‘O Menino que Rio’ e outras histórias inspiradoras de Gustavo Prudente

o-menino-que-rio-ilustracao2-800Gustavo escreveu seu primeiro livro com oito anos, mas só veio a publicar (outro e de forma independente) na adolescência, por insistência da mãe, e era de poemas. A partir daí, escrever tornou-se fácil e rápido, mas apenas se a história tivesse um propósito. Bastava que o tema o inspirasse e, em pouco tempo, lá estavam suas reflexões reunidas. Sempre por uma boa causa.

o-menino-que-rio-gustavo-prudente-retrato3Escreveu sobre um primo que nasceu com hidrocefalia, depois vieram livros infantis e uma coleção sobre eneagramas para apoiar o trabalho do irmão psicólogo com crianças. Quando se mudou de Aracaju para São Paulo, para estudar jornalismo na USP, engajou-se em projetos diferenciados e aprofundou seu olhar social, como ele mesmo define. Escreveu sobre a fome no sertão do Sergipe e no Vale do Jequitinhonha, a violência sexual em São Paulo e Campo Grande, sobre ecovilas pelo Brasil. Tornou-se educador social, combateu o trabalho infantil e decidiu trabalhar com desenvolvimento humano. Descobriu a meditação e um estilo de vida mais saudável e, anos mais tarde, tornou-se empreendedor social, trabalhando com escolas públicas nas quais falou de educação para a empatia.

Hoje, trabalha com coaching de liderança, desenvolvimento pessoal e espiritual. “Meu objetivo é ajudar a criar um mundo com líderes que agem verdadeiramente a partir do coração”, explica. Como parte dessa trajetória, nunca parou de escrever sobre experiências pessoais ou histórias de pessoas inspiradoras que encontra pelo caminho. Foi o que aconteceu quando conheceu o arquiteto José Bueno, idealizador da iniciativa Rios e Ruas junto com o geógrafo Luiz Campos Jr.

o-menino-que-rio-capa-Ao conhecer a história do projeto, Gustavo se encantou e “em uma tacada” escreveu o livro O Menino que Rio, lançado em março último, que é o primeiro da série Sustentabilidade na Cidade. Aqui ele fala de seu processo de criação e dos projetos futuros. Todos focados no bem.

Quando conheceu José Bueno, você já tinha interesse pelos rios enterrados nas grandes cidades?
Eu conheci o Bueno por meio de uma rede de desenvolvimento humano. Rapidamente, ele se tornou uma inspiração para mim e como nos encontrávamos muito para falar de nossos trabalhos em conjunto, um dia ele me contou sobre o projeto que estava nascendo para redescobrir os rios de São Paulo. Foi tão tocante, que eu já sai de lá com o livro na cabeça. Cheguei em casa e escrevi o texto ‘numa tacada’. Mas, até então, não tinha nenhuma conexão mais profunda com a questão dos rios, salvo meu grande amor pelo Rio São Francisco, que corta minha terra natal, Sergipe. E, junto com esse amor, a dor de vê-lo cada vez mais minguado…

E claro que a situação dos rios Tietê e Pinheiros, dos ribeirões das comunidades mais pobres por onde passei e desenvolvi trabalhos sociais, cheios de lixo, sempre me deixavam triste. Mas ainda não havia me dado conta de que existem tantos rios abaixo dos meus pés, e muito menos que o que eu considerava apenas como avenidas – como a Sumaré, no bairro de mesmo nome -, mantém um rio aprisionado e enterrado, que batizou a avenida.

Depois do livro escrito, você participou de uma expedição Rios e Ruas. Ela trouxe mais inspiração para o livro? Transformou o projeto inicial?
o-menino-que-rio-ilustracaoUm tempo depois de escrever o texto do livro – após ouvir o Bueno em sua casa – fui a uma expedição para saber como era. Fizemos a rota do Rio Verde, na Vila Madalena (onde está o Centro Cultural Rio Verde) e foi muito incrível. O momento mais especial foi quando entramos numa viela, próxima ao Beco do Batman, e vimos o rio mais claramente correndo por baixo do asfalto. O clima de luto que Bueno criou me fez entrar em empatia rápida com o rio. Senti-lo como um ser vivo e não apenas como “uma coisa”. A sensação de qualquer ser vivo sendo machucado dói e, neste caso, não foi diferente. Ao mesmo tempo, fiquei muito feliz por esse projeto existir, e mais certo de que aquele livro teria de vir à vida.

Depois dessa experiência, o livro passou por várias “reescritas”, inclusive a partir de pedidos e feedbacks do Bueno e do Luiz. Então, podemos dizer, sim, que ele tem a energia daquela expedição, bem como de outros momentos de conexão com os dois ativistas, mas também de outros trabalhos com água e rios dos quais fiz parte depois. Mas os rios não chegaram a ser (nem acho que serão) um tema central do meu trabalho.

Na história de O Menino que Rio, o rio tem vida. E se qualquer pessoa, ao ler o livro, consegue projetar essa mesma vida em tantos outros rios da vida real, o que era banal se torna sagrado, e todos sempre cuidamos do que é sagrado para nós.

Fale do processo de criação do livro até a publicação. E como os leitores do Conexão podem adquiri-lo.
As personagens nasceram rapidamente – foi uma história “canalizada”. Num primeiro momento, não havia nenhuma intenção comercial com ela. Foi apenas a forma de transformar em palavras a poesia que o depoimento de Bueno havia plantado em mim e de devolver isso para ele, como um “muito obrigado”. Tanto que não fiz nenhum esforço para o livro ser publicado, por alguns anos.

Mas o Bueno se empolgou com a história e começou a lê-la em alguns eventos. Eu também passei a lê-la em palestras e eventos dos quais participava, especialmente nos trabalhos com educadores.

Não sou muito de dizer o que quero com as coisas que faço. Prefiro deixar que o projeto se revele e mostre o que é e o que quer. Então, ao longo dos anos, fui escutando O Menino que Rio. E fui me surpreendendo, pois ele criou vida própria. Eu sempre deixei o texto open source (só tirei agora do meu blog por exigências contratuais da editora) e ele foi se espalhando e, inclusive, publicado sem minha intervenção. No ano passado, soube que a Editora Evoluir estava interessada no texto. Primeiro, tentaria viabilizar o livro por meio de crowdfunding, mas não aconteceu. Depois, Bueno conheceu o pessoal da editora, que já tinha aprovado sua publicação pela Lei Rouanet. Tomei um susto e o livro aconteceu.

Sinto que o livro é uma criação coletiva e pertence a mim e ao Rios e Ruas, tanto que doei 50% dos meus direitos autorais – tanto dessa tiragem quanto de qualquer outra -, para o projeto. Com estes 50%, Bueno e Luiz puderam imprimir tiragens a mais do livro para distribuir em expedições e eventos.

O Menino que Rio não é vendido em livrarias, mas apenas via internet com uma tiragem pequena. O livro foi viabilizado pela Lei Rouanet e teve pequena tiragem imprensa, distribuída pelo patrocinador em escolas do Nordeste e em comunidades onde ela atua, e também para doação.

Por minha conta, imprimi uns 300 exemplares, que tenho doado para amigos e pessoas que trabalham com educação e sustentabilidade. Então, quem tiver esse perfil no Facebook, pode me escrever por inbox. Mas, quem preferir, pode me contatar por e-mail . Se eu ainda tiver exemplares, terei o maior prazer em doar, caso o perfil esteja de acordo com meu propósito.

o-menino-que-rio-lancamento-livro2O lançamento do livro também não foi oficial; foi um chamado que eu, Bueno e Luiz fizemos em nossas redes sociais. Como temos uma boa rede, foi um sucesso: segundo a editora, reuniu mais gente que a média dos seus lançamentos. Nesse dia, havia uma pessoa desconhecida de todos nós, que participa de um projeto no bairro do Butantã ligado à preservação dos rios. Ela comprou o livro e leu ali mesmo. Ela me procurou, em um dado momento, em prantos, me abraçou e agradeceu profundamente dizendo que “o mundo precisa desse livro” e que ela faria de tudo para divulgá-lo. Isso, para mim, foi o propósito do livro sendo alcançado. Foi o melhor retorno que eu poderia ter.

Na foto acima, além de Bueno, Luiz e Gustavo (os três, no centro da foto), estão Victor, que ilustrou o livro (à direita), Massao (diagramador) e Eliza Mania (produção gráfica). Na foto abaixo, Gustavo e Victor dedicados aos autógrafos.

o-menino-que-rio-lancamento-livroQual sua expectativa com o livro?
Sinto que ele serve como uma ferramenta de inspiração para que mais crianças e adultos criem um canal empático com a natureza, não só com os rios, mas com a natureza aprisionada nas cidades grandes. Esse canal é potencializado pela literatura porque o livro não traz informações científicas “frias”, mas fala de uma relação, traz sentimentos e permite que o leitor se projete na história como se fosse sua história também.

Neste livro, e nos demais que busco escrever, meu objetivo é sempre a expressão poética. Não me identifico tanto com livros muito “instrumentais” do tipo “Super Limpeza contra Zé Lixão”, em que o texto está a serviço de uma mensagem esquemática. Acho que pode funcionar para folhetos informativos, mas não para a literatura. Então, não busco ser didático e passar informações como se fosse uma cartilha, seja para falar do projeto Rios e Ruas ou qualquer outro. Este livro é uma expressão poética do que me tocou na relação com o rio e com Bueno, enquanto guardião dessa causa. E é essa poesia que espero que chegue ao leitor, e não informações técnicas ou uma lição de moral.

O Menino que Rio inaugurou uma série editorial: Sustentabilidade na Cidade. Conte sobre ela.
Um tempo depois que escrevi O Menino que Rio, conheci a Juliana Gatti, idealizadora do projeto Árvores Vivas (ela assina blog homônimo aqui no Conexão Planeta) e me senti novamente “semeado” com poesia e inspiração. Mais uma vez, quando cheguei em casa, escrevi um livro – ao qual dei o nome da iniciativa da Juliana – em “uma só tacada” e enviei para ela. Como o Bueno, a Ju me deu feedback muito positivo e me convidou para ler a história no Festival Florescer, evento que ela organiza anualmente em São Paulo, na época da primavera.

A partir daí, percebi que tinha uma “coleção” de livros surgindo à qual dei o nome de Sustentabilidade na Cidade. E percebi que a essência dessa coleção era de histórias inspiradas em heróis da vida real, gente que está fazendo trabalhos bonitos para valorizar a natureza na cidade grande. Não são histórias sobre essas pessoas, mas histórias que surgem da minha “frequência” com essa pessoa, daquilo que é plantado em mim a partir da relação que tenho com elas.

Neste momento, já estou envolvido em mais outra história, mas a protagonista nem imagina que estou escrevendo sobre ela. E já tenho outras personagens em mente, gente que conheci, que me inspirou e que poderá se tornar mais um livro, em breve.

Imagens: Ilustração de Victor Farat e fotos do arquivo pessoal de Gustavo Prudente

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.