O que fizemos de nossos corpos?

“Ao acordar o corpo, possibilita-se a apreensão de campos diferenciais, retirando-nos de um plácido horizonte de certezas, o que nos permite conviver com a rica qualidade desestabilizante da própria vida.” (Hélia Borges)

Ultimamente, tenho dito várias vezes aos meus amigos mais próximos que fiz uma descoberta que mudou a minha ideia sobre aprendizado, sobre conhecimento. Muito embora eu tenha habitado o meu corpo há mais de três décadas, reconhecer o seu potencial em relação à minha leitura de mundo é bem recente. E “potencial” é apenas uma palavra que uso para falar de uma complexidade que, na verdade, não sei nomear. Para tornar tudo mais claro e sincero, o melhor seria dizer: descobri meu corpo há alguns meses! E o verbo descobrir também é categórico demais, a verdade é que é recente o nascimento em mim de uma imensa interrogação sobre a potência que existe em nossa pele, em nossos movimentos e em nossos sentidos.

A minha reflexão sobre esse tema se deu depois de ter conhecido a bailarina, professora e pesquisadora Angel Vianna.  Não vou aqui discorrer sobre o trabalho dela e sobre a experiência de tê-la conhecido – isso demandaria algumas páginas. Mas, dentro desse contexto, é importante saber que ela se dedicou a estudar o corpo humano por completo, ultrapassando a ideia moderna de dissociação entre corpo e mente. Estar com ela foi transformador no sentido de compreender que é necessário despertar o corpo para se sensibilizar com o mundo e para estar mais dilatado para a relação com o outro.

Atentar para o corpo vai muito além de cuidá-lo e mantê-lo saudável, mas, sim, torná-lo protagonista das nossas ações no mundo. Somos acostumados a um corpo amortecido, cuja função na maioria das vezes é apenas sustentar e transportar nossa cabeça. E aí me pego sempre pensando quais são os motivos para podarmos o corpo – sem perceber que também cerceamos a mente.

Lembro de minha infância, das escolas que frequentei e da educação que tive, e acho que posso atribuir experiência semelhante a muitas pessoas. Estar quieto e sentado durante um longo período assistindo às aulas faz parte da vida escolar de muita gente. E, ainda hoje, me parece que educar tem uma relação íntima com fazer as crianças se controlarem, ficarem paradas. Existe uma busca por disciplinar o corpo. Até mesmo o brincar espontâneo, tão importante para a autonomia da criança, muitas vezes é deixado de lado (E para falar muito melhor por mim sobre o assunto, indico, no final deste post, a apresentação de Renata Meirelles no TEDx São Paulo).

Nesse contexto acredito ser importante pensarmos: Do que se trata realmente aprender? Qual a importância do movimento na construção da autonomia de cada criança? Como se inserem o afeto e a criação de vínculos no contexto do aprendizado? De que modo a apropriação de si contribui para a maneira de como cada um vê o mundo?

“(…) das coisas ao pensamento das coisas, reduz-se a experiência” essa frase de Merleau-Ponty (1945-1994), em “Fenomenologia da Percepção” (1945), enfatiza a experiência do corpo como criadora de sentidos e desloca a percepção do campo intelectual, para o da apreensão do corpo. Ainda segundo o filósofo francês, o movimento e o sentir são elementos imprescindíveis: “A percepção sinestésica é a regra, e, se não percebemos isso, é porque o saber científico desloca a experiência e porque desaprendemos a ver, a ouvir e, em geral, a sentir, para deduzir de nossa organização corporal e do mundo tal como concebe o físico aquilo que devemos ver, ouvir e sentir”.

Fazendo um contraponto com os dias de hoje, acredito ser importante pensar inclusive como a alienação do nosso corpo pode impedir o pensamento crítico e como isso pode ser usado como instrumento de poder. Quanto estamos fechados sobre nós mesmos e pouco abertos ao coletivo, à percepção do outro e da vida? Sejamos um corpo alerta, presente e resistente!

Impossível finalizar este texto sem indicar a série Corações e Mentes: Escolas que Transformam, que contempla lindamente os temas citados aqui. Produzido pela Maria Farinha Filmes, a série é uma iniciativa do Instituto Alana e do Itaú Social, que propõe exibir ações de escolas de diversas regiões do país que repensam seus processos de ensino e aprendizagem e percebem a escola como um espaço de potência para a transformação social. É possível organizar uma exibição pública e gratuita do primeiro episódio pelo Videocamp!

Agora, assista à palestra de Renata Meirelles, do Território do Brincar, na conferência TEDxSãoPaulo, em 2016:

Foto: Renata Meirelles

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Maria Clara Matos

É jornalista, formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), e integrante da equipe de Educação e Cultura da Infância, do Instituto Alana