“Política não é muito da mulher”… O senhor acha mesmo, deputado Luciano Bivar?!


“Política não é muito da mulher”... O senhor acha mesmo, deputado Luciano Bivar?!

Mais do que qualquer outra pessoa, aquelas que exercem cargos públicos precisam pensar uma, duas, muitas vezes antes de falar qualquer coisa. Mas ultimamente, não é isso o que acontece.

Um bom (e lamentável) exemplo é o do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que esta semana enfureceu o Brasil ao afirmar “Que diferença faz quem é Chico Mendes?” , em um programa de TV.

Entretanto, antes dele, outro político também usou um meio de comunicação para dar uma infeliz declaração. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o deputado federal Luciano Bivar (Pernambuco), presidente nacional do PSL, mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro, disse que “Política não é muito da mulher. Eu não sou psicólogo, não. Mas eu sei isso”.

Sua opinião foi usada para defender sua posição contra a lei que estabelece cota mínima nos partidos de candidatas mulheres nas eleições.

Bivar, infelizmente, não se conteve e foi além. “Você tem que ir pela vocação, tá certo? Se os homens preferem mais política do que a mulher, tá certo, paciência, é a vocação. Se você fizer uma eleição para bailarinos e colocar uma cota de 50% para homens, você ia perder belíssimas bailarinas, porque a vocação da mulher para bailarina é muito maior do que a de homem. Tem que ser aberto”, continuou.

E o festival de asneiras não parou por aí. “Eu não sei na sua casa (da repórter que realizou a entrevista), se sua mãe gosta tanto de política quanto seu pai. Você tem que gostar porque é jornalista política. Mas se alguém fosse candidato na sua casa, estou aqui fazendo uma ilação, certamente seu pai seria candidato e sua mãe não seria. Ela tem outras preferências. Ela prefere ver o Jornal Nacional e criticar, do que entrar na vida partidária”.

Difícil, né? Mas lógico, como Bivar não tem nada de psicólogo e muito de político, decidiu fazer um afago final. “Agora, quando as mulheres entram, elas têm sucesso enorme. E muito bem. Tem a Bia Kicis, que é extraordinária. Tem a Joyce (Hasselmann), que é formidável. Tem a Carla Zambelli, que é formidável, a Aline… Tem mulheres que dão de 10 a zero nos homens, até em mim. Mas não é a regra geral, tá certo? Você não pode fazer uma lei que submete o homem… Você não pode violentar o homem”.

Deputado, a única violência cometida aqui é contra a nossa inteligência. O senhor acha mesmo que as mulheres não se candidatam a cargos públicos porque não têm vocação?

Talvez tenham lhe faltado algumas lições de história na escola. A primeira eleição realizada em terras brasileiras se deu em 1532, na Vila de São Vicente (SP), para escolher o conselho administrativo local. Só podiam votar “homens bons”, ou seja, brancos e de posses.

Todavia, aquela que foi considerada mesmo a “primeira grande eleição” do Brasil ocorreu séculos mais tarde, em 1821, ainda contando somente com eleitores (homens) da corte.

Foi necessário que se passasse mais um século em nossa história, mais especificamente 111 anos, para que em 1932, um decreto do então presidente Getúlio Vargas garantisse o direito do voto às mulheres. Mas não a todas: só aquelas casadas – com autorização dos maridos -, e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria.

Dois anos mais tarde, as restrições foram eliminadas do Código Eleitoral Brasileiro.

E apesar de 80 anos terem transcorrido, meninas e mulheres foram criadas e educadas no Brasil, por famílias com mentalidade bastante parecida com a do deputado Luciano Bivar: que elas seriam ótimas mães, professoras e bailarinas, mas pretensão a cargos políticos?! Lógico, que não!

Infelizmente, esse não é um fenômeno brasileiro. É global. Nos Estados Unidos, estima-se que 84% das posições nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática são ocupadas por profissionais do sexo masculino.

No mundo todo, 86% dos engenheiros são homens. Isso significa que eles são melhores neste setor e que as mulheres não gostam desta área? Não ! Significa que desde muito cedo, meninas são desencorajadas a investir em carreiras como esta. Exatamente como acontece no meio político.

As mulheres continuam sendo uma minoria nesse setor. Elas não se candidatam. E quando o fazem, não conquistam sequer o eleitorado feminino.

Um congresso americano mais feminino

Entretanto, justamente nos Estados Unidos, citado acima, e que tem na Casa Branca um presidente machista e por diversas vezes acusado de assédio sexual, a cena política está mudando. Nunca antes na história americana, tantas mulheres se candidataram e foram eleitas.

Na House of Representatives, a nossa Câmara dos Deputados, elas ocuparam 106 dos 441 assentos, ou seja, são 24%. Ali, inclusive, há “uma” presidente da casa, a democrata Nancy Pelosi, que não leva desaforo pra casa e enfrenta o abominável Donald Trump de igual para igual.

Nancy Pelosi, presidente da Câmara, em aplauso debochado
ao discurso de Donald Trump

No Senado, as americanas também já representam 25% dos cargos. Um dos fatos mais importantes do aumento de mulheres no congresso americano é sua diversidade. São negras, muçulmanas, indígenas e hispânicas (leia mais aqui ).

Entre essas parlamentares está a parlamentar mais jovem já eleita naquele país: a democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, com apenas 29 anos. Há cerca de um ano, a latina do Bronx era garçonete de um restaurante mexicano da capital americana; hoje, é uma das figuras emergentes e mais relevantes de seu partido. Apesar de seu pequeno currículo político e de ter pouco apoio financeiro, venceu o republicano Anthony Papas sem grande esforço. E na semana passada, apresentou um projeto audacioso para enfrentar as mudanças climáticas, o Green New Deal.

É preciso ressaltar que a democracia americana é bem mais madura do que a nossa. Lá as mulheres conseguiram o direito nacional ao voto em 1920 (alguns estados já o permitiam antes), mas desde 1840, elas lutavam por ele. Em 1816, o Congresso teve sua primeira parlamentar, Jeannette Rankin, de Montana.

No Brasil, também há jovens mulheres, em seus primeiros mandatos, que não se intimidam com o machismo de políticos como Bivar e vão à luta. Uma delas é a cientista política Tabata Amaral, de 25 anos, eleita deputada federal por São Paulo. No Rio, há a deputada federal Talíria Petrone, professora e ativista pelos direitos dos negros, mulheres e comunidade LGBT.

Vale lembrar aqui a atuação da vereadora carioca Marielle Franco, que teve uma promissora carreira, tragicamente encerrada depois de um assassinato brutal, que até hoje, ainda não foi esclarecido e nem teve os culpados presos.

Sim, deputado Luciano Bivar, as mulheres têm vocação para a política ! O que elas menos precisam é de homens, como o senhor, dizendo o contrário. O que se faz necessário é uma mudança de mentalidade em nossa sociedade e que pessoas públicas como o senhor se abstenham de falar bobagens.

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Foto: reprodução Facebook @lucianopivaroficial e reprodução Twitter

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.