Sebastião Salgado é o primeiro brasileiro na Academia de Belas Artes francesa


O valor e a contribuição do trabalho do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado para o mundo e para a arte são  inquestionáveis. E foi justamente por isso que, em 6 de dezembro último, ele tomou posse de uma das quatro cadeiras de fotografia na Academia de Belas Artes da França, para o qual foi eleito em 2016.

Sebastião é o primeiro brasileiro a conquistar tal honraria nessa academia, que surgiu no século 17 e faz parte do Institut de France, a instituição máxima nas artes e nas ciências do país.

Nesse dia, vestido de fardão preto com detalhes bordados em dourado, traje oficial dos integrantes da instituição, ele ocupou o lugar que havia sido de um amigo, o fotógrafo francês Lucien Clergue, que morreu em 2014.

O presidente da França, Emmanuel Macron não foi, mas enviou mensagem calorosa à Sebastião, com a qual a academia abriu a cerimônia de posse. Em seguida, o fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand – um dos quatro fotógrafos da academia, criador de Human, sua última obra prima – fez discurso emocionado no qual lembrou momentos importantes da vida e da obra do brasileiro.

Falou do exílio do casal em Paris, em 1969, por causa da ditadura militar – Sebastião era economista e militante de esquerda – e citou os filhos, Juliano e Rodrigo, e Lélia, sua companheira na vida e no trabalho, o que levou o homenageado às lágrimas.

Merecida distinção. Sua trajetória inspirou e inspira pessoas pelo mundo todo, seja por conta da fotografia inigualável, seja por seu engajamento social e ambiental ao revelar a realidade cruel vivida por pessoas – que fogem das guerras ou vivem em condições miseráveis, condenadas – resignadas – a uma rotina de dor e exploração – ou imposta ao meio ambiente, ambos devastados.

Em belíssimos registros, Sebastião também escancarou para o mundo os efeitos das mudanças climáticas – com paisagens aniquiladas e populações fugindo da seca, em grandes movimento migratórios. Em seu último trabalho, por outro lado, mostrou a natureza majestosa e intocada de inúmeras regiões pelo planeta. O trabalho está no livro Gênesis e ganhou a primeira exposição em solo brasileiro em 2013, no Sesc Belenzinho, em São Paulo, que passou por outras unidades da instituição, até o ano passado.

No Brasil, seu ativismo se voltou para o meio ambiente já no final dos anos 90, quando se comprometeu a recuperar as terras degradadas da família, no Vale do Rio Doce. Foi ali que ele cresceu, em Aimorés, na Fazenda Bulcão, onde o pai criava gado. Desmatamento e seca devastaram a região, que começou a ser reflorestada pelo Instituto Terra, criado por ele e Lélia e que abrigou rapidamente outros projetos de restauração.

No documentário Sal da Terra, no qual o cineasta Wim Wenders conta a trajetória do fotógrafo mineiro, é emocionante ver que – com a ajuda de parceiros e uma equipe especializada – eles restauraram 7 mil hectares de áreas degradadas. O viveiro montado na ex-fazenda produziu cerca de 4 milhões de mudas de espécies da Mata Atlântica para realizar esse trabalho lindo.

Engajamento e o Rio Doce

Fazia um tempo que Sebastião Salgado não ganhava destaque na mídia brasileira. A última vez foi quando aconteceu a tragédia do Rio Doce, provocada pela lama tóxica, com resíduos de minério, que vazou de um tanque da Samarco, deslizando até o mar do Espírito Santo e deixando um rastro de destruição por onde passou, principalmente nas cidades de Bento Rodrigues e Mariana.

Ele se mostrou consternado com o desastre e rapidamente se comprometeu a ajudar, propondo a criação de um fundo de recuperação a ser mantido com recursos financeiros subsidiados pelas empresas envolvidas na tragédia e os governos federal e dos estados de MG e ES.

A opinião sobre essa atitude se dividiu: teve quem aplaudiu e quem criticou.

Acredito, claro, que ele ficou tocado pelo que aconteceu, Afinal, é sua terra, onde nasceu, e além do impacto ambiental, se perderam vidas, não só de animais, mas de seres humanos. Mas confesso que cheguei a pensar que ele estivesse “colocando panos quentes” para amenizar a responsabilidade da Samarco (fusão entre a Vale e a BP Billinton). Afinal, seu nome estava associado à Vale por intermédio do patrocínio de sua exposição Gênesis, que ainda circulava pelo país.

Um misto de engajamento genuíno com a oportunidade (pela proximidade) de cobrar da empresa (e do grupo) uma posição mais definida sobre o que faria para recuperar o estrago na região. Além de “salvar a própria pele”. Posso estar sendo cruel, eu sei, mas penso mesmo que figuras públicas devem cuidar muito bem de seus passos se não querem que pairem dúvidas sobre qualquer atitude, ainda mais quando se carrega bandeiras e se apoia causas, declaradamente.

Nessa época, ele e Lélia, por intermédio do Instituto Terra, divulgaram comunicado público sobre o acontecido, pedindo ações urgentes e contanto que seu corpo técnico havia elaborado um projeto de recuperação para o Rio Doce, que incluía a criação do tal fundo. Seu objetivo: recuperar nascentes, absorver investimentos e ações para a reconstrução das áreas atingidas, como também gerar recursos que pudessem dar continuidade a projetos sociais, econômicos, de geração de empregos e de renda para as pessoas atingidas.

Instituto Terra chegou a divulgar que o projeto estava nas mãos do governo mineiro e que já havia sido apresentado à então presidente Dilma Rousseff, em Brasília, e que ela havia considerado a ideia excelente, se comprometendo a criar um comitê de negociação com as três empresas.

A última notícia que o Instituto divulgou sobre esse projeto data de novembro de 2016 e está publicada no site do próprio Instituto. O texto é bem completo, os planos ambiciosos. Comenta sobre o fundo, que foi possível graças ao apoio das empresas envolvidas e dos governos, sobre a criação da Fundação Renova (para garantir ações), dos planos a curto, médio e longo prazos, do apoio de instituições brasileiras e internacionais…

No site da Renova é possível acompanhar as ações projetadas e implementadas. A notícia mais recente é de ontem. Ali, parece que tudo está funcionando “de vento em popa”. Mas há informações que chamam a atenção. O Conselho Curador, por exemplo, é formado por executivos da Vale e da BHP. O link do Painel de Especialistas por exemplo indica apenas que é composto por três membros, sem citar nomes. E isso acontece em outros. Há um Comitê Interfederativo que é “constituído por representantes dos órgãos ambientais e de administração pública, signatários do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC)”. Entre as organizações estão IBAMA – que mantém link atualizado sobre as ações deste grupo -, ANA (Agência Nacional de Águas), ICMBio (Instituto Chico Mendes), Funai (Fundação Nacional do Índio) e Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), entre outros.

Não foi possível falar com o Instituto Terra a tempo de atualizar as informações neste post, mas daremos notícias em breve. Tomara que tudo que ali está escrito esteja sendo encaminhado e realizado, conforme a programação. Mas, a julgar pelo cenário promovido pelo governo Temer e pelo Senado, com a flexibilização das leis ambientais e a liberação descarada de reservas para o agronegócio e a mineração, não é difícil pensar que pouco ou nada esteja sendo feito pelos governos para reparar a maior tragédia ambiental do país.

Aqui, abro parênteses para propor uma reflexão a respeito de empresas que se dizem sustentáveis – mesmo que seus negócios a priori não sejam -, apoiam projetos culturais relacionados à proteção do meio ambiente, por exemplo, e atuam completamente na contramão. Isto é puro greenwashing! Resta aos artistas e apoiados por elas confirmar a veracidade de suas intenções – o discurso está alinhado com a prática, mesmo? – e impor limites para o seu envolvimento em ações futuras da empresa.

Voltando ao Rio Doce… sabemos que a qualidade da água continua péssima na região – como revelou a Fundação SOS Mata Atlântica a partir de estudo realizado na região – e que o Rio Doce está processando os governos, reivindicando um plano de prevenção contra futuros desastres. As duas notícias são de novembro.

Samarco continua impune e Vale protagonizou novo vazamento na semana passada, desta vez direto no mar do Espírito Santo.

Foto: Divulgação/Agência Amazonas

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.