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O líder indígena David Guarani protesta contra genocídio e pela demarcação de terras no Lollapalooza

Criado nos anos 1990 para divulgar música alternativa, além de performances de dança, artes e comédia e artesanato (em estandes), o Festival Lollapalooza costuma ser também palco de manifestações e protestos de cunho político, ambiental e social. Era de se esperar, portanto, que – em sua sétima edição brasileira, realizada de 1 a 4 de abril, em São Paulo -, o governo de Bolsonaro fosse lembrado, sem nenhum carinho: foi xingado, com gritos de fora e outros, de menos calão, como os que se espalharam pelas ruas no Carnaval de inúmeras cidades.

Mas um dos pontos altos do festival, que não teve a ver diretamente com música, foi quando a banda norte-americana Portugal, The Man (de Portland, mas originária de Wasilla, no Alasca, que toca rock psicodélico com influência indie), abriu seu show com a presença dos indígenas da etnia Guarani Mbya, que moram na Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo.

O vocalista, John Baldwin Gourley contou que a banda se inspirou na música produzida no Brasil para aprender sobre os povos indígenas, por isso, convidou representantes dos Guarani Mbya – que vivem na periferia de São Paulo, e têm sido massacrados com medidas dos governos federais e também pela comunidade à sua volta – para participar de seu show.

Um dos líderes mais jovens dessa etnia, David Karai Popygua – mais conhecido como David Guarani – subiu ao palco acompanhado de outro jovem que empunhava um arco e flecha, Wera Trap Guarani (abaixo) e de mulheres e crianças. Ao microfone, em tom revoltado, ele falou sobre o genocídio praticado contra esses povos sistematicamente e que, com este governo, tem aumentado barbaramente. Também falou da intenção de Bolsonaro de acabar com as demarcações de suas terras, para torná-las ainda mais vulneráveis à exploração de recursos naturais.

“Os indígenas representam 5% da população mundial. Nós protegemos 82% da biodiversidade do mundo. Falam que é muita terra pra pouco índio, mas é pouco índio protegendo a vida pro mundo inteiro sobreviver. Nós, povos indígenas, estamos sendo perseguidos, estamos sendo assassinados e mortos. Nós estamos lutando pela vida. O homem mais poderoso do mundo no meio da floresta, sem nada, ele não sobrevive. O poder da vida tá na natureza. Salve o planeta, salve a Terra! Não ao genocidio dos povos indígenas! Vamos lutar pela sobrevivência das futuras gerações. Nós somos o povo Mbya Guarani, um dos 305 povos indígenas que estão sobrevivendo na Terra. A todo povo que luta, Aguyjevete!”.

Se a fala de David surtiu efeito perene na plateia, difícil dizer. Naquele momento, muito inspirados pela atmosfera do evento e pela presença dos indígenas, os espectadores gritaram a cada frase, assobiaram, bateram palmas.

Notei que a imprensa que cobriu o evento – especializada ou não – não se interessou em pesquisar o nome do indígena que alertou os presentes sobre a situação de risco em que vive seu povo e as demais etnias pelo Brasil. O Multishow, como dá pra ver no post que divulgou o vídeo e compartilhei aqui, chamou-os de “grupo de ativistas indígenas”.

Para melhor compreensão da realidade e também provocar empatia nos ouvintes, é importante destacar quem é David e o que representa e como vive seu povo, sempre.

O povo Guarani, os Mbya e as terras do Jaraguá

No Brasil, há três grupos de povos Guarani: os Mbya, os Pãi-Tavyterã, mais conhecidos como Kaiowaa, e os Avá Guarani, conhecidos como Ñandeva.

Há grupos da etnia Guarani Mbya espalhados pelo Brasil: no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e Pará.

Em São Paulo, eles se dividem pelo Vale do Ribeira, por uma área que abrange São Bernardo do Campo, São Vicente e em outra próxima ao Pico e ao Parque do Jaraguá, na zona norte. David e sua aldeia vivem no Jaraguá. São cerca de 700 indígenas e a maioria vive em barracões de zinco, espremidos em uma pequena área de 1,7 hectares. As lutas por suas terras foram inúmeras e continuam.

No governo Dilma, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, demorou um ano para reconhecer as terras reivindicadas por eles. Isso aconteceu somente em 2015 e assim foi criada a Terra Indígena Jaraguá, com 532 hectares. Mas, ainda em 2017, o governo golpista de Temer anulou a decisão e tirou as terras dos Guarani Mbya novamente. Sua luta parece não ter mais fim. Por isso, precisamos nos unir a eles. Por sua sobrevivência e pela nossa também.

Quem é David Guarani

Ele é professor na escola de sua aldeia desde 2007. Foi um dos poucos Guarani Mbya que conseguiu estudar, a muito custo, enfrentando preconceito, racismo, bullying…

Também é um dos principais líderes da Terra Indígena Guarani e faz um trabalho grande de conscientização e de luta em defesa do seu território.

Eu o conheci em um encontro na PUC de São Paulo, em novembro do ano passado, que sinalizou o lançamento da versão online em português e Guarani do Manual para Defender os Direitos dos Povos Indígenas e de Outros Povos. Nessa noite, além de representantes da Due Process of Law Foundation e do Cimi- Conselho Missionário Indigenista e de outras instituições, estiveram presentes várias lideranças indígenas, entre elas David, que, por sua fala muito bem articulada, se destacou.

E logo percebi que, onde houver um movimento que promova a vida indígena e a luta em defesa de suas terras, lá estará ele.

De lá pra cá, já o encontrei outras tantas vezes, em eventos em São Paulo. No lançamento do livro MBAÉ KAÁ, O que tem na Mata – A Botânica Nomenclatura Indígena, da Editora Dantes, em São Paulo, com a moderação de Ailton Krenak. Também o vi na Avenida Paulista, em São Paulo, na mobilização Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais, que aconteceu pelo país todo. Quase no final do encontro, Davi ressaltou “estamos todos aqui, hoje, porque sempre foi uma luta pra defender nossa existência. 519 anos depois a história se repete, como foi no Brasil Imperial”. E completou: “Sabe como é que se quebra a riqueza concentrada, o capitalismo selvagem, genocida, desumano? Protegendo a natureza!”.

Agora, assista a dois vídeos com David Guarani produzidos pelo Itau Cultural para o projeto Mekukradjá – Círculo de Saberes, de 2017. Neles, o líder indígena conta detalhes de sua trajetória, do povo Guarani e da luta de todos os povos pela sobrevivência.

Fotos: Reprodução vídeo

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Geraldo Vandré
Geraldo Vandré
5 anos atrás

além do locais citados na reportagem, há grupos de Guarani vivendo em toda a Baixada Santista, como em Bertioga, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, e também no centro oeste do estado, próximo a Bauru.

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