Parquinhos naturais, menos é mais!


A discussão sobre a necessidade de estabelecer espaço e tempo para as crianças brincarem ao ar livre, em ambientes naturais, chegou a diversas esferas. Em 2017, o Alana realizará o II Seminário Criança e Natureza que reunirá especialistas e profissionais de áreas diversas como saúde, educação, urbanismo, meio ambiente e artes. Veremos experiências que apontam caminhos sobre como as escolas, as cidades e os espaços públicos podem favorecer o encontro das crianças com a natureza, por meio da reorganização dos tempos, da transposição dos muros e da lapidação do olhar adulto – processo que, inspirados em Lea Tiriba, chamamos de desemparedamento. Uma dessas esferas são os parquinhos.

Muito antes de 2005, quando o livro A Última Criança na Natureza foi publicado, colocando esse tema em pauta nos EUA e em seguida no mundo, alguns profissionais trabalhavam em uma nova forma de projetar e instalar equipamentos em parquinhos, ou playgrounds, olhando principalmente para o que eles próprios gostavam de brincar na infância: troncos, pedras, lama, areia, água, árvores grandes.

Nasciam, então, empresas especializadas em projetar o que hoje chamamos de parquinhos naturais. Embora esses espaços sejam um tanto quanto intuitivos para os educadores que já incorporam o brincar livre e desestruturado em suas práticas diárias, atualmente há um conjunto de pesquisas consistentes e variadas que apontam os benefícios físicos, cognitivos e sociais que esses espaços proporcionam às crianças.

Recentemente, participei da III Conferência Internacional da Children & Nature Network, realizada em Vancouver, no Canadá. Após escolherem realizar o encontro ao lado do Stanley Park, um dos maiores parques urbanos da América do Norte, os organizadores fizeram um grande esforço para oferecer diversas oficinas e minicursos ao ar livre, mostrando que precisamos desemparedar os adultos também!

Uma das maiores atrações nesse sentido foi um pop-up park, ou parque de bolso, instalado em 500 m2 num descampado ao lado do hotel da conferência. Com recursos simples como alguns fardos de feno, galões de água, muita terra solta, pedras, galhos, troncos e ferramentas de verdade, como pás e descascadores de legumes, as crianças puderam engajar-se em um brincar criativo e empolgante, difícil de observar nos equipamentos restritivos e repetidos tão comuns nos parquinhos tradicionais. Vendo as crianças imersas em brincadeiras, lembrei de um parque em São Paulo no qual é proibido brincar com água e de outro no qual é proibido subir nas árvores. Que perda!

Imagine como seria se pudéssemos ter parques naturais como esse, em estacionamentos ou descampados, áreas para as quais ninguém dá valor. Brincar não precisa custar caro, não precisa envolver o brinquedo de última geração ou equipamentos sofisticados. Na verdade, as crianças se relacionam com o mundo por meio da interação direta do seu corpo. Seus sentidos.

Experimentar o mundo e a si mesmas em movimento é sua principal linguagem, seu jeito de viver o começo da vida. E isso requer ingredientes tão simples quanto raros hoje em dia: espaço, liberdade, elementos naturais.

Esse tipo de parquinho permite um repertório de interações incrível entre a criança, seus pares e o conjunto de objetos naturais dispostos ali. É possível criar seus próprios desafios e vivê-los corporalmente, experimentando limites motores, reconhecendo habilidades e força física e também desenvolvendo e aprimorando autorregulação, confiança e destreza manual.

Voltei com vontade de implantar parquinhos naturais nas praças e parques que frequento com meus filhos, de organizar festas de aniversário onde um punhado de galhos, terra, água e cordas fiquem à disposição das crianças e observar o que acontece, de propor aos shoppings que, nas férias, troquem os espaços de brincar (chamados muitas vezes de Play Spaces), repletos de excesso de estímulos, por áreas a céu aberto, nos estacionamentos, onde parquinhos naturais temporários fossem instalados.

Termino esse texto com uma história do renomado designer de playgrounds, Rusty Keeler, autor do livro Natural Playscapes, contada por Adam Bienenstock, a inspiração por trás do parquinho de bolso que eu conheci em Vancouver.

O momento em que Keeler mudou seu trabalho de desenhar equipamentos para parquinhos para trabalhar com a natureza aconteceu quando pediram a ele que desenhasse o brinquedo ideal para um parquinho. Após passar um bom tempo pensando, ele desenhou… uma árvore! De fato, eu não consigo pensar em algo tão legal.

Fotos: Children & Nature Network

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Maria Isabel Amando de Barros

Engenheira Florestal e mestre em Conservação de Ecossistemas pela ESALQ/USP, sempre trabalhou com educação e conservação da natureza. É cofundadora da OutwardBound Brasil e atuou na gestão e manejo de unidades de conservação na Fundação Florestal do Estado de São Paulo. Depois do nascimento da Raquel e do Beni passou a estudar a relação entre a infância e a natureza no mundo contemporâneo. Desde 2015, trabalha como pesquisadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.