A última criança na natureza

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O campo dos estudos e do pensamento sobre a relação entre as crianças e a natureza é relativamente novo, pois durante muito tempo o mundo adulto (incluindo pesquisadores e pensadores) assumiu que brincar ao livre, com liberdade, era uma característica intrínseca da infância.

Mas em 1956, a escritora e conservacionista Rachel Carson publicou um ensaio na revista Woman’s Home Companion, intitulado Help Your Child To Wonder. A ativista é autora de Primavera Silenciosa, livro publicado em 1962 que chamou, pela primeira vez, a atenção do público leigo para a poluição química e tornou-se um dos alicerces para o início do movimento ambientalista moderno. O ensaio citado descreve as lembranças do convívio entre Carson e seu sobrinho de dois anos nas florestas e praias da região costeira do Maine. Já nos anos 1950, a autora reconhecia que as crianças – muitas vezes morando em cidades e sendo criadas por pais ocupados que contavam cada vez mais com ajuda da televisão -, passavam muito tempo dentro de casa. É muito significativo que uma autora tão relevante para o ambientalismo tenha sido uma das primeiras pessoas a perceber que algo estava mudando na infância ao ar livre.

a-ultima-crianca-na-natureza-richard-louv-alanaDepois desse artigo, que se tornou um clássico, lentamente o tema da conexão entre a criança e a natureza começou a despertar o interesse de pesquisadores e educadores, até que, em 2005, mudanças radicais em nossa sociedade relacionadas às experiências diretas das crianças na natureza foram compiladas e analisadas em um livro de importância fundamental pela extensão de sua influência no mundo: Last Child in the Woods: Saving Our Children from Nature Deficit Disorder. Em junho próximo, a obra ganhará versão em português, com o título A Última Criança na Natureza (capa ao lado), como explico melhor mais abaixo.

Seu autor, o jornalista Richard Louv, especialista em advocacy pelos direitos da criança, descreveu – pela primeira vez, de forma acessível ao mesmo tempo em que compilou as principais evidências cientificas e tendências de pesquisa – como a experiência direta na natureza é essencial para a saúde da criança e dos adultos também, influenciando seu bem-estar físico e emocional, bem como moldando as lembranças e aprendizados dos anos cruciais da infância.

Em conversa recente, o ornitólogo Luciano Lima, pesquisador do Instituto Butantan que trabalha com projetos de educação pela ciência, me disse que Louv “deu nome a um fenômeno que todo mundo sabia que existia, mas não havia sido nomeado”. Realmente, transtorno do déficit de natureza é uma expressão ao mesmo tempo provocativa e reveladora, que tem o grande mérito de fazer com que as pessoas reconheçam imediatamente algo que já haviam notado, mas não estava articulado em um conceito.

Importante ressaltar que, no livro, o autor esclarece que o fenômeno que ele chamou de transtorno do déficit de natureza não é um diagnóstico médico existente, mas, sim, uma expressão que “descreve os custos da alienação do homem em relação à natureza, entre os quais: diminuição do uso dos sentidos, dificuldades de atenção e taxas mais altas de doenças físicas e mentais. O transtorno pode ser detectado em indivíduos, famílias e comunidades”.

Sua publicação catalisou importante movimento nos EUA que teve como principal característica colocar o tema em pauta para além das audiências tradicionais, trazendo para o debate e para a ação grupos com trajetórias distintas como republicanos e liberais, conservacionistas e empreendedores imobiliários, educadores e profissionais da saúde, pais e fazendeiros, arquitetos e jornalistas. Inspirou campanhas locais, regionais e nacionais. Sua tradução influenciou o início de movimentos semelhantes em países como Inglaterra, Canadá, Austrália e China.

É justamente esse livro, A Última Criança na Natureza, que o Projeto Criança e Natureza do Instituto Alana, com apoio institucional do Instituto Romã, lançará em junho durante o I Seminário Criança e Natureza, a ser realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Acreditamos que seu conteúdo trará um sopro de desconforto aos leitores, tornando impossível não só lembrá-los de sua própria infância passada ao ar livre com liberdade, mas também testemunhar, com olhos estarrecidos, as crianças amedrontadas, inseguras e confinadas dos grandes centros urbanos.

Sim! O livro é instigante e provoca muita reflexão sobre nossas escolhas, mas também é otimista e aponta caminhos claros e cheios de sentido para que possamos, juntos como pais, educadores, planejadores urbanos e ambientalistas, mudar o cenário da infância moderna e devolver à criança o seu lugar de pertencimento.

Esperamos que sua versão em português possa inspirar muitas pessoas, como o pesquisador e educador Luciano Lima, que usou os argumentos do livro para embasar a justificativa para a conservação e uso experiencial, por meio da observação de aves, de um dos mais importantes fragmentos de floresta urbana de São Paulo: a mata do Instituto Butantan.

Observação:  O livro A Última Criança na Natureza pode ser adquirido diretamente pelo site da Editora Aquariana.

5 comentários em “A última criança na natureza

    • 2 de maio de 2016 em 5:42 PM
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      Olá Clarice!

      Sou da equipe do Projeto Criança e Natureza, gostaríamos de saber mais sobre os planos que você tem para esse movimento/espaço! Mande um email para nós e te manteremos informada sobre o seminário! contato@criancaenatureza.org.br

      Aguardo seu email e obrigada pelo interesse!

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  • 30 de abril de 2016 em 10:54 AM
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    Muitíssimo interessante lançar este tema inclusive no Avistar, que acontecerá nos dias 21 e 22 de maio justamente no Butantan, em Sampa! Luciano Lima/Guto, olha só que bacana, um tema pra se contar na Roda de Passarinho que iremos desenvolver com educadores!

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  • 20 de junho de 2016 em 8:01 PM
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    Tenho muito interesse neste livro, fantástico , ele já foi lançado? ou será em Junho, me envie informações, muito obrigado =)

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Maria Isabel Amando de Barros

Engenheira Florestal e mestre em Conservação de Ecossistemas pela ESALQ/USP, sempre trabalhou com educação e conservação da natureza. É cofundadora da OutwardBound Brasil e atuou na gestão e manejo de unidades de conservação na Fundação Florestal do Estado de São Paulo. Depois do nascimento da Raquel e do Beni passou a estudar a relação entre a infância e a natureza no mundo contemporâneo. Desde 2015, trabalha como pesquisadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.