

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  • 5 de janeiro de 2021 em 5:20 PM
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    Gostei muito desse blog. Obrigado.

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Cássia Miguel

Mulher de marido, mãe de filho, madrasta de enteados. Começou a carreira profissional vendendo pinga e pão com mortadela na venda dos pais, em Minas. Foi bancária, revisora de jornal, rádio escuta, repórter, editora e apresentadora de TV. Hoje é especializada em media training, com foco para entrevistas em TV e vídeo. Fez jornalismo na PUCCAMP, pós graduação em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas na USP e Análise do Discurso na PUC SP. Tudo isto sem tirar o pé da cozinha