Ouro de tolo ou a ilusão do desenvolvimento

ouro de tolo ou a ilusão do desenvolvimento

Escrevo este artigo dos confins da Amazônia paraense, uma região devastada pelo garimpo e pelo desmatamento ilegal, localizada pouco acima do famoso arco do desmatamento (pra quem não sabe, segundo definição do IPAM, esta é a “região onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta e também onde encontram-se os maiores índices de desmatamento da Amazônia. São 500 mil km² de terras que vão do leste e sul do Pará em direção oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre).

Logo abaixo das frondosas árvores e do enorme tapete verde existe uma dura realidade: uma desesperada corrida por qualquer coisa que traga ascensão na vida. Essas terras eram, outrora, povoadas por diversas tribos indígenas que foram, em grande parte, destituídas de sua cultura e de seus meios de vida com a chegada do homem branco. Para estas pessoas e seus descendentes, a única opção era abandonar o local (acelerando o êxodo rural e a favelização nos grandes centros urbanos) ou se envolver em atividades no campo, adaptando-se às mudanças.

Entretanto, na maioria dos casos, as únicas atividades possíveis para essa gente eram exatamente as práticas ilícitas que tanto degradam a nossa Amazônia: o garimpo e o desmatamento ilegal. Ambas atividades insalubres, de alto risco e extremamente incertas. Garimpeiros trabalham sob condições precárias, semi nus ou com trajes inadequados em meio a dragas e escavadeiras, expostos a toda sorte de intempéries e doenças tropicais em busca daqueles pequenos pontinhos brilhantes misturados na areia dos igarapés. Eles fazem de tudo, e frequentemente pagam com a vida, para tirar a sorte grande na floresta. Prostituição, assassinatos e abusos de todas as ordens são comuns no dia a dia. Chegar perto de um garimpo nesta região é como observar a velha corrida do ouro no faroeste americano ou mesmo nas Minas Gerais durante o século XVIII, porém com auxílio de máquinas modernas.

As madeireiras, por sua vez, agem de forma oportunista, abrindo pequenas estradas pela floresta para retirar as maiores árvores. É um processo rápido: derrubam, serram, carregam as carretas e vão embora de forma furtiva. Quase sempre saem impunes, levando embora as árvores mais antigas da floresta, abrindo enormes clareiras e deixando um rastro de devastação. Feito isso, partem para novas áreas. Por fim, chegam as fazendas de gado, que terminam por colocar abaixo o que restava da floresta. Mas esta sequência de ocupação (massacre indígena > garimpo > madeireiras > agropecuária) mostra mais do que uma simples sucessão de eventos que culminam na perda da floresta. Ela reflete, também, um processo cíclico de exploração dos recursos naturais. Ela mostra o quão rápido nós nos esquecemos das aulas de História.

De fato, a busca por metais preciosos e recursos naturais se mistura com a própria História do Brasil. Já nos idos de 1500 começava a derrubada da Mata Atlântica, e, no século XVII, os primeiros garimpos entravam em atividade onde quer que houvesse ouro, diamante ou outro mineral de interesse. Nossa terra e nossas montanhas foram volvidas e revolvidas inúmeras vezes para saciar a ganância e alimentar o mercado internacional. Mas para onde foi toda esta riqueza? Quem ganhou com isso? Como todos sabem bem, não foi o Brasil. Continuamos com serras esburacadas, rios contaminados e uma população pobre e com profundas sequelas sociais resultantes da escravidão e de séculos de exploração.  Nosso ouro foi parar nas mãos da corte portuguesa que, endividada, o repassou para a Inglaterra. Moral da história? Riqueza europeia e prejuízo social e ambiental brasileiros.

A este ponto o leitor deve estar imaginando onde quero chegar. Em 2018, mais de 500 anos após o começo desta novela, nós continuamos cometendo exatamente os mesmos erros que nos condenaram ao fracasso social, econômico e ambiental. Destruímos nossa natureza, vendemos a preço de banana e compramos tecnologia por um valor exorbitante dos mesmos países que nos exploram. Como já comentei antes, em outros artigos aqui, no Conexão Planeta (como Vidas Rupestres e A crise do abastecimento sob a ótica ambiental), nunca deixamos de ser colônia. Continuamos subordinados ao interesse das grandes potências e mandando nossa maior riqueza por água abaixo – literalmente!

Seja através dos milhares de pequenos garimpos de ouro na Amazônia ou das enormes companhias que extraem minério de ferro em Minas Gerais, a história é a mesma. E ela se repete, e se repete. Uma multidão de pessoas cegas, em busca de alguma riqueza, que sacrificam suas vidas para alimentar interesses alheios. Esse é o ouro de tolo. Não me refiro aqui à pirita, o ouro falso, mas, sim, à ilusão do desenvolvimento. É a esperança de um progresso rápido, a qualquer custo, que termina no próprio fracasso.

Inúmeras vezes já pudemos observar civilizações inteiras que ruíram por causa do mau uso dos recursos naturais. Impérios de riqueza que aparecem e desaparecem da noite para o dia. O colapso dos polinésios na Ilha de Páscoa, das civilizações pré-colombianas, das “cidades de pedra” no interior da Bahia e tantas outras que seguiram o mesmo caminho. A razão por trás é simples: como qualquer outro organismo, nós somos completamente dependentes da natureza para viver. Ao degradar os ambientes que nos fornecem condições e recursos básicos para nossa sobrevivência – como água, alimento, oxigênio e abrigo -, nós quebramos uma série de interações e processos ecológicos sem os quais os ecossistemas têm sua funcionalidade prejudicada (veja mais sobre isso no meu artigo Por que se preocupar com a biodiversidade?).

Não quero apresentar, aqui, uma visão ingênua sobre o mercado e sobre o complexo contexto social, econômico e ambiental que move o país. Seria uma tremenda hipocrisia. Todos nós fazemos uso de metais, de madeira, das mais diversas matérias primas e também da tecnologia que advém desses recursos. Entretanto, grande parte dos biomas brasileiros passa por um processo de fragmentação intensa, e vários deles já estão à beira de um ponto irreversível de colapso.

Da Mata Atlântica, restam apenas 7% da cobertura florestal original e, mesmo assim, esmigalhada em milhares de pequenos fragmentos. Do Cerrado, mais de 50% já foram perdidos em pouco mais de 50 anos de exploração, e propostas insanas pretendem transformar as últimas áreas ainda íntegras em grandes monoculturas. Com a Amazônia, o caminho não é diferente. Apesar da sua enorme abrangência territorial, a abertura de novas estradas têm facilitado o acesso e cada vez mais a floresta vai sendo levada embora nas enormes carretas.

Sentado à beira de uma dessas estradinhas em regiões de extração ilegal, você pode observar, sem dificuldade, dez ou quinze carretas carregadas passando a cada hora. Extrapole isso para as infindáveis estradinhas vicinais em toda a Amazônia e terá uma noção da perda diária de floresta. Isso quer dizer que não podemos nos dar ao luxo de explorar estes ambientes de forma indiscriminada como fazíamos há 300 anos.

Toda e qualquer forma de ocupação e extração deve ser cuidadosamente planejada de forma a evitar a fragmentação dos remanescentes e o impacto sobre regiões únicas, em termos de biodiversidade, ou já fragilizadas. Isso passa tanto pela intervenção do poder público quanto pela responsabilidade sócio ambiental do setor privado.

Tive certa dificuldade para concluir este artigo em função da complexidade do assunto e das várias facetas da questão. Entretanto, creio que vale a pena pensarmos com cuidado a que preço “nosso ouro” está sendo levado embora: quanto vale nossa biodiversidade? Nossa água? Quanto vale a segurança de um alimento saudável? Um ar puro? Afinal, quanto vale “nosso ouro”? E o que ganhamos com isso?

Foto: Augusto Gomes

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Augusto Gomes

Biólogo, consultor, documentarista de natureza e contador de histórias ambientais. Há 10 anos dedica-se à pesquisa e conservação dos Campos Rupestres, onde desenvolveu sua graduação e mestrado. Além dos trabalhos técnico-científicos, Augusto vem atuando extensivamente na documentação da natureza Sul-Americana desde 2009. Seus projetos em andamento giram em torno do patrimônio ambiental, histórico e cultural associado aos Campos Rupestres da Cordilheira do Espinhaço e às mudanças climáticas em montanhas tropicais. É colaborador da National Geographic, World Nomads, Biographic Magazine, Conexão Planeta e diversas organizações e plataformas voltadas para ciência, aventura e conservação, para as quais escreve e fotografa. Conheça mais sobre seu trabalho pelo Instagram e em seu site.