Os parquinhos como lugares de riscos benéficos

Em artigo publicado aqui, no site Conexão Planeta, sobre o documentário Waapa (o trailler está no final deste post) a educadora e pesquisadora Paula Mendonça relata o que o povo indígena Yudja entende como desenvolvimento das crianças. A infância vivida na aldeia Yudja é pautada na relação intrínseca e simbiótica entre a natureza e o crescimento das crianças. Os sinais da natureza, bem como seus ciclos e elementos têm uma relação direta com o crescimento e a formação do corpo das crianças e são usados para ensinar, fundamentalmente por meio da experiência, habilidades importantes para a vida na floresta.

O que me chama a atenção é que os adultos têm uma intenção clara na formação da criança, em saber o que elas precisam para que possam ter autonomia e viver bem

Incentivar e desenvolver a autonomia e proporcionar o bem-estar das crianças também faz parte das prioridades dos pais, cuidadores e responsáveis das crianças urbanas. Mas, o contexto das infâncias contemporâneas nas cidades impõe desafios e nos convida a avaliar se nossa intenção em desenvolver autonomia e bem viver nas crianças está na direção correta. 

A criança busca por autonomia desde que nasce, e é no brincar livre na natureza que ela encontra o cenário ideal para exercer essa pulsão de vida. Assumir riscos é inerente ao brincar ao ar livre, e uma condição para o desenvolvimento sadio das crianças. A busca por ir além do que já conquistou quando brincam em terrenos desnivelados, em alta velocidade, interagindo com elementos como água e fogo, fortalece suas habilidades físicas e emocionais e é a fonte primária de sua autonomia. Até onde consigo ir? Que riscos me sinto confortável em buscar? Como me relaciono com o fato de que não consigo (ainda) fazer determinado movimento? 

A psicóloga e professora da Faculdade de Medicina da British Columbia, no Canadá, Mariana Brussone, pesquisa a prevenção de acidentes na infância e o risco no brincar ao ar livre há 20 anos. Ela afirma que se quisermos manter as crianças seguras, precisamos deixá-las escolher os riscos que desejam experienciar. Proteger as crianças das consequências de acidentes graves na infância é dever de todos nós, mas o excesso de restrições e de supervisão dos adultos enfraquece suas habilidades físicas e emocionais e impacta de forma drástica a qualidade de sua experiência.

Ao contrário dos meninos e meninas Yudja que crescem brincando na floresta e no rio, as crianças que vivem nas cidades dependem de espaços designados para o brincar como, por exemplo, os parquinhos das escolas, das praças e parques. Como o design dos equipamentos lúdicos destes espaços pode contribuir na promoção de autonomia e bem viver das crianças?  

A grande maioria dos espaços designados para o brincar é composto por estruturas padronizadas, de metal ou plástico, pensadas sob a perspectiva do adulto com o objetivo de minimizar riscos e responsabilidades, que oferecem pouca diversão. Para as crianças, são espaços que logo se tornam monótonos e desinteressantes.

Por outro lado, os parquinhos naturalizados, feitos de elementos naturais, como podas de árvores, tocos, troncos, pedregulhos, em uma topografia assimétrica, podem, sem descuidar da segurança, oferecer mais oportunidades de exploração, descoberta, aprendizado e diversão, ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento de habilidades motoras, sociais e criativas. 

Em relação ao que pode ser feito pelos órgãos que zelam pelos espaços de brincar, há bons exemplos como o da empresa Care Inspectorate, responsável pela definição dos padrões do sistema de cuidado das crianças para o governo escocês. Ela ousou em enfrentar a cultura de regulamentações que preza pela minimização de riscos, e usar como parâmetro a qualidade de sua experiência quando brinca. Segundo Henry Mathias, Diretor Estratégico da Inspetoria de Assistência da empresa, seu trabalho passa por acreditar mais nas habilidades das crianças e na crença de que é melhor um osso quebrado do que um espírito ferido

Fica aqui o convite à reflexão sobre os nossos modos de cuidar. Que a qualidade da experiência das crianças seja colocada no centro para proporcionar uma infância sadia, alegre e formadora de habilidades importantes para lidar com a vida.

Foto: Gustavo Faria

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Laís Fleury

Mãe da Alícia e da Lia, é co-fundadora da Associação Vaga Lume, e reconhecida como empreendedora social pela Ashoka desde 2003. É coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, e pós-graduada no tema “A vez e a voz das crianças: escuta antropológica e poética das infâncias"