Salta um detector de câncer à base de camarão e feijão!

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A combinação nunca havia sido experimentada antes, mas já deu certo: quitosana e concanavalina A formam a nanopelícula de base de um novo biossensor para a detecção precoce do câncer de pâncreas!

A quitosana é um polissacarídeo obtido a partir da casca de crustáceos, como o camarão, e a concanavalina A é uma proteína extraída das sementes de feijão-de-porco (Canavalia ensiformes). O papel das duas, juntas, é garantir a estabilidade de uma segunda película, com uma camada de anticorpos ativos, na qual se faz o reconhecimento do biomarcador do câncer de pâncreas: o antígeno CA 19-9. Presente no organismo humano, em concentrações baixas, esse biomarcador aumenta sensivelmente quando o paciente tem câncer.

Só é preciso uma picadinha na ponta do dedo e uma gota de sangue para fazer a leitura, em cerca de 30 minutos. E a precisão, sensibilidade e seletividade do novo biossensor é a mesma dos testes convencionais – como os de tipo ELISA – que levam de uma hora e meia a duas horas e exigem a retirada de sangue em maior quantidade.

“O papel mais relevante do par quitosana/concanavalina A é o de servir de matriz para a imobilização dos anticorpos”, explica o físico Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP). A equipe de pesquisadores que trabalha com o novo biossensor escolheu a quitosana, por já saber que ela forma uma boa matriz. E a ideia de combinar com a concanavalina A ocorreu por que as proteínas oferecem ambiente adequado para a preservação da atividade de biomoléculas.

Mas, para a combinação dar certo, segundo o físico, “era importante que essas macromoléculas tivessem cargas opostas em solução, pois os filmes nanoestruturados são fabricados por atração eletrostática entre camadas adjacentes. Assim, a quitosana faz o papel de macromolécula positiva, com sua camada atraindo a concanavalina A, carregada negativamente”.

Outra vantagem da dupla camarão/feijão-de-porco é o fato de ambos virem de fontes naturais e serem fáceis de obter. A quitosana já é extraída comercialmente das montanhas de cascas de camarão, seja pescado ou cultivado. É uma solução de mercado para resíduos antes considerados problemáticos, por serem descartados no meio ambiente. Hoje essa quitosana dá origem a diversos produtos alimentícios e farmacêuticos, como bandagens para conter hemorragias.

Quanto ao feijão-de-porco, trata-se de uma espécie tropical das Américas, amplamente utilizada na agricultura brasileira para adubação verde, na rotação de culturas entre as safras. Por ser uma planta leguminosa, ajuda a fixar no solo um dos nutrientes essenciais – o nitrogênio. E as sementes estão disponíveis no mercado agrícola.

A expectativa dos pesquisadores é de desenvolver biossensores descartáveis. “Nos testes de laboratório reusamos um biossensor com concentrações crescentes do biomarcador (o antígeno CA19-9) para estudar os mecanismos de detecção e obter uma curva de calibração”, explica Osvaldo Novais. “Para uma aplicação em diagnóstico, os biossensores serão descartáveis, usados uma única vez. Não fizemos testes exaustivos de estabilidade, mas esperamos que um biossensor possa ser usado em até 6 a 8 semanas após sua fabricação”.

Por enquanto, os ensaios foram realizados com células cancerosas produzidas em laboratório e não se observaram falsos negativos (quando o teste não detecta aumento do biomarcador, mas o câncer está presente). O próximo passo será usar amostras reais de sangue de pacientes.

O desenvolvimento do biossensor, orientado por Osvaldo Novais, foi feito no âmbito do doutorado do físico Andrey Soares, do Grupo de Polímeros do IFSC, em parceria com especialistas do Hospital do Câncer de Barretos, no interior de São Paulo. Também colaboraram Fernando Vieira Paulovich e Maria Cristina Ferreira de Oliveira, do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação da USP São Carlos (ICMC-USP). Os recursos são da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O equipamento está em fase de protótipo e depois ainda terá de ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas já é uma esperança de detecção precoce do câncer de pâncreas, cuja mortalidade é altíssima (ao redor de 80%) justamente por ser um tipo assintomático, difícil de detectar em tempo de se recorrer a cirurgias e tratamentos quimioterápicos.

Foto: Liana John (camarões no Aquário de Ubatuba, SP)

Um comentário em “Salta um detector de câncer à base de camarão e feijão!

  • 13 de maio de 2016 em 5:52 PM
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    Muito interessante. Parabéns pela brilhante matéria.

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Liana John

Jornalista ambiental há mais de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem 2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias publicadas na National Geographic Brasil.