Oprah Winfrey faz discurso potente sobre desigualdade na cerimônia do Globo de Ouro


Ela é uma das mulheres mais influentes e poderosas do cenário do entretenimento norte-americano. É negra, num país racista. E com Oprah Winfrey, tudo é superlativo. Dizem, até, que seu próximo passo é a candidatura à presidência dos Estados Unidos. Melhor não duvidar.

Durante 25 anos, ela apresentou o programa The Opharh Winfrey Show, que conquistou a maior audiência da história da TV nos Estados Unidos e terminou em 2010. Com o talk show, venceu inúmeros prêmios Emy. Também foi indicada ao Oscar por sua performance no filme ‘A Cor Púrpura’. Foi eleita a mulher mais rica do entretenimento no mundo e figurou na lista dos bilionários diversas vezes, com um detalhe: foi a única mulher que permaneceu no topo dessa lista por quatro anos.

Em 2012, criou sua própria rede de TV – Oprah Winfrey Network (OWN) – e deu início a outros projetos pessoais, sendo uma das maiores praticantes da filantropia no mundo.

Pois, no último domingo (7/1), ela fez mais uma conquista: tornou-se a primeira mulher negra a receber o Prêmio Cecil B. DeMille, do Globo de Ouro (o ‘Oscar’ da TV), oferecido pela Hollywood Foreign Press Association a pessoas que se destacaram por suas realizações extraordinárias, tanto no cinema quanto na TV.

A noite foi marcada pelo protesto de atrizes que se vestiram de preto para lembrar do assédio sexual que está por toda parte, também em Hollywood. Foi bacana, mas quem deu o tom verdadeiramente potente à noite foi Oprah.

Em sua fala, ela destacou ou a luta contra o racismo e a violência que atinge, sobretudo, as mulheres – principalmente as negras. Dois graves problemas que ela mesma enfrentou.

Lembrou que a pobreza e a falta de instrução tornam as mulheres vulneráveis à discriminação e à desigualdade. Por isso, lutar pela igualdade é tão urgente. Também disse que qualquer campanha é importante, mas o objetivo de criá-la deve ser chegar a um momento em que não será mais necessária.

E teve um tom pessoal também. Contou que, quando era garotinha, um fato positivo, relacionado àquela noite no Globo de Ouro, a marcou profundamente. Depois comentou sobre mulheres anônimas e de uma, em especial, que pode se tornar um marco no cenário da impunidade e da Justiça, uma inspiração para que mulheres e homens continuem lutando pela igualdade de direitos – de raça e de gênero. E lembrou da iniciativa #MeToo (Eu também), que viralizou no Facebook quando mulheres de todas as partes do mundo contaram suas histórias de abuso, resultando em mais de 12 milhões de citações.

Assista ao discurso de Oprah no vídeo em inglês, no final deste post. A seguir, leia a tradução livre de seu discurso para o português:

“Em 1964, eu era uma garotinha. Sentada no chão de linóleo da casa da minha mãe em Milwaukee, vendo Anne Bancroft apresentar o Oscar de melhor ator, na 36ª edição do prêmio. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que literalmente fizeram história:

– O vencedor é Sidney Poitier! (ele venceu por sua interpretação em Os Lírios do Campo, de 1963)

O homem mais elegante que eu já vi subiu ao palco. Me lembro que sua gravata era branca, sua pele era negra e que eu nunca havia visto um homem negro ser celebrado daquela forma.

Tentei muitas e muitas vezes explicar o que um momento como este significa para uma garotinha negra, uma criança que olha a mãe passar pela porta e entrar em casa cansada, até os ossos, de limpar a casa de outras pessoas. Mas tudo o que posso fazer é citar aquela música que Sidney cantou em Os Lírios do Campo: “Amém, amém, amém, amém”.

Em 1982, Sidney recebeu o Prêmio Cecil B. DeMille, aqui no Globo de Ouro, e eu não deixei de pensar que, neste momento, há algumas garotinhas assistindo a TV, enquanto me torno a primeira mulher negra a receber este mesmo prêmio.

É uma honra – é uma honra e um privilégio compartilhar esta noite com todas elas e também com os homens e mulheres incríveis que me inspiraram, que me desafiaram, que me apoiaram e tornaram minha jornada até esse palco possível.

Dennis Swanson, que apostou em mim para o talk show “A.M. Chicago”. Quincy Jones, que me viu no programa e disse a Steven Spielberg, “ela é a Sophia de ‘A Cor Púpura’”. Gayle, que tem sido a definição de uma amiga e Stedman, que eé minha âncora. Estes são alguns.

Também quero agradecer à Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood porque todos nós sabemos que a imprensa está sob ataque nos dias de hoje. Mas também sabemos que é a dedicação insaciável para descobrir a verdade absoluta que nos impede de fechar os olhos para a corrupção e a injustiça – para tiranos e vítimas, e segredos e mentiras.

Eu quero dizer que eu valorizo ​​a imprensa mais do que nunca, enquanto navegamos por estes tempos complicados, o que me leva a isto: o que eu sei, com certeza, é que falar a verdade é a ferramenta mais poderosa que temos.

E eu estou particularmente orgulhosa e inspirada por todas as mulheres que se sentiram fortes e empoderadas o suficiente para falar e compartilhar suas histórias pessoais. Cada uma de nós, nesta sala, é celebrada por causa das histórias que contamos e, neste ano, nós nos tornamos a história.

Mas essa não é uma história que afeta apenas a indústria do entretenimento. É uma história que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou local de trabalho.

Então, quero, esta noite, expressar minha gratidão a todas as mulheres que aguentaram anos de abuso e violência porque elas, assim como minha mãe, tinham filhos para alimentar e contas a pagar e sonhos para correr atrás.

Essas são as mulheres cujos nomes nunca saberemos. São trabalhadoras domésticas e trabalhadoras rurais. Elas estão trabalhando em fábricas, em restaurantes, estão nas universidades, na Engenharia, na Medicina e na Ciência. Elas fazem parte do mundo da tecnologia, da política e dos negócios. Elas são nossas atletas nas Olimpíadas e são nossas soldadas nas Forças Armadas.

E há mais alguém: Recy Taylor. Um nome que eu conheço e acho que vocês também deveriam conhecer. Em 1944, Recy era uma jovem esposa e mãe que, um dia, caminhava para casa depois da igreja em Abbeville, Alabama, quando foi raptada por seis homens brancos armados, estuprada e deixada com os olhos vendados ao lado da estrada.

Eles ameaçaram matá-la se ela contasse sobre o que aconteceu a alguém. Mas sua história foi reportada à Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, onde uma jovem trabalhadora chamada Rosa Parksse tornou a principal investigadora de seu caso.

Juntas, elas buscaram Justiça. Mas a Justiça não era uma opção na era de Jim Crow. Os homens que tentaram destrui-la nunca foram perseguidos. Recy Taylor morreu há dez dias, alguns dias antes de seu aniversário de 98 anos.

Ela viveu assim como todas nós vivemos: em uma cultura brutalmente corrompida por homens poderosos. Por muito tempo, mulheres não foram ouvidas ou acreditadas. Se ousassem falar suas verdades ao poder daqueles homens…

Mas o tempo deles acabou! Esse tempo acabou! Esse tempo acabou!

E eu espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que a sua verdade – assim como a verdade de tantas outras mulheres que foram atormentadas naqueles anos e permanecem, até agora, assim – segue adiante. Sua verdade estava em algum lugar no coração de Rosa Parks, quase 11 anos depois, quando esta tomou a decisão de ficar sentada naquele ônibus em Montgomery. Sua verdade está aqui, no coração de toda mulher que escolhe dizer “eu também”. E está em todo homem que escolhe escutar.

Na minha carreira, o que sempre tentei muito fazer, fosse na televisão ou em filmes, foi dizer alguma coisa sobre como homens e mulheres realmente se comportam. Dizer como nós sentimos vergonha, como amamos e como odiamos, como falhamos, como recuamos, perseveramos e como superamos.

Entrevistei e interpretei pessoas que resistiram às coisas mais feias que a vida pode ‘jogar em você’, mas a qualidade que todas essas pessoas parecem compartilhar é a habilidade de manter a esperança por um amanhã melhor, mesmo nos piores dias.

Então, eu quero que todas as garotas que estão assistindo a isto, saibam que um novo dia está no horizonte! E que, quando este novo dia finalmente chegar, será porque muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão neste auditório, esta noite, e por causa de alguns homens fenomenais, estão lutando para que elas se tornem líderes, que vão nos levar a uma era em que ninguém mais terá que dizer Eu também, de novo”.

Espero que todos os presentes nunca mais se esqueçam de tudo que Oprah disse. E que todos que ouviram ou leram seu discurso também não. Há coisas que é preciso ouvir de novo e de novo e de novo. E seu discurso é potente, energético, pulsante.

Vale revê-lo sempre que o desânimo vier fazer companhia, sempre que pensarmos que somos muito pequenos para mudar o que está posto. As transformações que acontecem pelo mundo – para o bem – estão sendo feitas por pessoas assim. Por mais falas como esta em 2018! E que, em um futuro não muito distante, elas não sejam mais necessárias.

Agora, assista ao discurso de Oprah, em inglês (abaixo) ou com legendas em português, divulgado pelo blog Papel Pop no Facebook.

Foto: Divulgação

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.