Projeto permite asfaltar estradas na Amazônia sem licença

O Ministério dos Transportes está analisando uma proposta de Medida Provisória que permitiria asfaltar estradas na Amazônia – e em qualquer lugar do país – sem necessidade de licenciamento ambiental.

O projeto beneficiaria diretamente a polêmica rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. A estrada corta uma das áreas mais sensíveis da Amazônia e cientistas vêm advertindo que sua pavimentação pode causar uma explosão no desmatamento no Amazonas, Estado mais preservado da região, com a emissão de mais de 2 bilhões de toneladas de CO2.

O processo de licenciamento ambiental da 319 encontra-se parado desde 2008. Naquele ano, o Ibama devolveu os estudos de impacto para complementação, por considerá-los insuficientes, e nenhum novo estudo foi apresentado até agora para o “miolo” da rodovia, um trecho de 405 km.

Nesta quarta-feira, 16/10, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), um dos maiores defensores na rodovia, disse à Agência Infra que o presidente Michel Temer editaria “nas próximas horas” uma MP que determinaria uma “política estruturante” para o licenciamento no país. Segundo o senador, o texto abriria “a possibilidade de o país voltar a investir em infraestrutura”.

Quando foi governador do Amazonas, Braga chegou a propor construir uma ferrovia no lugar da rodovia, para reduzir impactos ambientais.

O Observatório do Clima teve acesso na noite de quarta-feira a uma versão do texto em análise. Ele trata da chamada “faixa de domínio” das estradas, entendida como a “base física sobre a qual se assenta uma rodovia”. Isso inclui tanto as pistas propriamente ditas quanto acostamentos, canteiros e faixas laterais de segurança.

O texto determina que as faixas de domínio são de “relevante interesse público da União” e atividades de recuperação e pavimentação são de “utilidade pública” e de “interesse social e de segurança nacional”.

Portanto, podem acontecer independentemente de licença ambiental e de anuência de órgãos como Funai, Instituto Chico Mendes e Fundação Palmares.

A justificativa é que, no caso de estradas já abertas, “a sociedade” já arbitrou a necessidade de impactos ambientais no momento em que escolheu fazer a estrada. E “nem mesmo os interesses da conservação ambiental devem se sobrepor ao interesse socialmente definido para estas áreas”, diz a exposição de motivos da MP.

A BR-319 e outras estradas da Amazônia foram planejadas e executadas durante a ditadura militar.

A Porto Velho-Manaus é mencionada na exposição de motivos da MP como uma das estradas beneficiadas pelo novo entendimento, assim como a BR-080 (entre Goiás e Mato Grosso) e a BR-242, em Mato Grosso.

Nos últimos anos, a pressão pela pavimentação da 319 vem crescendo. Vários projetos de lei e uma proposta de emenda constitucional tramitam com esse objetivo. A PEC 65, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), determinava que o estudo de impacto ambiental fosse a própria licença da obra; Gurgacz – condenado a quatro anos de prisão por desvio de dinheiro público – também é autor de um projeto de lei de licenciamento ambiental proposto neste ano que dispensa pavimentações de licença.

Um projeto de lei geral de licenciamento está sendo debatido há quase dois anos entre governo e Congresso, mas a oposição da bancada ruralista tem impedido que ele avance.

A região da BR-319 tem causado preocupação nas autoridades ambientais. Ela é palco de uma nova frente de ocupação da Amazônia, intensificada nos últimos dois anos, como mostra esta reportagem do site Amazônia Real e do Infoamazônia. Anteontem o OC mostrou, com base em dados do Inpe, que dois dos três municípios que mais desmataram na Amazônia no período da campanha eleitoral de 2018 estão no eixo da estrada: Lábrea (AM) e Porto Velho.

Os dois candidatos à Presidência que disputam o segundo turno, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), prometeram que concluiriam a obra.

Procurado pelo OC, o Ibama não se manifestou até a conclusão desta postagem.

*Texto publicado originalmente no site do Observatório do Clima, em 18/10/2018

Foto: Vandré Fonseca / OEco

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Observatório do Clima

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