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Organizações da sociedade civil se mobilizam contra Lei da Grilagem

organizações da sociedade civil se mobilizam contra a grilagem

Um conjunto de 60 organizações e redes da sociedade civil pediu na sexta-feira (28/07) ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que proponha uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a chamada Lei da Grilagem, sancionada no último dia 11/07 por Michel Temer.

Segundo carta entregue à Procurador Geral da República pelas organizações, a Lei no 13.465 (resultado da conversão da Medida Provisória 759) “promove a privatização em massa e uma verdadeira liquidação dos bens comuns, impactando terras públicas, florestas, águas, e ilhas federais na Amazônia e Zona Costeira Brasileira”.

O texto, assinado pelo presidente diante de uma plateia de parlamentares da bancada ruralista, concede anistia à grilagem de terras ao permitir a regularização de ocupações feitas até 2011. Não satisfeito, ainda premia os grileiros, ao fixar valores para a regularização que podem ser inferiores a 10% do valor de mercado das terras. Segundo cálculos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), apenas na Amazônia esse subsídio ao crime fundiário pode chegar a R$ 19 bilhões.

Mas o prejuízo ao país não se limita a isso. Também ganham possibilidade de regularização grandes propriedades, de até 2.500 hectares, que hoje só podem ser regularizadas por licitação. “Esta combinação de preços baixos, extensão da área passível de regularização, mudança de marco temporal e anistia para grandes invasores vem historicamente estimulando a grilagem e fomentando novas invasões, com a expectativa de que no futuro uma nova alteração legal será feita para regularizar ocupações mais recentes”, afirmam as organizações na carta a Janot. Com um agravante: pela nova lei, o cumprimento da legislação ambiental não é condicionante para a titulação, e há novas regras dificultando a retomada do imóvel pelo poder público em caso de descumprimento.

A lei também faz estragos na zona urbana: além de dispensar de licenciamento ambiental os processos de regulação fundiária em cidades – o que pode consolidar ocupações de zonas de manancial em cidades que já foram atingidas por crises hídricas, como Brasília e São Paulo, também permite que governos locais legalizem com uma canetada invasões de grandes especuladores urbanos feitas até 2016.

Leia a íntegra da carta abaixo:

“Brasília, 28 de julho de 2017

Exmo. Sr. Rodrigo Janot,
Procurador-Geral da República

As organizações abaixo-assinadas vêm manifestar preocupação e solicitar medidas legais
cabíveis por parte da Procuradoria-Geral da República em relação à sanção do Projeto de Lei
de Conversão (PLV) nº 12/2017 (MP 759/2016), que alterou diversas regras sobre a
regularização fundiária rural e urbana no país, convertida na Lei nº 13.465/2017.

A Lei nº 13.465/2017 promove a privatização em massa e uma verdadeira liquidação dos bens
comuns, impactando terras públicas, florestas, águas, e ilhas federais na Amazônia e Zona
Costeira brasileira. As funções socioambientais, econômicas e arrecadatórias dos bens da
União são violadas.

Em relação à regularização fundiária rural, as alterações legais enviam um claro sinal à
sociedade de que invasões de terras públicas aliadas ao desmatamento ilegal são condutas
toleráveis e premiadas. Isso ocorre porque, sob pretexto de aperfeiçoar as regras fundiárias, as
alterações legais promovem ampla anistia ao crime de invasão de terras públicas, previsto no
Art. 20 da Lei nº 4.947/1966, bem como oferecem generosos subsídios ao cobrar valores
irrisórios na regularização pela venda das terras da União.

Primeiro, a Lei nº 13.465/2017 alterou o marco temporal para regularização fundiária,
permitindo que invasões recentes (até 2011) sejam passíveis de regularização. Essa mudança,
na prática, anistia o crime de invasão. Segundo, a nova lei estabelece que o valor pago pela
terra será de 10% a 50% do valor mínimo da pauta de valores da terra nua elaborada pelo
Incra. O resultado serão valores menores que 10% do valor de mercado das terras,
representando uma entrega do patrimônio público federal a preço subsidiado para quem, de
fato, praticou um crime. Outro agravante é permitir esses mesmos benefícios para invasões
entre 1.500 e 2.500 hectares (latifúndios), que antes só seriam regularizáveis mediante
licitação pública. Esta combinação de preços baixos, extensão da área passível de
regularização, mudança de marco temporal e anistia para grandes invasores vem
historicamente estimulando a grilagem e fomentando novas invasões, com a expectativa de
que no futuro uma nova alteração legal será feita para regularizar ocupações mais recentes.

Lembramos que a invasão de terras públicas é acompanhada pelo desmatamento ilegal como
forma de sinalizar a ocupação das áreas. Após um período de forte redução de desmatamento
na Amazônia, o país voltou a registrar aumento alarmante nas taxas anuais de perda da
cobertura florestal. Esse fato põe em risco os compromissos assumidos pelo Brasil para
mitigação das mudanças climáticas, previstos no Decreto nº 7.390/2010 e, mais recentemente,
nas contribuições nacionais para cumprimento do Acordo de Paris, promulgado pelo Brasil no
Decreto nº 9.073/2017.

Além disso, o estímulo a invasões de terra e ao desmatamento acirra conflitos agrários, bem
como com as populações indígenas e tradicionais cujos territórios não foram reconhecidos. Os
conflitos agrários no país cresceram 26% de 2015 a 2016, representando o maior aumento em
31 anos. Já em 2017, duas chacinas na fronteira da expansão do desmatamento na Amazônia
indicam que essa tendência pode continuar, com nove assassinatos de homens e mulheres em
um conflito em Colniza/MT e dez assassinatos em conflito em Pau D’Arco/PA.

Destacamos ainda que o PLV enfraquece o combate ao desmatamento nos imóveis titulados,
por três fatores: i) exclui a exigência direta de conservação em área de preservação
permanente e reserva legal como condição para a transferência final da terra ao particular; ii)
dificulta a retomada da área em casos de desmatamento ilegal e ii) impede a retomada de
imóveis se o desmatamento ilegal ocorrer após três anos da titulação, reduzindo essa
obrigação em sete anos se comparado à lei anterior. Essas modificações reduzem patamares
de controle ambiental e atentam contra o dever do Poder Público de preservar e restaurar os
processos ecológicos essenciais.

No tocante à regularização fundiária urbana, o novo marco legal também inverte a lógica da
legislação, favorecendo grandes invasores e especuladores da terra urbana em detrimento da
população de baixa renda e de seu direito à moradia adequada. Por exemplo, a lei cria o
mecanismo da legitimação fundiária, que permite a aquisição originária da propriedade em
área pública e privada por ato discricionário do poder público de áreas invadidas ilegalmente
até dezembro de 2016.

A Lei também dispensa o licenciamento ambiental nos processos de regularização fundiária
urbana, o que resultará na privatização de áreas de uso comum e de proteção ambiental em
nossas cidades, como áreas de preservação permanente relevantes para proteção de recursos
hídricos. Em outra violação, a lei flexibiliza regras para expansão urbana desordenada,
permitindo que os municípios ampliem os perímetros urbanos sem o devido projeto técnico
exigido pelo Estatuto da Cidade e, na sequência, titulem áreas irregulares no perímetro rural.

Finalmente, é temerosa a autorização da venda em ilhas oceânicas e costeiras, áreas
protegidas relevantes como Fernando de Noronha, que poderá vir a ser loteada, com os
terrenos vendidos para condomínios fechados e para exploração comercial. As zonas costeiras
têm importância fundamental em estratégias de adaptação às mudanças do clima,
especialmente aquelas baseadas em ecossistemas, como a conservação e recuperação de
mangues. No entanto, a privatização em massa dessas áreas poderá reduzir a capacidade do
uso dessas medidas de adaptação, aumentando os riscos dos impactos climáticos em nossas
cidades.

Assim, as organizações abaixo assinadas vêm solicitar que a Procuradoria-Geral da República
ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as alterações promovidas pela
Lei nº 13.465/2017″

Veja aqui quem são as organizações signatárias do documento:

Abraço Guarapiranga
Amazon Watch
Amigos da Terra Amazônia Brasileira
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Assembleia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul
Associação Bem Te Vi Diversidade
Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação – Abeco
Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – Abrampa
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
Associação para os Povos Ameaçados
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Conservação Internacional – CI
Ecologia e Ação – Ecoa
Espaço de Formação Assessoria e Documentação
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum de Comunidades Tradicionais Angra-Paraty-Ubatuba
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Fundação SOS Matatlântica
Fundación Avina
Greenpeace Brasil
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Igré Associação Sócio-Ambientalista
Iniciativa Verde
Instituto Bolsa Verde do Rio – IBVRio
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto Curicaca
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – Idesam
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Instituto de Pesquisas Ecológicas – Ipê
Instituto de Regularização Fundiária Popular – IRFUP
Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazom
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
Instituto Pólis
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto SOS Pantanal
International Rivers Brasil
Laboratório de Habitação e Assentamento Humanos da FAU-USP
Marcha Mundial do Clima / SOS Clima Terra
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Movimento Aeroporto em Parelheiros Não
Movimento Nacional Contra Corrupção e pela Democracia – MNCCD
Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Eespírito Santo – Organon
Observatório do Clima
Observatório Socioespacial da Baixada Santista
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Rede de Olho nos Mananciais – São Paulo
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Rede ODS Brasil
Sarau das Águas
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
The Nature Conservancy
Travessia
Uma Gota no Oceano
WRI Brasil
WWF-Brasil

*Texto publicado originalmente em 28/07/17 no site do Observatório do Clima

Foto: Ibama/Creative Commons/Flickr

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