Os presentes das árvores presentes

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São dois os principais momentos de interação entre pessoas e árvores. Quando as árvores estão floridas, ou quando estão frutificando. No entanto, o florescimento e a frutificação são mais apreciados quando existe uma referência prévia, ou seja, quando a flor é muito chamativa ou o fruto é saboreado e conhecido com facilidade pelas pessoas.

Dessa maneira, limitamos muito as oportunidades de encantamento, apreciação e troca com as árvores. A grande maioria das espécies produz flor – mesmo que não sejam chamativas para nós – e, quando realizada a polinização, dá frutos – que podem não ser encontrados com facilidade nos supermercados ou saborosos ao nosso paladar. E, tanto as flores como os frutos possuem formas, cores, aromas e sabores especialmente alinhados com o melhor sistema de polinização e dispersão de cada espécie.

Quando apreciamos uma flor, podemos ter certeza de que essa linda estrutura desenhada com tanta harmonia e elementos organizados de forma tão única, foi moldando sua expressão, ao longo de milhares de anos, para o desenvolvimento do melhor resultado de polinização.

Incrível como a vida é nutrida por esse processo! E nossa missão não difere muito desse propósito: sermos a melhor versão de nós mesmos para encontrarmos a plenitude da nossa existência.

Uma flor é a estrutura responsável pela reprodução e tem época certa – que muda conforme a espécie – para surgir na vida de uma árvore. Quando os hormônios reprodutivos despertam, as flores desabrocham, primeiro, mais tímidas e em menor quantidade. Os hormônios vão se firmando até que, em poucos anos, conseguem produzir frutos que se desenvolvem com sucesso. Apreciamos, assim, o espetáculo cada vez mais organizado, dedicado e pleno da floração, seguida do desenvolvimento completo dos frutos com suas sementes férteis.

Um êxtase, posso dizer! Quanta energia dedicada! Para favorecer a polinização que aconteceu de maneira mais eficaz, as árvores realizam uma certa seleção de quais serão os melhores frutos para permitir a nutrição mais rica de suas sementes. Consequente, se dá o surgimento das melhores e mais fortes árvores da sua espécie.

Muitas árvores dedicam tanto esforço e tanta energia para esse processo, que chegam a perder todas as suas folhas antes de florescer. É possível notar, até, o momento exato em que essa etapa de florescimento começa a ser preparada, todos os anos. As folhas ficam mais acinzentadas ou amareladas – algumas, cobreadas ou vermelhas – secam e deixam de fazer fotossíntese, deixam de nutrir com clorofila, até cair. Como é o caso dos ipês, do mulungu, jacarandá, sucupira, paineira e tantas outras espécies.

Para sua floração, frutificação e geração de sementes nas mais perfeitas condições, uma árvore precisa extrair os nutrientes necessários para esse processo do solo. E aqui reside um dos principais pontos da vida na terra – a saúde do solo. Ana Primavesi, engenheira agrônoma, formada na Universidade Rural de Viena, Áustria – uma das percussoras da agricultura orgânica – sempre fala da saúde do solo como o ponto mais importante da saúde das plantas, água, clima que, por sua vez, contribuirão para a saúde dos homens. Ela diz: “Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio e as plantas bem nutridas”.

Isso me faz refletir imediatamente sobre a condição do solo urbano e a qualidade de vida que as plantas, árvores, animais e nós temos tido nas grandes cidades. Uma campanha que nos alerta sobre quanto precisamos da natureza saudável é A Natureza está falando da ONG Conservation International (CI). Entre inúmeros seres naturais que se expressam através das vozes de artistas e músicos famosos, O Solo – na versão brasileira – recebe a voz de Gilberto Gil. Vale a pena assistir ao vídeo.

Com o olhar de volta para nossas árvores que, certamente. têm se alimentado mal nas grandes cidades, mas mesmo assim continuam seu ciclo reprodutivo. Notei outro dia que muitas espécies – como, por exemplo, as pitangueiras – que normalmente não perdem suas folhas para florescer e frutificar, as têm perdido. É possível que esta alteração de padrão seja a resposta às mudanças climáticas e à elevação das temperaturas, além da poluição do ar.

Como sabemos, árvores urbanas – assim como nós humanos que vivemos nas grandes cidades -, são impactadas pela poluição. Nas árvores, a urgência reprodutiva – ou seja – o excesso de esforço para florescer e frutificar, pode ocorrer quando o indivíduo sente, de alguma maneira, que sua vida corre risco. Para garantir a sobrevivência de sua espécie, floresce exageradamente; dedica toda sua energia para esse processo. Como acompanho algumas árvores pessoalmente, há mais de 8 anos, percebi essa alteração que, para mim, é como um grande alerta.

Podemos reconhecer estas árvores tão chamativas para nós, principalmente por suas lindas e exuberantes flores, ou seus tão saborosos e chamativos frutos. Mas, e durante outras estações ou ciclos de sua existência? Quando estão fortalecendo seus galhos e trocnos, brotando as mais novas e tenras folhas? Você reconhece quais árvores são? Quem é o ipê sem sua copa vestida de flores? Quem é o cajueiro, jatobá ou cambuci quando não estão produzindo frutos?

Para você e para mim, para a terra, para o ar, para o solo e para outras plantas, para os animais e, até mesmo, para fungos, as árvores estão promovendo – em conjunto com todos -, maneiras de equilibrar o ambiente em que vivem, em todos os momentos. Para ter o solo sadio e rico em nutrientes, entregam partes de seu ser. Elaboram a seiva e trocam com o ar. Promovem um clima mais fresco, ar mais puro, águas mais límpidas.

Da próxima vez que você reparar em uma árvore, mesmo que ela não esteja com flor, mesmo que ela não esteja oferecendo frutos, mesmo que você não saiba qual é a espécie, sua origem, enfim, nada sobre ela, observe-a atentamente. Todas essas informações são valiosas, mas, na verdade, secundárias, porque eu e você, as crianças e os jovens, podemos aprender agora, de maneira simples e prática, a honrar e reverenciar sua nobre presença, a vida e a existência de cada árvore. Cada árvore viva, saudável e preservada é o nosso maior presente.

Foto: Pixabay JanDix

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Juliana Gatti

Mestranda na área de Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, sua pesquisa dedica-se a avaliar a influência da natureza na qualidade de vida de crianças e sociedade. Idealizou o Instituto Árvores Vivas em 2006, onde promove ações de conexão com a natureza por meio de apreciação, restauração e fomento da cultura ambiental.