O samba também é solidário


Carnaval
e economia solidária dão samba? Sim!

Em Sousas, distrito localizado próximo à cidade de Campinas, no estado de São Paulo, o Bloco Unidos do Candinho entra em sua 24ª edição e ecoa o grito de carnaval no dia 18 de fevereiro. Na capital paulista, o bloco Bibitantã – que se reúne no Ponto Corifeu de Economia Solidária, no Butantã, e a Ala Loucos pela X (foto acima), que integra a X9 Paulistana, também se movimentam em torno do carnaval.

O Samba e a Ciranda – Do compasso do Pé ao Encontro da Mão: Só Soul porque Somos é o tema do grito de carnaval do Bloco Unidos do Candinho. A expectativa é envolver cerca de 800 pessoas nesse samba-ciranda. Formado por trabalhadores e usuários da Rede de Saúde Mental, o grupo envolve o trabalho do Coletivo da Música, projeto de arte-saúde que busca integrar, criar e potencializar atividades musicais para a rede de saúde mental de Campinas.

O trabalho começou em 2009, como iniciativa de um grupo de trabalhadores da rede, e entre as diversas atividades realizadas destacam-se a oficina de percussão e ala musical, que integram o Bloco Unidos do Candinho.

“A música entra na vida das pessoas como forma de tratamento, cuidado, motivação e forma de expressão corporal e emocional. Além de liberar endorfina, ajuda na sociabilização, participação coletiva, aliviando também a forma de encarar a realidade desses usuários, que muitas vezes deixam de se ouvir, de se expressar”, avalia Fernanda Galves, psicóloga hospitalar e diretora da Unisol SP.

O maior desafio aqui é conseguir recursos para manter o projeto. É preciso comprar instrumentos permanentemente, fazer manutenção, comprar camisetas para a bateria no carnaval, dentre outras despesas do dia a dia. Fernanda aponta que a articulação do grupo é um processo complexo, porque há trabalhadores de vários serviços de saúde mental, e é mesmo um esforço coletivo para estarem todos juntos no mesmo local e horário.

“A gente se divide por alas – instrumental, bateria -, e cada ala tem que ter alguém que consiga organizar esse minigrupo. Temos um mestre e sub mestres. Mas não é tão complicado quanto parece. Quando você coloca o instrumento das mãos deles é quando a coisa se organiza”, diz Fernanda. “Nas oficinas circulam mais de 300 usuários. O pessoal da comunidade dos Sousas participa e todo mundo conhece o Candinho. Já conquistamos esse território”.

O Bloco do Candinho tem como realizadores e parceiros o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, a Associação Cornélia Vlieg, o Conselho Regional de Psicologia, a Unisol Brasil, o Ponto de Cultura Maluco Beleza e a padaria Ricco Pane.

Samba pela Democracia

Rumando para a região do Butantã, na capital paulista, encontramos o Cordão Carnavalesco Bibitantã, criado em 2006 a partir de uma parceria entre serviços de saúde e movimentos ligados à cultura, tendo como principal orientação o resgate da cultura popular brasileira tradicional, especialmente o carnaval de cordões.

Como o grupo pontua, a alegria, a espontaneidade e a diversidade reunidas no cordão constroem não somente fantasias, música, dança, mas sujeitos coletivos que produzem e usufruem cultura e se apropriam da cidade, reafirmando que a rua é pública e que não se pode abdicar desse espaço.

Em 2017, Hélio Oiticica e seus parangolés inspiram o carnaval do cordão. O grupo começou os ensaios no dia 10 de janeiro. Às terças e sextas, o Ponto de Economia Solidária Corifeu abriga a confecção de adereços e fantasias e ensaios de bateria, a partir das 14h e 15h, respectivamente. Mas, desde outubro do ano passado, o Bibitantã já trabalha para o carnaval de 2017.

​Loucos pela X

E é também na capital paulistana, mas dentro do tradicional desfile de escolas de samba, que encontramos uma experiência inovadora: foi criada, na X9 Paulistana, a Ala Loucos pela X, empreendimento econômico cultural que transforma o desfile do Grupo Especial das escolas em espaço de convívio entre pessoas em situação de vulnerabilidade social, tradicionalmente excluídas dos processos socioculturais e de trabalho.

O trabalho proporciona a confecção de adereços para figurinos e alegorias, preparação que antecede o carnaval – incluindo calendário de festas e eventos, ensaios na quadra da escola e no sambódromo do Anhembi – e o desfile na escola durante o carnaval. Os integrantes do empreendimento, em sua maioria usuários de serviços de saúde mental – participam de todas as atividades junto à comunidade da escola de samba.

A festa popular transforma-se, assim, em possibilidade de convivência com a diversidade, geração de renda, inclusão social via cultura e cidadania. Os integrantes da Ala Loucos pela X se transformaram em trabalhadores especializados no carnaval e a qualidade da produção tem sido reconhecida nesse eixo, onde a mão de obra especializada para o trabalho artesanal de confecção de adereços e figurinos não é abundante.

O grupo trabalha num ateliê localizado num imóvel alugado no bairro da Vila Nivi, na zona norte da cidade. De lá, saem fantasias, adereços e decoração de carros alegóricos. Além da geração de renda, busca-se a construção de um espaço de produção que mantenha a alegria carnavalesca em seu dia a dia e valorize a construção coletiva. Para além das cores e brilho das fantasias tecidas, as peças trazem toda essa história.

Hoje, 20 pessoas trabalham no empreendimento e são integrantes permanentes do coletivo de trabalho. Mas a Loucos pela X conta com uma extensa rede de colaboradores, parceiros e apoiadores que se integram em diversas ações. “A cada ano, cerca de 100 pessoas que se ligam ao nosso trabalho pela perspectiva cultural desfilam em nossa ala”, diz Simone Ramalho. O grupo é ligado à Associação Vida em Ação, uma organização não governamental que atua na viabilização e potencialização de projetos de inclusão social para pessoas com transtornos mentais.

Entre os eixos de trabalho da Ala Loucos pela X, além da manutenção de uma ala comercial na X9 Paulistana há 16 anos – que se constitui numa das mais tradicionais da agremiação -, o ateliê presta também serviços para diversas outras agremiações do carnaval paulista e de outros estados, inserido na cadeia produtiva carnavalesca, como tantos outros ateliês da cidade.

O grupo confecciona figurinos completos para grandes agremiações do Grupo Especial e do Grupo de Acesso das Escolas de Samba de São Paulo, trabalha com decoração de alegorias, reciclagem de figurinos já utilizados para escolas de menor porte e decoração de eventos. A produção para o carnaval 2017 inclui uma ala para a X9 Paulistana e duas alas para a Vai Vai, totalizando a produção de aproximadamente 200 fantasias de grande complexidade.

O convívio na quadra da escola de samba, com toda a diversidade que isso representa, proporcionando o encontro entre pessoas de diferentes etnias, classes sociais, regiões de moradia, profissões, orientações sexuais, todas reunidas em torno do carnaval, é apontado pelo grupo como oportunidade especial de transcender o preconceito que essas pessoas carregam, resgatando seu pertencimento à cultura brasileira.

A Ala Loucos pela X tem hoje seu trabalho reconhecido na área da saúde mental, dos direitos humanos e no próprio espaço carnavalesco. Em 2014, o grupo recebeu o Prêmio de Empreendimento Mais Economicamente Inclusivo no Carnaval Brasileiro, no 1º Prêmio Edson Carneiro, promovido pela UNIRIO.

Foto: Divulgação/Ala Loucos pela X e Bloco Unidos do Candinho

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Mônica Ribeiro

Jornalista e mestre em Antropologia. Atua nas áreas de meio ambiente, investimento social privado, governos locais, políticas públicas, economia solidária e negócios de impacto, linkando projetos e pessoas na comunicação para potencializar modos mais sustentáveis e diversos de estar no mundo.