STF reconhece ocupação histórica de terras indígenas e nega pedido de indenização ao MT


O tiro saiu pela culatra. Em vez de obter a indenização solicitada por conta de terras desapropriadas para demarcação de territórios indígenasque integram o Parque Indígena do Xingu e as reservas dos índios Nambikwára e Pareci, o estado/governo do Mato Grosso não só perdeu o processo movido contra a União, como terá que pagar as despesas com a defesa: R$ 100 mil. Bem feito! Agora, quem sabe outros aproveitadores pensarão melhor antes de continuar acreditando que o Brasil é deles: políticos corruptos, ruralistas, mineradores, madeireiros, grileiros, exploradores em geral.

Fico um pouco desconfiada do que ainda está por vir já que esta decisão envolveu oito ministros do STF – Carmem Lúcia, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandovsky, Alexandre Moraes, Edson Fachin, Luís Alberto Barroso e Gilmar Mendes -, que têm nos dado provas de que não são confiáveis, nem justos, nem éticos. Neste caso, levaram a justiça em consideração, os direitos dos índios e – claro! – os direitos de posse da União sobre tais terras.

Resumindo: eles reconheceram que essas terras pertenciam à União e eram ocupadas pelos índios muuuuito antes das demarcações. E a tão temida tese do marco temporal, que estava na pauta do dia? Pra quem não sabe, esse marco foi criado no julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009, e restringe o direito constitucional de demarcação de terras e territórios tradicionais de povos indígenas. Só considera como Terra Indígena as áreas ocupadas por índios em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição, sem considerar as expulsões sofridas por eles, além de dificultar demarcações.

Um dos grandes receios da comunidade indígena era de que ela fosse incluído no debate do STF, mas o ministro Luís Roberto Barroso foi claro: “Não se trata de uma discussão que envolva o marco temporal”. Ele reafirmou que a decisão sobre as terras dos Raposa-Serra do Sol (RR), deve ser aplicada somente nesse caso. “Somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena se os índios deixarem voluntariamente a área ou os laços culturais forem desfeitos”.

Muito animado e realista, Luís Enrique Eloy, indígena terena e advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), disse ao site do Instituto Socioambiental (ISA) que a decisão do STF foi desfavorável à consolidação da tese do marco temporal. “Não é possível afirmar que essa discussão foi encerrada, mas os ministros sinalizaram que os marcos temporais para a comprovação da posse da terra indígena não começam em 1988”. Ele também considera o resultado do julgamento um recado ao Executivo e ao Legislativo em defesa do direito originário dos índios sobre suas terras e que não deve ser flexibilizado em nome de interesses econômicos.

Pra quem quiser entender um pouco mais a respeito da tese do marco temporal, recomendo o vídeo produzido pelo site De Olho nos Ruralistas, que reproduzo no final deste post.

A presença sagrada dos índios

O julgamento mobilizou inúmeras etnias, que fizeram vigília na frente do prédio do Tribunal desde a noite de terça. Segundo algumas lideranças indígenas, cerca de 250 índios participaram do protesto, fazendo rituais e cantando músicas tradicionais e orações. Alguns exibiam cartazes e faixas com frases como “nossa história não começou em 1988” e “reparação já”.

Cerca de 150 indígenas acompanharam o julgamento, entre eles o cacique Aritana e seu filho, Tapi Yawalapiti, da etnia Yawalapiti (visitei sua aldeia recentemente, como contei aqui). Este me contou a presença dos índios foi muito emocionante e que eles estavam felizes demais com o resultado, mas ponderou: “Feliz, mas a gente continua na luta”.

Sim, ainda tem um bocado de ações para driblar e vencer. Sem falar do governo que, muito mais do que qualquer outro, só visa o crescimento a qualquer custo e parece querer devastar o país inteiro, com velocidade. Por isso, é tão importante que todos que trabalham ou estudam e se interessam pelos índios e suas causas, espalhem a urgência de se impedir que o agronegócio e outros que só visam crescimento avancem em suas terras sagradas.

Os índios são fortes, mas precisam do nosso apoio. Mesmo de longe, virtualmente. É preciso criar uma nova consciência sobre o que, de fato, precisa ser mantido, preservado e amado. Não é tudo que está relacionado ao consumo, obviamente.

O processo, os fatos e o julgamento

O governo do Mato Grosso alegava que eram suas – desde o século 19, imagina! – as áreas incorporadas às reservas dos Nambikwára e Parecis e que formaram a Terra Indígena do Xingu (antes, Parque). Sua defesa disse que a própria União havia concedido essas terras ao estado na Constituição de 1891. Sendo assim, a doação havia sido feita de forma irregular e isso precisaria ser reparado agora. Como? Mediante pagamento.

No entanto, a União se defendeu bem, argumentando com a verdade. Sua defesa explicou que as terras nunca pertenceram ao estado e que a legislação reconhecia a posse de tais territórios ocupados pelas tribos citadas, tradicionalmente. A Constituição que nos rege (1988), identifica que todas as terras ocupadas por índios são da União e podem ser cedidas a eles. Mais claro, impossível.

Diante de tais fatos, os ministros do STF presentes (que já citei acima), entenderam, por unanimidade, que o governo do MT estava equivocado e negaram a indenização. Reconheceram, com base nos relatos da defesa e de estudos apresentados, que tais terras já pertenciam à União e eram ocupadas bem antes das demarcações – pelos índios!! Por que será tão difícil entender isso? Vamos à História!

Em 1961, o Parque Indígena do Xingu foi criado por decreto pelo presidente Jânio Quadros, que era muito amigo de Orlando Villas Boas e entendia a urgência dessa demarcação para a proteção dos índios. Já a criação das reservas Nambikwára e Parecis aconteceu sete anos depois, com o presidente Costa e Silva.

O relator das ações do julgamento foi o ministro Marco Aurélio Mello, que citou antropólogos para fazer suas considerações. Primeiro, foi João Dal Foz Neto. Apresentou laudo do acadêmico que atesta a ocupação indígena em vários locais da bacia do Xingu, há, pelo menos, 800 anos!! E, em dado momento, ele afirmou: “… podendo-se afirmar que as terras que passaram a compor o Parque Xingu não eram de titularidade do estado de Mato Grosso, pois, ocupadas, historicamente, por povos indígenas”.

O segundo antropólogo citado por Mello foi Rinaldo Sérgio Vieira Arruda. De acordo com seus estudos, os índios Parecis já ocupavam a região em 1553. já os Nambikwaras, habitavam a área há pelo menos 300 anos. Uau! Não dá pra contestar, né?

Janot, procurador-geral da República, também defendeu a regularidade da demarcação, citando estudos sobre a ocupação permanente dos índios antes do ano de 1961, quando Xingu foi criado. Ele argumentou: “A partir de dados históricos, etnológicos, etnográficos coletados e analisados, podemos afirmar que toda a extensão dessas terras indígenas é área de ocupação histórica e tradicional”.

Fora da pauta do STF

Importante registrar, ainda, que duas ações foram retiradas da pauta do STF e adiadas, sem data prevista:
– uma é da Funai (Fundação Nacional do Índio), que pede a anulação de títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo estado do Rio Grande do Sil sobre a TI Ventarra, dos índios Kaigang. Neste caso, segundo o ISA apurou, o marco temporal poderia ser ainda mais danoso e as partes envolvidas pediram nova análise do processo, e
– a outra é a ação proposta do PFL (hoje, DEM) feita em 2004 contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta a demarcação dos quilombos. Ela restringe o direito das comunidades à terra e prejudica demarcações futuras e em andamento. O ministro Dias Toffoli, que deveria votar sobre este tema, não compareceu ao tribunal por motivo de saúde.

É imprescindível acompanhar os próximos passos e o julgamento dessas duas ações para garantir os direitos das comunidades indígenas e quilombolas.

Aproveito, então, para falar da campanha O Brasil é Quilombola! Nenhum Quilombo a Menos! , lançada pelo ISA – Instituto Socioambiental, em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Quilombolas) e outras organizações. Ela foi feita para dar força à mobilização contra a ação do DEM. Como não foi julgada pelo STF, ganhou nova força. A petição já tem mais de 70 mil assinaturas! Eu assinei. Vamos nessa?

Pra entender melhor a maldita ‘tese do marco temporal’

Agora, assista ao vídeo produzido pelo site De Olho nos Ruralistas para entender melhor o que é a tese do marco temporal e porque a decisão do STF é tão importante para os índios, principalmente neste momento de retrocessos pelo qual o país passa.

 

Com informações do ISA (Instituto Socioambiental), G1 e Abip

Foto: Reprodução vídeo De Olho Nos Ruralistas (destaque) e Mídia Ninja

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.