Registro de primeiras mortes aumenta alerta sobre a febre amarela na região Sudeste

febre amarela

*Atualizado em 17/01/2018

Historicamente o Norte e o Centro-Oeste do Brasil sempre foram áreas endêmicas da febre amarela, uma doença infecciosa febril aguda transmitida por mosquitos. Mas nos últimos anos, ela tem se alastrado para outras regiões brasileiras, alcançando áreas da Mata Atlântica, densamente povoadas.

Entre 2008 e 2009, ocorreu um surto que atingiu, principalmente, os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Nos dois últimos anos, um novo ciclo de maior atividade da doença foi detectado e considerado a pior epidemia de febre amarela silvestre da América do Sul.

Mais recentemente, desde o final de 2017, a morte de macacos em parques e matas do Rio de Janeiro e São Paulo já soou um novo alerta no setor de saúde. “Os macacos também são vítimas da doença, que pode matá-los. No ciclo silvestre da febre amarela, os primatas não humanos são os principais hospedeiros do vírus, mas os vetores, ou seja, aqueles que carregam o vírus e o transmitem, são os mosquitos com hábitos estritamente silvestres, que vivem nas matas”, explica Ana Marli Sartori, médica infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.

No mais atual relatório de monitoramento divulgado pelo Ministério da Saúde, foram confirmadas 20 mortes pela febre amarela desde junho de 2016. A grande maioria delas em Minas Gerais e no estado de São Paulo, que ontem (16/01), foi declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como área de risco de contágio da doença.

Nas regiões afetadas, os postos de saúde públicos estão oferecendo a vacina contra a febre amarela para a população. No Rio, os municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias estão em estado de alerta, depois que um bugio foi encontrado morto na Reserva Biológica do Tinguá.

Já em São Paulo, quase 30 parques foram fechados nas últimas semanas como medida para prevenir o alastramento do vírus.

O Conexão Planeta conversou com a infectologista Ana Marli Sartori para que ela falasse sobre o atual surto. Entre outros tópicos, a especialista explicou mais sobre as formas de contágio, sintomas da doença e fez recomendações para a população.

Como a febre amarela é transmitida?
O vírus da febre amarela é transmitido por vetores artrópodes (mosquitos). Existem dois ciclos epidemiológicos:

1. Ciclo Silvestre, no qual, os transmissores na América Latina são mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, e os principais hospedeiros são primatas não humanos (macacos). O homem é infectado acidentalmente, ao entrar em áreas de matas e ser picado pelo mosquito que carrega o vírus;

2. Ciclo Urbano, no qual o principal transmissor é o Aedes aegypti (na foto que abre este post) e o homem é o principal hospedeiro. No Brasil, até o momento, não há transmissão urbana da febre amarela. Os casos recentes são de transmissão silvestre em região peri-urbana, sendo os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes os transmissores.

Quais são os principais sintomas e sequelas da doença? Ela é fatal?
A febre amarela tem amplo espectro clínico, podendo apresentar desde sintomas inespecíficos como febre, cefaleia e mialgia, com resolução espontânea, até o quadro típico de febre hemorrágica, com febre, icterícia (olhos amarelos), insuficiência renal e hemorragias. A febre hemorrágica tem alta letalidade – no Brasil, nos últimos 20 anos a taxa de letalidade é de aproximadamente 43%.

Por que o número de casos vem aumentando na região Sudeste?
Em 2016-2017, a dispersão do vírus da febre amarela alcançou a Mata Atlântica, que abriga uma ampla diversidade de primatas não humanos e de potenciais vetores silvestres e onde o vírus não era registrado há décadas. É uma região densamente povoada, aumentando o risco de infecção em humanos.

A febre amarela é controlada em algum país do mundo?
Não é possível controlar a febre amarela silvestre.

A que se deve o aumento de casos no Brasil?
A febre amarela apresenta um comportamento cíclico, e periodicamente apresenta surtos ou epidemias de maior ou menor impacto em saúde pública. O motivo da ampliação da área endêmica não é bem conhecido. Mudanças ambientais (desmatamento, urbanização, fragmentação do habitat) têm impacto no surgimento e ressurgimento de doenças infecciosas, principalmente em países com alta biodiversidade e sérios problemas ambientais, sociais e econômicos não resolvidos.

O fechamento de parques ajuda no controle?
Em uma região de recente introdução do vírus nas matas, o fechamento dos parques reduz a exposição de pessoas suscetíveis (não vacinadas) aos vetores em locais onde está ocorrendo epizootias (termo utilizado para designar epidemias em animais da mesma espécie) em primatas não humanos, podendo evitar casos humanos de febre amarela.

Na sua opinião, deveria haver uma vacinação em massa da população nas áreas afetadas?
No estado de São Paulo, a vacinação da população residente nas áreas de maior risco já vem sendo feita, desde 2016, à medida em que são detectadas epizotias em primatas não humanos. Neste ano (2018), a vacina da febre amarela foi incluída no calendário de vacinação infantil nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia, os estados que vêm sendo mais intensamente atingidos (o Espírito Santo já havia introduzido a vacina na rotina em 2017).

Qual é a recomendação para as pessoas evitarem a febre amarela nas regiões atingidas?
Pessoas de qualquer idade, não previamente vacinadas, que residem ou que irão viajar para áreas com recomendação de vacinação (sobretudo São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, além das regiões endêmicas), devem ser vacinadas, desde que não tenham contraindicação. A vacina não é recomendada para pessoas imunodeprimidas (pessoas em uso de drogas imunossupressoras e corticosteroides, transplantados, pessoas vivendo com HIV/aids com CD4 baixo, em tratamento do câncer, e outros). A pessoa vacinada só estará protegida 10 dias após a vacinação, que é o tempo necessário para desenvolvimento dos anticorpos. Além disso, podem ser usados métodos de barreira, como repelentes, telas nas janelas, para evitar picadas de mosquitos.

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Fotos: Jentavery/Creative Commons/Flickr e arquivo pessoal

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.