Quando a fotografia ajuda a Ciência

A história aconteceu há quase dez anos, mas até hoje, serve como bom exemplo de como a fotografia de natureza pode auxiliar a Ciência.

Em 2008, quando morava na Serra do Japi (SP), o proprietário de uma chácara vizinha me enviou a foto de uns ovos que apareceram entre pedras, às margens da estrada, perto de sua casa. Ele desconfiava que eram de cobra e ficou preocupado, pois estavam no ponto onde as crianças da vizinhança aguardavam o ônibus da escola. Deixou claro que não queria destruir os ovos (“Não sou de matar bicho”), mas precisava de ajuda para removê-los de lá.

Assim, iniciei um trabalho investigativo: repassei a foto para colegas herpetólogos (especialistas em répteis) e comecei a fazer perguntas. Mas uma coisa já estava certa: eram realmente ovos de serpente.

Dois dias depois, o vizinho volta a me ligar: “Daniel, é cobra-coral, deu pra ver direitinho os anéis vermelhos, brancos e pretos quando uma delas colocou a cabeça pra fora do ovo!”.

Voltei a contatar um colega herpetólogo e ele me afirmou que, devido ao estágio avançado de desenvolvimento dos ovos (já eclodindo), manipulá-los cuidadosamente não causaria danos aos filhotes – inclusive me orientou que fizesse isto, pois daria mais segurança e chances de sobrevivência aos animais.

Comentei com o vizinho e lá veio ele com um aquário forrado com terra, pedras e um pouco de capim, onde colocamos os nove ovos. Fui pra casa e montei um sistema fotográfico para tirar uma foto automaticamente a cada intervalo de tempo. Durante uma semana, a câmera registrou o nascimento dos nove filhotes de falsas-corais (só descobrimos a espécie posteriormente).

Todos foram soltos em uma área de mata distante das chácaras, tudo sob orientação de especialistas no assunto.

Minha ideia original era apenas fazer um bom registro fotográfico e divulgar as imagens. Porém, quase dois anos depois, recebo mensagem de um pesquisador do Instituto Butantan, renomado centro brasileiro de pesquisas de serpentes: “Sou aluno de Doutorado pela USP. Li no seu blog sobre o achado que foi esse ninho de falsa-coral! O que encontraram foi realmente muito raro e uma informação preciosa, que pode render uma boa publicação em revista científica”.

Como a câmera fotográfica grava todos os dados de data e horário para cada foto, tínhamos em mãos um registro detalhado sobre o padrão de eclosão de todos os ovos. E assim, nosso trabalho foi publicado no periódico científico Herpetology Notes, mostrando que o trabalho de um fotógrafo de natureza pode ir além do campo das artes e da conscientização ambiental.

Vídeo em time lapse com imagens do nascimento das serpentes:

*Aqui está o PDF da publicação científica 

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Daniel De Granville

Biólogo com pós-graduação em Jornalismo Científico, começou a carreira fotográfica na década de 90, quando vivia no Pantanal e trabalhava como guia para fotógrafos renomados de várias partes do mundo, o que estimulou seu interesse pela atividade. Já apresentou exposições, palestras e cursos na Alemanha, EUA, Argentina e diversas regiões do Brasil. Em 2015 foi o vencedor do I Concurso de Fotografia de Natureza do Brasil, da AFNATURA, e em 2021 ganhou o primeiro prêmio na categoria “Paisagem” do Concurso Global da The Nature Conservancy. Vive atualmente em Florianópolis, onde tem se dedicado ao ensino de fotografia e continua operando expedições em busca de vida selvagem Brasil afora