“O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério!”, disse o presidente do Brasil

Com o governo Bolsonaro, este país está cada vez mais surreal. Nunca antes, em sua história, um presidente se comportou dessa forma, diante da imprensa, para o mundo todo ver. Ontem, 1/10, em discurso para garimpeiros de Serra Pelada (Pará), em frente ao Palácio do Planalto, ele bradou essa frase infeliz, destacando vídeo sobre a exploração do grafeno e desrespeitando o líder indígena Raoni, novamente.

“Esse vídeo é muito bom para abrir a cabeça da população de que o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério! E o Raoni fala pela aldeia dele, fala como cidadão, não fala pelos índios, não. É outro que vive tomando champanhe e em outros países por aí”.

Além de usar palavra chula para se referir às árvores da Amazônia, declarou as reais intenções de seu governo, revelando seu apoio aos garimpeiros presentes. É mais do que notório – ele nunca escondeu suas intenções, na verdade – de que não está interessado em preservar a floresta, nem em proteger os povos tradicionais, mas em explorar o solo, a qualquer custo.

Em julho deste ano, quando o cacique Wajãpi foi assassinado, ele disse que apoiava garimpo em terras indígenas. A foto abaixo é de uma autuação do Ibama, em maio de 2018, quando a instituição ainda cumpria bem o seu papel.

Para tanto, destruir o que está em cima de tais riquezas (sem precisar fazer muito) é a melhor estratégia, claro. Isso confirma – mais uma vez – a política de desmantelamento das instituições de proteção e de fiscalização – como Ibama, ICMBio, Funai… – implementada pelo ministro do meio ambiente, o ruralista Ricardo Salles, e a falta de velocidade para combater os incêndios nas florestas pelo pais, que se alastraram a partir de julho, não só na Amazônia, mas também no Cerrado, na Mata Atlântica, no Pantanal. E ainda explica a falta de empatia deste governo com os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Já com garimpeiros…

Os garimpeiros – que, em sua maioria, são invasores de terras ou trabalham para grupos desse naipe -, pediram ao presidente uma “administração militar” para a região amazônica. A resposta? “Se tiver amparo legal, eu boto as Forças Armadas lá. Se tiver amparo legal, não vou prometer para vocês o que não posso fazer. Se tiver amparo legal, eu boto as Forças Armadas lá, a gente resolve esse problema aí”. E acrescentou que esse assunto será tratado pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Impressionante como ele se mostra solícito com a bandidagem explícita, com a exploração. E ainda faz afirmações sem qualquer respaldo, como quando incriminou as ONGs pelos incêndios florestais. Desta vez, disse que as empresas estrangeiras que exploram a região – claro que sem indicar quais são -, ‘pelo que parece’, pagam propina para não terem crimes ambientais divulgados.

Mas não parou por aí: “Muitas vezes, o mundo, fica criticando o garimpeiro”. Coitado, né? “Agora, a covardia que fazem com o meio ambiente, empresas de vários países do mundo, ninguém toca no assunto porque a propina, pelo que parece, pelo que parece, corre solta, pelo que parece”.

Desde quando “pelo que parece” sustenta uma acusação? E ele falou em “covardia com o meio ambiente…, poxa, o descaramento não tem limites. Informações ao léu, sem provas, apenas respaldadas por suas convicções. Por isso seus correligionários e fanáticos apoiadores reproduzem essas sandices pelas redes sociais e ainda se sentem legitimados a criar frases, memes e outros recursos para desqualificar a verdade, sem se sentirem na obrigação de prova-las.

Só lembrar da foto de Greta lanchando em um trem europeu, alterada por seu filho e espalhada por seus admiradores. Ou das mentiras que contaram sobre Raoni – que explorou empresa britânica, já falecida (portanto, não pode se manifestar), que criou, nos anos 90, a marca de cosméticos The Body Shop, produzidos com ingredientes naturais. A Agência Lupa confirmou a mentira rapidamente.

Para finalizar sua fala, Bolsonaro ainda falou da mineradora Vale – envolvida nas duas maiores tragédias ambientais do Brasil: os vazamentos de lama tóxica que atingiram Mariana e arredores em 2015, e Brumadinho em 2018, matando o Rio Doce e toda biodiversidade ao redor das duas regiões, além de inúmeras pessoas.

O presidente não falou disso, claro, mas lembrou – sem embasamento algum – que, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a empresa cometeu um “crime”: “Este é um país que é roubado há 500 anos. A gente conhece o potencial mineral do Brasil. Eu sei como a Vale do Rio Doce abocanhou, no governo FHC, o direito mineral no Brasil. O crime que aconteceu”. Bolsonaro usou da mesma estratégia baixa adotada quando se referiu ao pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, dizendo que sabia bem como ele havia morrido na época da ditadura.

Grafeno e dessalinização da água

Bolsonaro fala de grafeno com a boca cheia, mas não porque admire ou apoie as pesquisas que estão sendo feitas por estudantes bolsistas ou cientistas no Brasil. Ele fala desse derivado do carbono, que é extremamente fino, flexível, transparente e resistente (200 vezes mais forte do que o aço) e usado para a produção de células fotoelétricas, peças para aeronaves, celulares e tem outras tantas aplicações na indústria porque visa sua exploração em parceria com Israel, como registrou o El País.

“Bolsonaro assegurou que o Brasil também tem muito a oferecer a Israel e abriu caminho para a cooperação na exploração conjunta de cobiçadas riquezas naturais brasileiras, como o nióbio − usado para tornar o aço mais resistente à corrosão − e o grafeno, um material do qual se esperam usos revolucionários para impulsionar o desenvolvimento tecnológico”.

Ele elogia a tecnologia israelense, ignorando completamente o conhecimento e a tecnologia que o Brasil já detém – inclusive para evitar a predação da floresta. Mais: seu governo tem prejudicado as pesquisas nessa área com o corte de bolsas de estudo.

Logo que foi eleito, ele também aclamou projetos de dessalinização da água desenvolvidos em Israel, ignorando que o Brasil tem projetos nesse campo desde 2004.

Ao contrário de seu adversário nas eleições presidenciais, Fernando Haddad, o presidente ignora que, em 2016, uma estudante carioca recebeu prêmio em uma competição cientifica especializada em grafeno: a Global Graphene Challenge Competition 2016.

Brasileira ganha prêmio internacional ao criar sistema de dessalinização de água com grafeno

Nadia Ayada, na época recém-formada, descobriu um método de dessalinização da água com grafeno, veja só! Divulgamos essa conquista aqui, no site Conexão Planeta, em janeiro de 2017. E Haddad divulgou em suas redes sociais quando Bolsonaro falou de Israel.

Esta é uma das notícias mais lidas e compartilhadas nas redes sociais de toda a nossa história, que começou em 2015!

Tá mais do que na hora do presidente incentivar a Ciência, o talento e a criatividade do Brasil, não? A questão é que – não só parece, mas temos provas, né? – ele não está nem um pouco interessado.

Nosso presidente é assim. Injusto e uma vergonha, todos os dias. Até quando?

Fotos: Vinícius Mendonça/Ibama (maio de 2018), Ricardo Soares (Raoni) e divulgação Global Graphene Challenge Competition

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.