O banco das rosas. O banco das farpas.

Foram embora. E se esqueceram dela. Ficou ali, perdendo água e cor. Quanta urgência na saída para provocar esse abandono repentino. Quem sabe um chamado inesperado, um sentimento amontoado.

Ou simplesmente quiseram abrir espaço para uma formiga amiga, rondando por ali. Ou foi mesmo alguém farpando o banco e obrigando a desabalada partida.

Esse monte perigoso de arame arranhou a atenção e deve ter machucado o coração do artista paulista W.Camacho. No meio de tantas obras numa exposição de cultura portuguesa, anos atrás, no Museu Afro Brasil, no Parque Ibirapuera, ele escolheu esta para fotografar.

As fotos dele me impressionam pela beleza que encontram no menos, no mais dolorido, no pequeno, na falta, na ausência. Escancaram a vontade de preencher. Fazem bagunça no vazio. Correm atrás de abrigo quase até lá no nada. E conseguem. Às vezes, transformam o movimento barulhento em silêncio pacato.

Perguntei ao W.Camacho onde foi tirada esta foto, certa de que ele me diria ter sido no meio de uma floresta, campo, durante o inverno europeu. Mas, não. O olhar dele transformou o quintal da casa onde a irmã mora, no meio da cidade de Genebra, na Suíça, nessa paisagem solitária. A casinha para guardar coisas do jardim preencheria minha necessidade de teto, sem dúvida.  Ele me disse rindo que também sentiu vontade de morar nela lá.

Ou ficar por aqui e, numa dessa, se perder. A foto no Parque Cemucan, em Cotia, perto do local onde mora, foi feita num dia de trilha de bicicleta, depois de uma semana de chuva intensa.  Teve que parar porque o eucalipto gigante caído não permitiu a passagem.  E deu nesta imagem de tronco que ganhou outro corpo; de corpo que ganhou força de tronco. De seiva que se deixa. Ela não mais caída, abatida, derrubada pela falta de chão firme. Simplesmente deitada. Lânguida, querendo esquecimento e sono.

Querendo as últimas gotas do leite derramado… A espera interminável pela chamada da gravidade parece muito ingrata. Ir em direção ao desejo… Um caminho. Pode parecer fácil. Pode ser doído de difícil. Mas e o aguardo em tempo incerto? Preferível anestesiar a fome delongada?

Antes lamber hexágonos, encolmeiar-se, lambuzar-se. Feito urso de desenho animado. Nem aí para as abelhas.  Um ferrão a mais.

Um prego na cruz a menos.  Está faltando um? Como você sabe? Contou? Como personagem – pregado na minha memória – na abertura do filme argentino Um Conto Chinês?

Quem, meus sais, por favor, precisa contar pregos?  Quem sabe esses certos egos cegos por controle e exatidão que não têm nada melhor para fazer.

Antes continuar na linha tênue entre o achar-se e perder-se. Buscar-se nos lugares mais incertos. Ou ficar se procurando em casa mesmo, como um W.Camacho, dois W.Camachos…

Nas ruas, podem estar se escondendo de si mesmos, no reflexo, embaixo do guarda-chuva, sobre a calçada. Ou quem sabe a caminhada chorosa e chuvosa lave a alma.  Lamba o espaço. Beije o destino. Abrace o acaso, em casa. Ou num banco de praça.

Fotos em: Flickr Wcamacho  (1. E se foram sem pensar em como ela ficaria!…, 2. Silêncio, 3. Rabo preso, 4. Apoderar-se com amor, 5. Inferior versus superior, 6. Desses seios o mais saboroso leite!…, 7. Todo mel que houver nesse mundo, 8. Nudatum Urbibus…, 9. Onipresença deu mesmo! Aqui em casa mesmo, 10. Terror DromelNLindau)

2 comentários em “O banco das rosas. O banco das farpas.

  • 27 de junho de 2017 em 10:57 AM
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    Oi Karen! Parabéns pelo todo: o que você pensa, escreve… \o/ Você teria o contato de W. Camacho? Obrigada, Sucesso sempre!

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.