Mesmo que se consiga impedir boa parte do que propõe este governo, ele deixará marcas terríveis em todas as áreas relacionadas a direitos humanos, meio ambiente, educação, saúde… ou seja, nas áreas nevrálgicas para o bem-estar da maioria dos brasileiros. Para conquistar seus intentos, independente do tema, uma de suas “armas” é anular ou deletar leis ou trechos delas, decretos ou documentos que possam impedir as mudanças que beneficiarão seu “projeto desenvolvimentista“, como definiu o próprio Bolsonaro na entrevista que deu à Jovem Pan, em fevereiro.d
Há duas semanas, foram apagados do site do Ministério do Meio Ambiente os mapas das áreas de conservação ambiental no país. Em seguida, o Ministério da Agricultura pediu para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) acabar com a Lista Vermelha de Espécies Aquáticas Ameaçadas do Extinção. A reivindicação ainda está sendo analisada.
No final da semana passada, Ricardo Salles, ministro dessa pasta, acatou pedido de deputada paranaense para anular criação do Parque Nacional de Campos Gerais, e o encaminhou para analise do ICMBio, dominado por militares – que ele acabara de promover a postos nesse ministério – sem nenhuma experiência na área.
Não faltam más notícias. E, logo depois do feriado de 1o. de maio, veio mais uma: os senadores Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito, e Marcio Bittar nos brindaram com um projeto de lei (PL) que acaba com o que consideram um “entrave” à expansão ruralista no Brasil: a obrigatoriedade das reservas legais de vegetação nativa em propriedades rurais. Ou seja, o novo PL propõe eliminar o capítulo do Código Florestal, que trata desse assunto – Da Área de Reserva Legal – e prevê que “todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente”.
E por que as áreas de Reserva Legal são tão importantes? De acordo com Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, elas garantem a manutenção estratégica de bancos genéticos, de estoques das chamadas madeiras de lei e de estoques da biodiversidade. E elas não são apenas importantes, são possíveis, e podem ajudar a incrementar o negócio de produtores rurais com visão de futuro. A foto que ilustra este post é uma prova disso.
A primeira versão do Código Florestal – que regulamenta a exploração da terra, indicando onde e como deve ser preservada a vegetação em todo o país – , de 1965, foi atualizada em 2012 com a intenção de favorecer os ruralistas. Na época, os ambientalistas viram inúmeros e enormes retrocessos para a preservação, com a nova versão: as áreas de preservação permanente (APP) foram reduzidas, mas as de Reserva Legal foram mantidas. Em 2018, mais um golpe na preservação: o STF julgou um dos trechos mais polêmicos – a anistia a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de julho de 2008 – e manteve o artigo que autoriza a redução da Reserva Legal de 80% para 50%, dependendo do caso.
Os ruralistas nunca ficaram satisfeitos: queriam o fim das áreas de proteção obrigatórias. Se o PL de Flávio e Bittar for aprovado, as reservas legais serão extintas e os donos do agronegócio, finalmente, atendidos.
O senador Bolsonaro alega que só assim será possível gerar empregos e contribuir para o crescimento do país. Ele e Bittar afirmam que o Brasil é um dos países que mais preservam vegetação no mundo. Alegam que “não há pertinência no clamor ecológico fabricado artificialmente (!!!) por europeus, norte-americanos e canadenses (!!!) e imposto ao país (!!!) a seus produtores rurais, chegando a determinar, segundo interesses políticos e comerciais estrangeiros (!!!), o rumo de nossa produção, desenvolvimento e legislação ambiental”.
Nossa, quanta desfaçatez numa frase só. Estas são afirmações sem nenhum embasamento, ditas ao léu, como faz o presidente eleito constantemente, ao vivo ou pelo seu perfil no Twitter. Por isso, as sinalizei com várias exclamações. A cada dia, Bolsonaro e seus filhos se tornam mais experts em fake news. Viciados em cortar mentiras.
E os dois senadores ainda disseram ao jornal O Globo: “A despeito dessa realidade cristalina (!!), burocratas ecológicos (!!) continuam a propagar desinformações que permitem a desavisados difamar, caluniar e cercear àqueles que mais preservam (!!!) a vegetação nativa: os produtores agropecuários. ONGs e organismos internacionais deveriam nos premiar e render homenagens (!!!) pelo feito”, diz Flavio. E até pode parecer que se importam com o meio ambiente: “É urgente a conciliação profunda e permanente entre proteção do meio ambiente (!!!!), crescimento econômico e geração de oportunidades para os brasileiros”.
Sim, ele tem razão: essa conciliação é urgente. Mas não do jeito que propõe, anulando leis e diretrizes que protegem a vegetação. Sem ela, não há produção que se sustente porque não haverá água. Simples assim.
A ideia falsa de que o Brasil é o país que mais preserva no país, é rebatida pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo, do Observatório do Clima e do MapBiomas, que gravou vídeo esclarecedor, lançado no final de abril, respondendo a mitos e verdades narrados por Camila Pitanga. Ele ainda confirma que não é necessário desmatar mais para que o agronegócio cresça, como ruralistas costumam afirmar. “Na verdade, existem, pelo menos, 20 países no mundo que têm mais florestas em seu território proporcionalmente do que o Brasil”, diz ele. Assista ao vídeo, no final deste post, para entender melhor.
Tomando como base o entendimento de Flavio e Bittar sobre preservação – “a Amazônia possui, em valores de recursos naturais, o montante de 23 trilhões de dólares a ser explorado, sendo 15 trilhões em recursos minerais metálicos, não metálicos e energéticos e oito trilhões na superfície, com a biodiversidade” – não dá pra esmorecer. Seu projeto é absolutamente coerente com a visão desenvolvimentista do governo Bolsonaro, que deve ser combatido por quem acredita na preservação. E eles, certamente, não vão parar por aí.
Sim! É possível transformar riquezas naturais em desenvolvimento, mas este deve ser sustentável, respeitando os limites e o tempo da natureza e a sabedoria dos povos originários. Por isso, leis ambientais não podem ser consideradas entraves, empecilhos ou dignas de serem revogadas.
E não esqueçamos da possível e bem vinda conciliação entre preservação e produção, tão alardeada pelos princípios da agrofloresta. Enquanto uns querem derrubar árvores para plantar mais e criar mais gado, outros sabem que reflorestar e manter as árvores em pé só beneficia o seu negócio. Leia este texto publicado aqui no Conexão Planeta: Reflorestamento rural: preservação aliada ao aumento da produtividade no campo.
Agora, assista ao vídeo do Observatório do Clima sobre as mentiras contadas pelo agronegócio sobre o uso e ocupação da terra no Brasil:
Fonte: O Globo, site do Senado
Foto: Divulgação/Retorno das Árvores