O que esperar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

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Este mês, novas propostas – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – devem guiar ações em todo o mundo rumo à solução de problemas comuns. Especialistas alertam que o poder público não deve agir sozinho.

Lideranças globais se reúnem em Nova York, de 25 a 27/9, em uma Assembleia Geral da ONU, para a adoção de uma agenda comum que deve guiar a ação de governos nos próximos 15 anos. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) substituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), cujo prazo termina neste ano. São 17 novas propostas, mais do que o dobro das anteriores, que se desdobram em 169 metas e abrangem áreas como combate à pobreza e à fome, igualdade de gênero, padrões de consumo, educação inclusiva e manejo sustentável de recursos naturais.

Os numerosos e ambiciosos objetivos despertam o ceticismo de alguns. Para o coordenador do Programa Desempenho e Transparência do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (GVCes), Aron Belinky, a amplitude da agenda pós-2015 vai representar grandes desafios do pontos de vista de identificação de papéis e priorização, mas tem o valor de agrupar. “Se por um lado ter 17 metas é muito disperso e dificulta o foco, por outro, o que é muito importante e altamente compensador é o fato de que os ODS representam pela primeira vez a união de todos esses temas em um único documento. Isso é um enorme avanço e tem que ser comemorado”.

Para o professor, ao longo de mais de 40 anos de negociações internacionais, dezenas de acordos vêm sido contruídos tratando assuntos isoladamente. “Negociações internacionais são extremamente difíceis e têm muitas ineficiências. Mas o fato de que se conseguiu um consenso e com um grau bastante relevante, embora não perfeito, de participação da sociedade sob um só guarda-chuva é muito importante. Todos os princípios acordados na Rio 92 foram mantidos e reiterados”.

A maior crítica, no entanto, é que o documento não fala em “limites planetários”. “O dilema central é conseguir que alguns países progridam na direção de melhores condições de vida e outros diminuam o desperdício. É um conflito distributivo, mas não no sentido de que todos deveriam consumir exageradamente, viver como os americanos. Isso é inviável, é ilusão, porque existe a questão da capacidade do planeta”, argumenta Belinky.

Dever de casa brasileiro

Para serem concretizadas, a consultora e coordenadora da Cátedra Unesco Cidade e Meio Ambiente no Brasil, Lucila Martínez, acredita que o caminho é trabalhar todas as metas simultaneamente. “Sempre dá para atuar em cada uma delas, mas a maioria está inter-relacionada. E enfatizo a educação inclusiva e de excelência porque se a gente conseguisse de verdade, as pessoas teriam consciência de todas as outras. Poderíamos fazer uma pressão de controle social propositivo sério”. O saneamento, cuja precariedade é um problema histórico do país, também deveria figurar na lista de prioridades brasileiras, segundo os entrevistados. “A falta de saneamento básico adequado produz doenças, mais gastos hospitalares, perda de dias de trabalho e dificulta um bom aprendizado pelas crianças”, comenta o professor e presidente do Instituto Brasil Pnuma, Haroldo Mattos de Lemos. Manejo sustentável de florestas e desigualdade entre países e dentro deles também foram mencionados para as prioridades nacionais, enquanto educação e saúde são as maiores preocupações.

Os objetivos são conectados assim como a natureza dos problemas, geram superposições e têm consequências comuns, por isso, o trabalho é destrinchá-los em planos eficientes. “São várias portas de entrada para um mesmo universo, o do desenvolvimento sustentável. Uma portinha não resolve tudo, mas estão todas interligadas dentro de um sistema, então posso entrar pelo combate à fome ou pelo combate à violência e isso me leva ao mesmo lugar. O x da questão é avançar em um sem prejudicar os outros”, sintetiza Belinky.

É consenso que esse dever de casa não é apenas do poder público. “Os governos, sozinhos, não têm competência para resolver problemas profundos, como pobreza, educação, saúde, saneamento etc. Metas globais, além de difundirem as questões críticas, abrem canais de compartilhamento e solidariedade. Mas não podemos esquecer que o poder político e financeiro é o pano de fundo dessas ações”, afirma o biólogo, professor e consultor Ricardo Barros.

Na opinião de Haroldo Mattos, o setor privado já começou a se mexer. “As empresas estão sendo mais protagonistas do que os governos porque elas planejam para longo prazo, para 20, 30 anos, e sabem que se continuarmos com o ‘business as usual’ vamos ter sérios problemas no futuro, enquanto a maioria dos governos do mundo planejam só para as próximas eleições”. O professor avalia que pessoas e empresas, inclusive no Brasil, estão pressionando os governos para tomar medidas concretas e isso será muito importante para que os ODS sejam levados a sério.

Na opinião de Lucila Martínez, as pessoas também estão mais conscientes no cuidado com elas mesmas, com a comunidade, com a proteção ambiental. “Há 30 anos, quando fazia proposta de mudança, achavam que estava louca. Hoje falam: ‘é mesmo, eu não me toquei’”. A consultora acrescenta que independentemente de qualquer resultado, a existência dos ODS já são uma contribuição porque ensina a sociedade a entender os desafios globais e como fazer parte das soluções. “Penso que daqui a 15 anos talvez o resultado mais interessante que se concretize desses objetivos é que o cidadão seja capaz de construir coletivamente um projeto de nação. O imaginário coletivo tem que sonhar com isso. Não dá para esperar que os políticos inventem o que precisa ser feito”, conclui Lucila.

Foto: Nicholas Tonelli/Flickr

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Manoella Oliveira

Jornalista, pós-graduada em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestranda em Ciências de Mídia e Comunicação na universidade TU Ilmenau, em Thüringen, na Alemanha. Trabalhou em revistas, internet, jornal diário e rádio e, desde 2008, escreve sobre meio ambiente e educação.