Que papel as cidades exercem na conexão da criança com a natureza?

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O jornalista americano Richard Louv, em seu livro A Última Criança na Natureza, defende que, hoje, a conservação dos ambientes naturais não é mais suficiente e que, portanto, precisamos criar natureza.

No início, me soou estranho, mas se juntarmos alguns dados, não é difícil concordar. Desde 2008, passamos a ser uma civilização urbana, onde mais pessoas moram em cidades do que em zonas rurais. A maioria das cidades brasileiras cresce de forma não planejada. As áreas verdes são substituídas por prédios, casas e estacionamentos. São Paulo, por exemplo, tem 2,6m² de área verde por pessoa, enquanto os padrões internacionais recomendam 12 m².

No modelo atual, quanto mais se urbaniza, mais distantes ficamos da natureza.

Não só as crianças brasileiras, mas crianças de centros urbanos do mundo inteiro sofrem com o Transtorno do Déficit de Natureza, expressão cunhada por Richard Louv, que apesar de não ser um termo médico, associa a ausência do contato com a natureza a impactos negativos na saúde, como redução do uso dos sentidos, índices maiores de doenças mentais e físicas, obesidade e miopia.

Toda criança tem o direito de brincar e crescer em contato direto com a natureza. Toda criança precisa da natureza para se desenvolver de forma sadia, alegre, em contato com o belo e com a vida. As crianças buscam isso.

Se 87% da população brasileira vive em centros urbanos, precisamos transformar nossas cidades em cidades biofílicas, que amam e valorizam a vida e oferecem a seus habitantes um encontro com a natureza abundante em seu cotidiano, sem precisar viajar para longe. Pesquisas comprovam que cidades biofílicas melhoram nossa saúde física e psicológica, nossa sensação de prazer e felicidade e nossa capacidade de aprender.

E o que é preciso fazer para termos cidades mais ricas em natureza?

Esse é um assunto que envolve esforços de diferentes esferas da sociedade, desde o poder público até a participação dos moradores.

Precisamos de políticas públicas que coloquem a natureza como eixo organizador, proporcionando um reencontro entre seres humanos e natureza, reforçando o potencial humano e econômico. Políticas que expandam áreas verdes urbanas aumentem o índice de arborização nos bairros, fortaleçam a rede de produtores locais de alimentos e incentivem o uso dos espaços públicos, garantindo acesso e interação.

Quantas vezes eu levei minhas filhas para brincarem em parques urbanos e elas foram proibidas de pisar na grama e de subir nas árvores? Proibir a subida em árvores é regulamento em muitos parques de nosso país.

Nos EUA, por exemplo, a rede internacional Children & Nature Network fez uma parceria com o National League of Cities (que representa 19 mil municípios e 218 milhões de americanos) para criar a iniciativa Cities Promoting Access to Nature, com o intuito de explorar como os municípios conseguem conectar pessoas com um mundo natural onde possam morar, trabalhar, aprender e brincar.

Importante também sensibilizar educadores, arquitetos, designers urbanos e outros profissionais para planejar as melhores estratégias de renaturalização dos espaços urbanos, para trabalharem em harmonia com a natureza e com a biodiversidade.

Recentemente, participei da 14a Annual Design Institute na Carolina do Norte, organizada pelo Natural Learning Initiative. Muitos palestrantes eram arquitetos, designers e paisagistas urbanos, e apresentaram ótimos exemplos de como a arquitetura e o design podem apoiar a conexão da criança com a natureza.

Robin Moore, autoridade internacional sobre a concepção de ambientes para o brincar e o aprender das crianças, advoga que os espaços públicos devem ser atraentes o suficiente para estimular que elas e seus cuidadores saiam de casa. Ele nos apresentou exemplos de infraestruturas verdes urbanas, como escadas públicas onde se plantaram lavandas, labirintos em praças construídos com gravetos pelo artista Patrick Daugherty, ruas com sistema de drenagem natural integrado, estacionamentos arborizados e jardins onde as crianças podem andar e se sentir desafiadas fisicamente, mas que também as acolhem em sua privacidade e permitem que elas se escondam, fiquem sozinhas e contemplem.

O arquiteto Michael Lidstorm nos lembrou que, para isso dar certo, precisa ser simples e barato. Trouxe exemplos de janelas em salas de aula que, além de ampliarem a luminosidade, aumentam a visibilidade do lado de fora, contribuindo para o bem-estar e a aprendizagem dos alunos, como já comprovado por pesquisas. Também apresentou áreas de transição entre ambientes fechados e abertos, como deques e varandas.

No âmbito dos cidadãos, aqui no Brasil, há o Movimento Boa Praça, fundado por moradores dos bairros Alto de Pinheiros, Lapa, Vila Romana e Vila Anglo, que buscaram conhecer e dialogar com seus vizinhos para viver uma cidade mais humana, ocupando e revitalizando suas praças. Carolina Tarrio, uma das fundadoras, conta entusiasmada que os benefícios desse movimento vão além de ter um lugar bacana, pertinho de casa, para curtir com os filhos e amigos ao ar livre. Melhorar e frequentar a praça aumentou a sensação de segurança e ajudou a ter uma visão diferente do bairro da que ela tinha antes.

Se todas essas correntes se juntarem irão, no mínimo, nos levar a uma visão diferente de futuro – um futuro rico em natureza e mais otimista.

E você? Conhece cidades ou espaços urbanos que foram transformados para promover o reencontro dos seres humanos com a natureza? Se sim, mande um e-mail para nós! Anote: contato@criancaenatureza.org.br

Foto: Renata Ursaia

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Laís Fleury

Mãe da Alícia e da Lia, é co-fundadora da Associação Vaga Lume, e reconhecida como empreendedora social pela Ashoka desde 2003. É coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, e pós-graduada no tema “A vez e a voz das crianças: escuta antropológica e poética das infâncias"