Urutau, o fazedor de amizades

Urutau, o fazedor de amizades

Existe um bicho que, para mim, tem um significado muito especial, tanto por questões de trabalho como por motivos pessoais: é o urutau ou mãe-da-lua. Desde muitos anos, vira e mexe, eu passo por alguma situação fotográfica envolvendo essa ave fascinante, que acaba por criar ou reforçar vínculos familiares e de amizades.

Pássaro misterioso, de hábitos noturnos, durante o dia o urutau repousa em árvores sobre algum toco seco, onde faz seu ninho e fica perfeitamente camuflado.

Minha primeira experiência direta com a espécie foi em meados da década de 1990, logo após eu ter deixado Ribeirão Preto – minha cidade natal – para morar no Pantanal. Certo dia, meus pais me telefonaram contando sobre um pássaro muito estranho que estava na árvore da calçada de casa. O olhar curioso das pessoas atraiu a atenção de alguns moleques, que – mais por curiosidade do que por maldade – jogavam pedras na tentativa de ver o bicho se mover.

Minha mãe estava muito incomodada com a situação e entrando em pé de guerra com a molecada, o que pouco adiantava. Então sugeri que eles procurassem a emissora local de TV. Quem sabe, tornando a ave famosa, o pessoal iria respeitá-la mais. A estratégia funcionou direitinho! Por dias a esquina de casa tornou-se o atrativo turístico do bairro, meus pais viraram celebridades na emissora local e um amigo fotógrafo conseguiu fazer os primeiros registros do bicho. Eu mesmo, em uma visita à família semanas depois, consegui tirar minhas próprias fotos.

Desde então, muitas histórias aconteceram comigo tendo o urutau como protagonista. Teve o ninho com a mãe e o filhote no quintal da casa de um amigo aqui em Bonito, onde tive a oportunidade de fotografar junto com o grande fotógrafo Luciano Candisani. Teve outro que, ao invés de passar o dia camuflado em um toco seco, decidiu ficar se exibindo sobre um cacto na área de camping de uns amigos da cidade. Outros amigos que moram em uma chácara ficaram insistindo para eu ir lá tentar fotografar a ave, que até então eles só tinham ouvido o canto meio fantasmagórico (ouça aqui ).

O bicho nunca deu as caras pra mim e virou motivo de piada, a tal ponto que apelidei o homem do casal de “Urutau” (inclusive pela semelhança física entre ambos!).

Ah, e teve o “Bêbado da Vila”! Este “causo” aconteceu nos arredores da pousada de outro casal amigo onde começaram a escutar, durante as madrugadas, um murmúrio estranho que parecia alguém muito animado pelas ruas do bairro, após um porre daqueles. A descrição do “murmúrio” mostrou que era, na realidade, um urutau, confirmado após escutarmos juntos a gravação de seu canto.

Pois esta semana, o “Bêbado da Vila” nos brindou com mais um espetáculo da natureza!

Esses dias, Henrique e Jane – proprietários da pousada – me avisaram que um urutau estava empoleirado em uma árvore a poucos metros da recepção. Enviaram algumas fotos feitas com o celular, onde dava para ver um ovinho sendo chocado. Quando fui lá com o equipamento fotográfico, dois dias após o aviso, a grande surpresa: o filhotinho já havia nascido! Fiz as primeiras imagens e, pelos próximos meses, teremos a oportunidade de acompanhar seu crescimento até ele ganhar independência. E, quem sabe, procurar outro toco no quintal de um novo amigo que surgirá quando eu for lá fazer meus registros.

Eu, em cima da árvore, buscando o melhor ângulo para
fotografar o urutau

* Há muitas outras curiosidades rodeando esta ave, todas elas relatadas brilhantemente neste artigo do amigo ornitólogo Fernando Straube

Fotos: Daniel de Granville e Naíra Zayas (making of)

6 comentários em “Urutau, o fazedor de amizades

  • 21 de junho de 2019 em 9:35 PM
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    Excelente matéria. Parabéns e muito obrigado por trazer um pássaro do qual gosto muito.
    Forte abraço.

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    • 25 de junho de 2020 em 10:29 PM
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      Bacana que curtiu as histórias do Urutau, Anderson :-)
      Abraço

      Resposta
  • 25 de junho de 2020 em 9:29 PM
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    Bacana, eu estou procurando ele, algum dia acho e fotografo, animal magnífico!

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    • 25 de junho de 2020 em 10:30 PM
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      Geralmente é mais fácil escutar seu canto do que encontrá-lo empoleirado durante o dia!

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  • 7 de janeiro de 2023 em 10:03 AM
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    Amei conh6ecer a Ave Urutau

    Resposta

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Daniel De Granville

Biólogo com pós-graduação em Jornalismo Científico, começou a carreira fotográfica na década de 90, quando vivia no Pantanal e trabalhava como guia para fotógrafos renomados de várias partes do mundo, o que estimulou seu interesse pela atividade. Já apresentou exposições, palestras e cursos na Alemanha, EUA, Argentina e diversas regiões do Brasil. Em 2015 foi o vencedor do I Concurso de Fotografia de Natureza do Brasil, da AFNATURA, e em 2021 ganhou o primeiro prêmio na categoria “Paisagem” do Concurso Global da The Nature Conservancy. Vive atualmente em Florianópolis, onde tem se dedicado ao ensino de fotografia e continua operando expedições em busca de vida selvagem Brasil afora