O maravilhoso e livre mundo offline

Eu sou da época em que ir para o mato ou para o campo significava ficar sem contato com o resto do mundo. Meus primeiros acampamentos como escoteira, depois as aulas práticas na faculdade e, por fim, muitos trabalhos e viagens pessoais pressupunham que eu ficasse dias ou semanas sem telefone e, mais tarde, internet. Nunca pensei muito sobre isso, além do fato de me ajustar a essa condição, educando minha família sobre a máxima “no news, good news”.

Por campo ou mato entende-se, quase sempre, unidades de conservação. Fragmentos de áreas naturais protegidas, territórios que, como sociedade, decidimos separar como espaço comum de um país. Recentemente, celebramos o centenário dessa ideia visionária que os norte-americanos consideram a melhor que já tiveram: a criação de parques nacionais. Criados inicialmente para assegurar a proteção de maravilhas naturais para o usufruto de todos os cidadãos, logo autores como Ralph Waldo Emerson e John Muir, ao lado do arquiteto Frederick Law Olmstead, desenvolveram argumentos espirituais e emocionais sobre o papel dos parques, ressaltando o aspecto curativo do contato com a natureza.

Valorizo imensamente esse aspecto das áreas protegidas: o fato de que elas são refúgios, escape e cura para os desafios da vida urbana. Aos poucos desenvolvi uma sincera apreciação sobre a sensação de afastamento em relação à vida que fica para trás cada vez que vou para o campo: a rotina na cidade, o barulho, o ritmo acelerado, as interferências.

Não faz muito tempo, passei uma semana no Parque Estadual Intervales, no interior de São Paulo, ao lado de outras cinco famílias, como faço há quase dez anos. Lá, a conexão digital chegou devagar. Por anos, só houve acesso à internet fora do Parque e apenas, há pouco tempo, instalaram wi-fi na administração. Você precisava sair deliberadamente da pousada e vencer os 800 metros que a separam do sinal do wi-fi para conectar seu celular.

Nesses dias em família com uma tribo de crianças e vários adultos no grupo, a rotina era dar uma breve checada no smartphone antes de começar as aventuras do dia, no ponto de encontro com os monitores, em frente à administração do Parque. O resto do tempo era dedicado aos encontros e experiências no mundo real.

Até que, em janeiro deste ano, no meio da semana que passamos no PEI, instalaram wi-fi no restaurante do Parque, que fica ao lado da Pousada, onde estávamos hospedados. E assim, de repente, a dinâmica das relações mudou. Todos os adultos passaram a levar o celular para o restaurante durante as refeições. As conversas tinham agora outro componente envolvido, como se não estivéssemos mais a sós naquele lugar remoto. A sensação de isolamento se foi.

Esse episódio me fez pensar sobre o que se perde quando há a possibilidade de conexão com a internet no interior de uma unidade de conservação. Afinal, que experiências buscamos quando visitamos uma área remota? O que é estar com o outro? Procurei pensar sobre essas questões sem nostalgia, mas buscando refletir sobre as transformações da nossa época.

Tem algo nisso tudo sobre corpo, infância, pressa, relações, natureza. Sobre estarmos de corpo e cabeça presentes compartilhando algo que nos é caro. Sobre nossa capacidade de nos desvencilharmos de nossos apetrechos digitais. Sobre crianças e adultos desfrutando experiências solitárias ao nosso lado enquanto nossos olhos estão numa tela. Sobre o lugar que guardamos para o corpo no nosso novo modo de viver. Sobre o papel de refúgio digital das áreas naturais protegidas.

Num momento no qual nossa sociedade faz reflexões importantes sobre a intoxicação digital que todos estamos submetidos, acredito que é preciso guardar tempos e espaços off-line em nossas vidas. Entretanto, se desconectar não é uma tarefa fácil, mesmo para aqueles que apreciam estar ao ar livre: requer uma ação consciente e uma mudança de cenário. Num mundo onde é cada vez mais difícil encontrar espaços sem conexão, o papel das áreas naturais protegidas ganha um novo contorno: reservas livres de wi-fi e dos sons dos smartphones.

Para muitos o vazio digital de um parque como Intervales não é um empecilho, ao contrário, é um de seus maiores atrativos.

Os órgãos gestores das unidades de conservação devem, portanto, avaliar sob essa perspectiva onde faz sentido disponibilizar wi-fi e que experiências os visitantes buscam quando procuram uma área remota. Eu acredito que devemos guardar, defender e proteger espaços naturais para todos os que buscam reinventar formas de estar consigo mesmos, com o outro e com o mundo. Para todos os que buscam a maravilhosa liberdade de estar off-line.

Foto: Maria Isabel Amando de Barros

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Maria Isabel Amando de Barros

Engenheira Florestal e mestre em Conservação de Ecossistemas pela ESALQ/USP, sempre trabalhou com educação e conservação da natureza. É cofundadora da OutwardBound Brasil e atuou na gestão e manejo de unidades de conservação na Fundação Florestal do Estado de São Paulo. Depois do nascimento da Raquel e do Beni passou a estudar a relação entre a infância e a natureza no mundo contemporâneo. Desde 2015, trabalha como pesquisadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.