Otobong Nkanga: canibais de nós mesmos

obra de Otobong Nkanga: canibais de nós mesmos

A sombra materializada e agigantada devora o que tem pela frente. Não é sua última refeição, mas isso não importa. É preciso consumir o máximo. A fome insaciável extraiu dessa praça de alimentação que virou o planeta três vezes mais recursos naturais globais nesses últimos 40 anos. O dado é do relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016).

Essa inconsequente faminta, representada pela artista e performer nigeriana que vive na Bélgica, Otobong Nkanga, segue firme na intenção de ser canibal de si mesma. Por que ela e a gente é assim? (Cazuza também perguntou e morreu sem saber). Antes que a terra nos coma é bom lembrar que, se o mundo não acabar, vem mais uma geração por aí e mais outra…

Não dá só para colocar no discurso que é a economia internacional a responsável por engolir mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. A economia somos nós, esses seres que oferecem mercado, que não resistem a nada.

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Comemos até pedra. Sucumbimos a qualquer coisa ou cheirosa, ou bem embalada, ou bem vendida. Somos consumidores fracos. Abusamos do planeta, achando que ainda há muito. Não, não há! A Terra não suporta mais nada. Capacidade limite esgotada. E não é catastrofismo metafórico. É notícia na mídia especializada. É realidade. Não há saída.

É preciso diminuir o consumo. Trocar mais, comprar menos e nos locais mais próximos. O tempo está correndo. Não dá para destruir dunas com gana imobiliária, nem ficar transportando areia de um lugar para o outro.

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As conexões que nos suportam precisam ser outras. Não há como continuar extraindo, extraindo, tratando o planeta como um grande ralo com capacidade para transformar resíduos e escoar chorume indefinidamente.

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É preciso que outras ideias nasçam. O índice de crescimento da população precisa ser menor. Gestar verde. Vestir natureza…  Precisa mesmo acumular tanta roupa, dinheiro, objetos? Para parar onde?

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Qual é o lugar do mapa que não está ameaçado pelas ligações em que compra e venda sustentam um território perigoso, numa areia movediça sem volta? Otbong nos diz que mil braços mecanizados, outros tantos artifícios para nos conectar e manter em pé não são suficientes para esconder a instabilidade gigante e indigesta em que vivemos. Não há titeriteiro divino que suporte essas suas marionetes.

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Fotos das obras: In Situ Fabienne Leclerc Gallery, Paris, France e site da artista

 

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.