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Por que o Padre Cícero ganhou minha admiração?


A principal tradição do Dia de Finados (2/11) no Brasil é a de visitar as pessoas mortas que são queridas: tem quem leve flores para seus pais, quem passe o dia no cemitério visitando os túmulos dos parentes e amigos próximos dos quais sentem falta… No caso de Juazeiro do Norte, no Ceará, centenas de milhares de afilhados do Padim Ciçocomo é carinhosamente chamado pelos devotos o ex Padre Cícero Romão Batista – vêm prestar sua homenagem.

O mais curioso é que a maioria nunca chegou a conhecê-lo pessoalmente, não foi de fato batizada por ele, nem teve a oportunidade de receber diretamente seus conselhos, mas escolheu o Padim Ciço como padrinho. Esses fieis conversam com ele em pensamento, recebem e seguem seus conselhos, contam com ele para interceder junto aos santos e a Jesus para que sejam atendidos em suas necessidades.

Mais do que isso, elas se dispõem a sair de suas casas, deslocam-se muitos e muitos quilômetros para prestar sua homenagem e demonstrar sua gratidão.

 

Aliás, tem uma coisa curiosa que chamou muito minha atenção: existe uma espécie de “competição” entre essas pessoas pra ver quem foi mais vezes à romaria, quem veio de mais longe, usando o meio de transporte mais desconfortável… E, quanto mais antiga for sua dedicação, quanto mais distante for a cidade de onde veio o devoto e mais rudimentar seu meio de transporte, maior é a admiração provocada nos outros fieis e maior seu orgulho por ter se sacrificado tanto para homenagear o padrinho Cícero.

Depois da viagem até Juazeiro do Norte, a caminhada do Horto (nome do lugar onde está a estátua) até o Santo Sepulcro é outro grande sacrifício que os fieis podem fazer. São cerca de 6 km. Não parece muito, mas a trilha de chão batido, com muito pó, a ausência total de árvores e o calor escaldante tornam a travessia bastante cansativa.

Não existe nada grandioso no Santo Sepulcro. É uma área grande com algumas capelinhas e uma pedra enorme com uma fenda no meio, por onde os fieis se esforçam para passar.

Fiquei muito impressionada com o poder de mobilização e com a fé do povo no poder de transformação do Padre Cícero: uma criança de origem humilde, que fez voto de castidade aos 12 anos e que chegou, aos 27, já como padre, à vila de Juazeiro do Norte, que, na época, tinha meia dúzia de casas.

Um padre jovem que, horrorizado com os efeitos da grande seca de 1877, começou a liderar um movimento ecológico no local, dando dicas para os moradores da região sobre como deveriam se comportar para evitar que novas estiagens prolongadas gerassem efeitos tão devastadores.

Em 1891, foi excomungado pela Igreja que o considerava um perigoso Messias e tinha receio de transformar a região em um centro de fanatismo religioso. O ex-padre continuou atendendo aos romeiros na sua casa e passou a ser chamado de padrinho (Padim) por aqueles que o consideravam um protetor.

A prosperidade que trouxe à região influenciou o movimento de emancipação do município, aprovada em 1911, tendo Cicero Romão Batista como seu primeiro prefeito. Seu movimento, antes religioso, passa a ser mais político.

Por tudo isso, Padre Cícero se tornou um ícone que, até hoje, movimenta toda aquela região, gera milhares de empregos naquela que é uma das regiões mais prósperas do estado e que enche o coração das pessoas de esperança.

Ele morreu em 1934, aos 90 anos, sem conseguir a reconciliação com a igreja (da qual foi expulso em 1891), mas, graças a ele, Juazeiro do Norte transformou-se na segunda maior cidade do Ceará.

Adorei passar o Dia de Finados ali, conhecer essa linda festa de fé e diversão para o povo nordestino. E ainda voltei para São Paulo não devota, mas muito encantada com o Padre Cícero
Fotos: Andrea Goldschmidt

 

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