Por uma infância cheia de momentos inesquecíveis

por uma infância cheia de momentos inesquecíveis

Tive uma infância privilegiada. Éramos 12 primos, com idades próximas, vivendo ou passando férias sempre na mesma cidade. O nosso universo mágico e coletivo girava em torno da casa de nossos avós. Era no imenso quintal, na garagem, no sótão ou dentro dos armários, que passávamos horas e horas do dia. Imaginação era nosso combustível naquela época.

Além dos tradicionais pique-esconde, polícia e ladrão, caça de vagalumes, fazíamos montagem de peças teatrais, apresentações de circo e trem-fantasmas. Para tal, usávamos o que encontrávamos a nosso dispor: cortinas velhas, pedaços de madeira, baús antigos. Na lembrança de cada um de nós, personagens daqueles dias, tudo era grandioso e fenomemal.

Nestes tempos muito distantes, em que vivíamos em um mundo ainda não digital, brinquedos não eram muitos. E os que havia, eram repassados de irmão para irmão, primo para primo. Lembro de carrinhos, soldadinhos – que eu brincava juntamente com meus irmãos e primos (não havia “brincadeira de menino ou menina, era tudo uma coisa só!) -, e minhas duas bonecas. Uma delas, a Suzy, antecessora da Barbie, tinha sido da minha irmã, e a outra, maior, chamava-se Beijoca, pois apertando os braços, ela movia os lábios como se estivesse dando um beijo.

Esta última foi minha companheira inseparável. Foram anos e anos a meu lado. O corpo já estava sujinho e escovas não entravam mais no cabelo, que na verdade, não era feito para ser penteado. E foi aí que aconteceu um momento inesquecível, que eu guardo como uma das recordações únicas da minha infância. Minha mãe sabia da minha adoração pela boneca e decidiu me fazer uma surpresa. Deu banho nela, passou creme em seu cabelo e tricotou um casaco novo para ela. Até hoje, fecho meus olhos e consigo sentir a minha felicidade com a cena: minha boneca em cima da cama, toda arrumada, como nova, graças ao carinho de minha mãe.

Foi ela que também me deu outro presente que jamais irei esquecer. Não foi comprado em loja, mas feito por ela, com toda habilidade e paciência que só ela tinha. Minha mãe fez um fogãozinho todo com material reciclável! Colou diversas caixas de papelão, cobriu-as com papel azul, fez as bocas com papel alumínio e colou botões de um fogão velho antigo. Consigo lembrar ainda o orgulho que tinha em mostrar para minhas amigas o presente que minha mãe havia feito para mim!

Estes dois momentos e muitos outros, mais do que qualquer brinquedo ou objeto material, marcaram minha infância de forma muito especial.

Quando tive meus filhos, minha mãe continuou a tradição dela dos 3R’s: reduzir, reusar e reciclar. Na cozinha, adorava guardar todo tipo de embalagens – margarina, sorvete, iogurte. Depois de lavadas, às vezes, ela colocava grãos de feijão ou arroz dentro. As caixinhas então iam para a caixa de “brinquedos” dos netos. E eles se esbaldavam com aquilo tudo. Batucavam, abriam e fechavam tampas, usavam de chapéu na cabeça.

A bacia velha, que ela carinhosamente colocou um adesivo bonitinho no lado, servia de nave espacial. É ela que aparece na foto que abre este post, com meu filho ainda bebê dentro, e com um sorriso que mostra toda a felicidade e encanto dele com a brincadeira.

Brinquedos não são garantia de uma infância feliz. Para arrancar um sorriso do rosto de uma criança, é preciso muito pouco. Quase nada. Basta haver carinho, atenção e dedicação. Tem que se estar presente. De corpo e alma, ao lado daquele serzinho. Nenhum brinquedo jamais substituirá a alegria de uma criança de estar ao lado de quem ela ama.

Na minha memória, não há presentes em grandes caixas, com laços de fitas, mas aqueles dois que minha mãe fez com tanto carinho para mim: dedicou horas de seu dia para prepará-los em segredo e tornar minha infância inesquecível.

Eu, com 11 anos, e Beijoca, que ganhei quando tinha uns 4

Fotos: arquivo pessoal 

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.