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Povos Indígenas no Brasil: livro destaca retrocessos, mobilizações, mas também maior participação das mulheres

O Dia do Índio foi instituído no governo de Getúlio Vargas, em 1943, de certa forma para compensar e disfarçar as atrocidades cometidas pelo seu governo contra os índios em boa parte do território nacional. Mas, apesar da ironia c0ntida numa data como essa – um dia para celebrar o índio tão massacrado por todos os governos e pelos interesses privados! – é importante considerá-la como uma oportunidade para reflexão. Para lembrar de sua luta e resistência, que só se intensifica, ainda mais neste momento marcado por retrocessos e pelo avanço de iniciativas defendidas pelo Congresso e pelo governo Temer contra o meio ambiente e os povos tradicionais, com a redução de seus direitos e de suas reservas.

Para marcar a efeméride este ano, o Instituto Socioambiental – ISA, lança a 12a. edição do livro Povos Indígenas no Brasil (PIB) – de autoria de Beto Ricardo e Fany Ricardo –,  em São Paulo (17/4, na Livraria Cultura/Conjunto Nacional) e Brasília (19/4, Ernesto Cafés Especiais) que, na capa, homenageia Pirakumã Yawalapiti, uma das mais importantes lideranças do Território Indígena do Xingu (TIX), que faleceu em 2016 após infarto fulminante. A foto (ao lado) escolhida para ilustrá-la mostra o diplomata indígena, durante mobilização em Brasília, em 2013, logo após ter sido agredido com spray de pimenta e golpes de cassete. Na cena, registrada habilmente pelo fotógrafo André D’Elia, ele pede calma a um policial militar.

Vale destacar que esta importante publicação é compilada pelos antropólogos do ISA desde 1994 como continuidade do trabalho iniciado em 1980 pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi). Obrigatória para quem quer entender a realidade das 252 etnias existentes hoje, que, para o IBGE, são 305. Na verdade, os dados do ISA e do IBGE não combinam, como contou o jornalista Marcelo Leite em reportagem na Folha de SP, veja: para o ISA, há 715.213 índios, para o IBGE, 896.917; para o ISA, há 154 línguas preservadas; para o IBGE, 274.

Seja como for, o fato é que o compêndio impressiona: em 828 páginas (por isso, apelidado de “Pibão”)divididas por cinco capítulos temáticos e 19 regionais -, apresenta as 154 línguas faladas pelos índios brasileiros e suas 705 terras, revelando detalhes do período que vai de 2011 a 2016, marcado por mobilizações e também pela crescente participação das mulheres. Tudo isso contado por 243 fotos e 27 mapas, 160 artigos (o líder Ailton Krenak está entre os autores com um texto forte e belíssimo intitulado ‘Se Não Fosse a Persistência, Já Tínhamos Acabado’), 745 notícias resumidas de 156 fontes, e um encarte colorido com uma primorosa seleção de livros, DVDs, CDs lançados no mesmo período, além de uma retrospectiva de imagens da Mobilização Nacional Indígena. Com um detalhe: o livro se inicia com a seção Palavras Indígenas, que revela os pensamentos de doze mulheres e líderes.

Muita luta e resistência

O livro do ISA cobre cinco anos turbulentos, quando aconteceram inúmeros protestos, fruto de iniciativas que restringem direitos indígenas, especialmente os que se referem ao uso do território. Até o final do ano passado, já haviam sido registradas 189 iniciativas desse tipo, entre elas a famosa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que transfere a demarcação das terras indígenas do Executivo federal para o Congresso Nacional, anulando demarcações já definidas e autorizar a construção de empreendimentos de alto impacto nessas áreas.

Hoje, há 480 terras indígenas reconhecidas (98%, na Amazônia Legal), que ocupam mais de 1 milhão de km2 ou 12,5% do território nacional. Ainda há cerca de 224 áreas para demarcar e/ou homologar, que transformariam mais 1,3% do país em terras indígenas.

A Mobilização Nacional Indígena (da qual participou Piracumã Yanomami) foi a resposta do movimento indígena à essas atrocidades: inação do Executivo sobre a demarcação, proposições do Legislativo para restringir direitos e contra o Judiciário, que tem aplicado a tese do “marco temporal” (!!!) para anular processos de demarcação caso as comunidades indígenas não estivessem ocupando a terra em 5/10/1988, quando foi promulgada a Constituição brasileira. Non sense!

Nos capítulos regionais estão relatadas algumas das mais terríveis situações enfrentadas pelos povos indígenas por causa de empreendimentos hidrelétricos como os de Belo Monte e do Complexo do Rio Tapajós, ambos no Pará; o de Mauá, no Paraná; e as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no Rio Juruena no Mato Grosso. Os relatos sobre os impactos sociais e ambientais do garimpo ilegal, da mineração e da contaminação por agrotóxicos, são comoventes. Isso sem falar dos conflitos fundiários que castigam os índios em todo o Brasil e que tem, nos Guarani Kaiowaa, no Mato Grosso do Sul, o maior exemplo de resistência e de luta pela retomada de suas terras, já reconhecidas.

(No filme Martírio – em cartaz em diversos cinemas pelo país, desde 13/4 -, o cineasta e indigenista Vincent Carelli conta a saga dessa etnia com maestria. Não deixe de assistir!)

Povos Indígenas do Brasil – 2011/2016 ainda traz números atualizados sobre a situação de todas as terras indígenas pelo Brasil (com dados populacionais de cada um dos povos), complementados por mapas, análises de especialistas sobre demografia, línguas indígenas, políticas de educação e saúde, impactos do Programa Bolsa Família, a controvertida Funai (Fundação Nacional do Índio), entre outros temas.

As palavras das mulheres indígenas 

A seção Palavras Indígenas, que abre o livro há 17 anos, sempre destacou pensamentos de lideranças indígenas de diferentes povos. No entanto, ao longo desse período, apenas quatro mulheres tiveram voz: Dona Maria Trindade Lopes, do povo Sateré Mawé, Wautomoaba Xavante, Raimunda Tapajós do povo Arapiuns e Kunhã Tatá (Doralice Fernandes) do povo Guarani Mbya.

Nesta edição, os organizadores resolveram reparar essa injustiça e convidaram dez antropólogas para apresentar o que vai pela cabeça de doze mulheres indígenas: Wisió Kawaiwete (TIX), Estela Vera (rezadora ava-guarani), Catarina Tukano, Aracy Xavante, Ajãreaty Wajãpi, Fátima Paumari, falecida em outubro de 2016, Koré e Magaró Ikpeng, Fátima Iauanique e Denise Ianairu, do povo Bakairi, Josiane Tutchiauna e sua mãe Orcinda Ïpïna (Ticuna).

“Esse movimento foi iniciado em abril de 2016, quando conectamos propositalmente oito índias, por meio de um aplicativo de mensagens instantâneas e, a partir de audiocartas e diálogos travados por elas, preparamos o site Conexões Mulheres Indígenas“, explicam a cientista social Marília Senlle e a antropóloga Tatiane Klein, ambas do ISA, no livro. “Entre lideranças e xamãs, professoras e universitárias, idosas e jovens, este novo conjunto de depoimentos reúne mulheres dos povos Guarani, Waiãpi, Xavante, Ticuna, Bakairi, Tukano, Paumai, Ikpeng e Kawaiwete”. E  completam: “Trata-se de solucionar um problema de representatividade e, também, de tornar conhecidas as trajetórias, memórias e perspectivas de algumas mulheres indígenas e, por meio delas, entrever as formas como povos e comunidades diferentes produzem conhecimentos, corpos, arte, alimento, política, diversidade”.

Uma boa maneira de começar a leitura do Povos Indígenas do Brasil, um retrato lindo e amargo dos verdadeiros donos desta terra.

Foto: André D’Elia / Divulgação ISA

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