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Reflexões de um shark diver

Esperei um pouco antes de me manifestar sobre um raro acidente que ocorreu na Ilha Coco, situada no Oceano Pacífico (distante 532 km do litoral sul da Costa Rica), na semana passada, em 30/11. Para quem ainda não sabe, um tubarão-tigre atacou dois mergulhadores autônomos, matando uma turista americana e ferindo seu divemaster costa-riquenho.

Conheço a excelente empresa responsável pela operação e tenho convicção de que o tubarão não foi provocado nem atraído por iscas. O mergulho ocorreu dentro das normas e padrões em que o shark diving é praticado internacionalmente. Então, me pergunto: Será que os padrões estão corretos ou será que estamos “banalizando” o shark diving?

Sem querer julgar ninguém, proponho uma reflexão. Afinal, três dias antes mergulhei com tubarões-tigre na Ilha Socorro, não muito distante dali, em condições semelhantes. E, em 2015, me aproximei deliberadamente de uma fêmea da espécie de quase 5 metros de comprimento, exatamente no local desse ataque, para fazer a imagem de destaque deste post.

Na verdade, se considerarmos o número de mergulhadores que praticam shark diving e o baixíssimo numero de acidentes, chegaremos à conclusão de que a prática, em si, é extremamente segura. Porém, diante de mais uma morte, fica evidente que por menores que sejam, riscos existem e não deveriam ser subestimados.

“Por que o tubarão atacou?” é a pergunta que mais tenho ouvido. Não há uma resposta precisa, mas como especialista no assunto, minha resposta é simples: Porque ele pode fazer isso!

Embora não costume atacar mergulhadores autônomos, um tubarão-tigre de grande porte tem capacidade para tal. O próprio Jacques Cousteau disse, em 1951: “Quanto mais nos familiarizamos com os tubarões, menos os conhecemos. Ninguém consegue prever o que um tubarão vai fazer”. Quem sou eu para discordar dele?

Já fiz entre 1500 e 2 mil mergulhos, sem gaiola de proteção, com tubarões de mais de 60 espécies, inclusive das cinco mais perigosas, e, em cerca de 99% deles, tudo ocorreu de forma tranquila e harmônica. O problema está nesse 1% fora da curva!

Será que esse risco, por menor que seja, não deveria ser calculado? Fazendo uma analogia simplória, nós “batemos” o carro menos de 1% das vezes em que dirigimos, mas sempre utilizamos cinto de segurança. Caímos de moto menos de 1% das vezes que pilotamos, mas sempre usamos capacete…

Então, por que não utilizamos dispositivos de segurança que minimizam o risco de se mergulhar com tubarões?

Nós mergulhadores estamos tão doutrinados pelo discurso de que tubarões não atacam, que esquecemos do simples fato de que podem atacar. São predadores poderosos em seu habitat e nós somos frágeis intrusos lentos e desengonçados.

Quando iniciei no shark diving, no inicio dos anos 90, a prática era “para gente grande”. Ninguém com menos de 200-300 mergulhos se atreveria a mergulhar numa sessão de alimentação e, muito menos, cairia na água sem gaiola com qualquer um dos big five (tubarão branco, tigre, cabeça-chata, galha-branca-oceânico e grande martelo).

Hoje, com o potencial mercadológico da prática, operadores sérios levam qualquer “bunda-de-rolha” para mergulhar com tubarões. Semana passada, vi um operador “despejar” 18 mergulhadores, a maioria inexperiente, num mergulho noturno com uma dúzia de silky-sharks e ninguém, nem os divemasters, carregavam algum dispositivo de segurança.

Em 1993, durante a expedição Segredos Submersos do Atlântico, levávamos até luparas, que são bastões com ponteiras explosivas com balas calibre 38, para nos defender dos tubarões. Trata-se de um acessório extremo, potencialmente perigoso para os próprios mergulhadores e que jamais precisamos usar.

Até hoje, mergulho desarmado com tubarões, porém, a robusta caixa estanque de minha câmera, serve como escudo. Não estou falando teoricamente. Em pelo menos 15 ocasiões a utilizei para golpear tubarões ou bloquear ataques. Mais eficiente, ainda, é um bastão de metal ou um arpão havaiano sem ponteira.

Em junho deste ano, na Sardine Run, na África do Sul, eu e meu divemaster fomos rodeados insistentemente por alguns tubarões dusky, de grande porte. Ficamos de costas um pro outro e os golpeamos algumas vezes, eu com a caixa estanque e ele com um bastão de metal. Se não tivéssemos os instrumentos, certamente teríamos sido mordidos.

Os primeiros relatos que chegam do acidente nas Ilhas Coco dizem que o divemaster tentou espantar o tubarão, que os atacou durante a subida da parada de segurança. Então, eu me pergunto: COMO ele tentou espantá-lo? É lamentável saber que o uso de um simples bastão de metal ou um arpão havaiano poderiam ter salvo a vida da mergulhadora Rohina Bandhari, sem machucar gravemente o animal.

Como disse no início deste texto, não pretendo julgar ninguém. Continuo defendendo os tubarões e defendendo a prática do shark diving como modalidade de ecoturismo que amplia a compreensão sobre esses animais e gera receita para sua conservação. Porém, acidentes como esse servem para lembrar que a prática não deve ser banalizada, ainda mais quando se promove mergulhos onde há presença de animais de grande porte e/ou de espécies potencialmente agressivas.

Infelizmente esta triste morte serve para refletirmos e aumentarmos os procedimentos de segurança. Nos manuais das certificadoras o mergulho é descrito como uma atividade segura e planejada, mas será que é mesmo?

Meus sentimentos aos amigos e familiares da vítima e aos demais envolvidos.

Em tempo: para que os tubarões tigre não fiquem estigmatizados, quero acrescentar que as duas imagens deste post são frames de um vídeo que fiz no mesmo lugar do ataque. Quando publiquei este texto, em 4/12, originalmente em minha página no Facebook, ainda acrescentei fotos de Marcelo Skaf, que mostra minha interação com tubarão tigre na África do Sul, em 2008, e de Lucas Gaspar Pupo, que registrou meu encontro com tubarão da mesma espécie nas Bahamas, em 2014. Em mais de 100 horas de mergulho com esses tubarões, nos três oceanos que habitam, jamais me senti ameaçado por eles.

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