O pátio da escola é parte do mundo da criança

O toco de um tronco materializou-se como o cenário perfeito da brincadeira de duas crianças que aproveitavam o dia de sol no pátio da escola. Alguns meses antes, me explicou uma professora, o corte de uma grande árvore que apodrecia no amplo quintal se fez necessário. Sobrou do caule uma superfície baixa e disforme, repleta de buracos, semelhante a uma minúscula montanha. Foi ali, entre as cavidades do relevo, que os dois pequenos estudantes posicionaram seus dinossauros de plástico e começaram uma guerra entre Tiranoussauros e outras espécies. Alguns dos brinquedos colocados nos buracos mais próximos do solo eram estrategicamente retirados dali quando um boneco de sua tropa era vencido por um dinossauro do time oponente.

Próximo ao combate, um tronco relativamente grosso e torcido de outra árvore descansava no chão. A professora, reparando que eu o observava, disse que a cada dia aquele pedaço de madeira serve à imaginação das crianças para alguma coisa: brincar de cavalinho, esconderijo, casinha de boneca…

Se os benefícios do brincar livre com e na natureza são inegáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento integral das crianças, por outro lado, especialistas preocupam-se com o distanciamento atual da infância com os elementos naturais. Segundo a ONU, estima-se que, no mundo, populações urbanas cresceram de cerca de 750 milhões em 1950 para 3,6 bilhões em 2011. À medida que essas cidades e suas populações aumentam, maior é a apreensão em relação à redução e à falta de espaços verdes e ao ar livre para a vivência plena da infância.

Nesse sentido, o livro Desemparedamento da infância – A escola como lugar de encontro com a natureza, do programa Criança e Natureza (do qual já falamos aqui, no Conexão Planeta), traz o olhar de como a escola acaba tornando-se uma aliada para que todas as crianças, inclusive as que vivem em ambientes urbanos, tenham experiências típicas da infância, com direito ao intenso contato com a natureza. “A escola é o único espaço que as cidades oferecem universalmente como possibilidade de reconquista dos espaços públicos e populares – domínio das atividades lúdicas – que as crianças e jovens perderam na cidade capitalista e industrial”, diz a arquiteta Mayumi Souza Lima.

Sabemos, entretanto, que muitas escolas carecem de estrutura e espaço adequado para potencializar o brincar e o aprender ao ar livre. O último Censo Escolar traz alguns dados alarmantes que vale a pena revisitar. Dentre eles, destaca-se a porcentagem de creches que possuem área verde, apenas 31% delas. Nas pré-escolas, o cenário piora: 24% têm áreas livres para suas práticas pedagógicas.

Mas, felizmente, algumas experiências educativas podem qualificar a reflexão e mostrar possibilidades e caminhos construídos por educadoras e educadores frente ao difícil desafio de reorganizar seus tempos, rotinas e organizações para incluir a natureza como elemento central na vida de seus estudantes. Aqui, trago dois breves exemplos de práticas em escolas que merecem destaque.

O primeiro deles é do Colégio Viver, em Cotia, na região metropolitana de São Paulo,  reconhecida como escola transformadora, em 2015, pela Ashoka e pelo Instituto Alana. Os relatos trazidos no início deste texto foram vivenciados ali.

Fazendo bom uso de seu espaço amplo, o Viver inclui a natureza como elemento no currículo para o processo de aprendizagem dos estudantes. “No quintal da escola, que é enorme, pesquisamos rochas. Fazemos trilha e acompanhamento lá. Já teve o projeto casinha na árvore. Dessa forma, eu acho que me interesso mais pelos estudos. Preso em sala de aula, só com os livros, não é a mesma coisa”, relata o estudante da escola, Bruno Proença, de 14 anos, no livro O ser e o agir transformador – para mudar a conversa sobre educação, que apresenta as motivações, os percursos e histórias de escolas que se reinventaram e hoje inspiram e apontam caminhos para uma transformação maior na educação.

Outro exemplo vem de uma escola urbana, localizada ao lado da avenida Paulista, a Escola Santi, que, literalmente, derrubou as paredes das salas de aula a fim de tornar seu limitado espaço em um local mais atrativo aos estudantes e professores. Uma das paredes quebradas foi substituída por uma porta de vidro de correr. Através dela, as crianças que estão dentro da sala podem ver um pequeno jardim e a movimentação da rua que fica do outro lado. “Ainda que a criança não esteja ao ar livre, só de ver a natureza, de ter a luminosidade natural e de poder observar o ambiente externo já traz componentes novos e ricos ao seu dia a dia”, me contou uma professora.

Em 2017, a escola iniciou uma parceria com a UmaPaz (Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Paz, vinculada à Prefeitura de São Paulo), por meio da qual os estudantes realizam atividades mensais no Parque Ibirapuera. A ação aponta como uma boa alternativa à limitação de espaços ao ar livre na área da escola, provando que parques e praças das cidades também são pátios escolares educativos (outros inúmeros exemplos de boas práticas de uso dos espaços estão nos dois livros citados aqui, entre ações executadas em escolas públicas e particulares nos diversos cantos do país).

Ao escrever este texto, fiz o exercício de evocar na memória as experiências que me marcaram durante a infância no contexto escolar. E acabei me dando conta de que quase todas elas ocorreram no pátio da escola: as festas, a brincadeira de caçar insetos (em especial os pequenos tatus-bola de jardim), o esconde-esconde, a caçada de ovos de Páscoa…

E você? Consegue recordar quais foram suas experiências mais marcantes no pátio da escola? E, diante do mundo de experiências às crianças que se instala ali, quais são suas pistas de como podemos potencializar seus espaços e tempos de aprendizagem?

Foto: Fernanda Peixoto

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Fernanda Peixoto

Formada em Jornalismo pela PUC-SP, é integrante da equipe de Educação e Cultura da Infância, do Instituto Alana