Trecho 2.8: fotografia e audiovisual pelo direito de todos à produção de comunicação


Uma das coisas mais ricas na economia solidária são as histórias, a diversidade das narrativas, que sempre chegam aos ouvidos pela forma de comunicação mais elementar do ser humano, a oralidade.

Essa semana ouvi a história do projeto Projeto Trecho 2.8, que usa a fotografia, o áudio e o vídeo para se expressar. Esse coletivo atua na área do direito à comunicação de adultos em situação de alta vulnerabilidade social e tem como objetivo contribuir para que os participantes vivenciem processos de formação de grupo, desenvolvam capacidade de pensar, criar e se comunicar fazendo uso de tecnologias de imagem e som.

O coletivo existe desde 2010 com esse nome, e é a continuação de um projeto iniciado em 1996, chamado Ondas Paranoicas: “Sempre produzimos comunicação oral. É pela oralidade que qualquer cidadão tem o direito de se comunicar, não pela escrita. E ao longo do tempo incluímos a fotografia e o vídeo. É um projeto que envolve gente da saúde mental, população em situação de rua, redução de danos, acadêmicos, e é também um espaço de estágio do Lab_Arte, laboratório da Faculdade de Educação da USP. Uma mistura muito boa, porque dela é que a gente aprende a conviver de uma outra maneira que não seja pela destruição do outro”, define Grácia Lopes Lima, integrante do coletivo.

O nome do grupo tem uma construção interessante: Projeto significa ação de lançar para frente; Trecho significa espaço de tempo; 2.8 é um tipo de lente fotográfica que funciona de modo semelhante ao olho humano. Projeto Trecho 2.8, portanto, significa um tempo de convivência social marcado pelo aguçamento da sensibilidade e do respeito mútuo.

Os produtos oferecidos pelo coletivo são cartões postais sob encomenda, cobertura de eventos em foto, imagem e som, sessões de retratos em eventos e FineArt. As atividades de formação vivencial e técnica acontecem duas vezes por semana: às segundas e quintas, das 15h às 17h. Uma hora antes, é feito atendimento individual para quem quer uma assessoria mais pessoal para seus trabalhos.

Uma das marcas do coletivo é a flexibilidade para participar das atividades: “Essas pessoas têm direito de participar desse trabalho de educação para uma nova sociedade, mas sem a cobrança burocrática de estar ali muitas vezes com o corpo físico presente e não o corpo inteiro”, define ela.

A atuação como empreendimento de economia solidária é nova. Grácia diz que o convite veio a partir de uma mesa de debate no Mackenzie, quando o grupo se encontrou com o Presidente da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol), Leo Pinho. Ele sugeriu que eles passassem a participar como empreendimento desse universo da economia solidária, identificando uma carência de coletivos de comunicação.

Desde então o Trecho 2.8 já participou de um evento como prestador de serviço na perspectiva da economia solidária, na área de psicologia, e vai para o segundo agora: fará a cobertura em foto, áudio e vídeo do 1º Ecosol Fest SP, que acontece nos dias 16 e 17 de dezembro no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, e sobre o qual eu já comentei aqui no blog. “Estamos engatinhando nesse processo, definindo como a gente faz girar essa renda. Isso está valorizando todas as pessoas do Trecho. O nosso coletivo não é feito para as pessoas, mas com as pessoas”, define Grácia.

O Trecho estimula que seus participantes sejam reconhecidos como seres de criação e não apenas capazes de executar trabalhos braçais repetitivos. Que elaborem um olhar fotográfico, tenham direito à comunicação independente de sua origem, gênero, condição social ou outras condicionantes. E ainda mais, que conheçam lugares e pessoas ligadas à arte e vivenciem ações pautadas pelos princípios da cogestão.

No Ecosol Fest, o Trecho vai conversar com os empreendimentos de economia solidária participantes e com o público em geral, realizando entrevistas em áudio e registros em imagens. Vai ouvir histórias e registrar narrativas a partir de uma perspectiva de diversidade e, ao mesmo tempo, muito própria.

Foto: Divulgação

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Mônica Ribeiro

Jornalista e mestre em Antropologia. Atua nas áreas de meio ambiente, investimento social privado, governos locais, políticas públicas, economia solidária e negócios de impacto, linkando projetos e pessoas na comunicação para potencializar modos mais sustentáveis e diversos de estar no mundo.