O ativismo é garantia de uma democracia saudável

Durante toda a campanha eleitoral de 2018, o ativismo, especialmente no campo dos direitos humanos e proteção ambiental, foi demonizado pelo candidato Jair Bolsonaro. Ele chegou a dizer que iria “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”. Agora que ele chegou ao poder e existe um temor por parte de organizações e ativistas de que seus trabalhos – e até mesmo suas integridades físicas – estejam em risco.

Ter cidadãos ativos e participantes da vida na comunidade é um elemento fundamental da democracia. Na verdade, é uma das suas marcas mais características como sistema de governo.

No ano de 1831, o aristocrata francês Alexis de Tocqueville viveu por nove meses nos Estados Unidos para entender como funcionava a sociedade americana. Dos seus estudos e vivência surgiu o livro Democracia na América, publicado em dois volumes, em 1835 e 1840.

Um dos aspectos da sociedade americana que mais chamou a atenção de Tocqueville foi a intensa vida comunitária e a participação ativa dos cidadãos nos debates públicos, seja apoiando ou se opondo às decisões tomadas por seus representantes nos diversos níveis de governo. Ele via este elemento, associado à liberdade de imprensa, como de certa forma distintivos e garantidores da saúde da democracia americana.

Democracia e ativismo

A revista The Economist listou os quatro estágios de declínio da democracia:

  1. Aparece um líder carismático que promete salvar o povo.
  2. Este líder catalisa a atenção ao redor de um inimigo que o público revoltado possa culpar por seus problemas, como os imigrantes, em vários países mundo afora.
  3. O líder e seu grupo político trabalham para enfraquecer os institutos democráticos, como a existência de uma imprensa livre e de um sistema judiciário imparcial.
  4. Finalmente, eles perseguem e calam o que sobra de oposição.

Neste ponto, como diz a revista, a democracia está morta, apesar de manter o nome e as aparências.

Por isto, é fundamental que todas as pessoas e organizações que acreditam na democracia, independente de suas orientações político-partidárias, se unam para salvaguardar o direito das pessoas de exercerem seu ativismo em paz e em segurança.

Neste contexto, imediatamente depois do segundo turno das eleições surgiu o movimento #NinguémFicaPraTrás, que pretende arrecadar, por meio de financiamento coletivo, R$ 250 mil para apoiar diretamente organizações que acolhem pessoas vítimas de violência, intolerância, misoginia, homofobia e racismo.

Em pouco menos de 72 horas, mais de 1.400 pessoas participaram do financiamento, garantindo que 60% da meta inicial fosse alcançada. O objetivo é não apenas chegar ao valor inicial, mas multiplicá-lo por quatro. Quanto mais for arrecadado, mais haverá para apoiar outras organizações.

Mas não são apenas ativistas que estão em risco. Jornalistas e professores também tornam-se alvos deste novo momento político. A professora de História e deputada estadual eleita em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL), abriu um canal de denúncias anônimas para “fiscalizar” professores em sala de aula que façam o que considera “doutrinação ideológica”. Este tipo de perseguição e constrangimento vem se tornando comum no contexto da Escola Sem Partido, que é uma bandeira de Bolsonaro.

O novo presidente também apontou sua carga contra a imprensa e publicamente ameaçou o jornal Folha de São Paulode ficar sem verbas publicitárias do governo por publicar o que chama de “Fake News”. Houve uma reação espontânea nas redes de repúdio à ameaça e de apoio ao jornal, incluindo o aumento de assinaturas. Fenômeno, aliás, que repete o que acontecei nos Estados Unidos, quando o presidente Trump começou a perseguir a imprensa tradicional, redundando em um aumento de assinantes. Preocupados em garantir a sobrevivência de uma imprensa livre.

O resumo é que a democracia no Brasil será tanto mais forte, quanto mais pessoas e organizações ativas e ativistas estiverem atuantes.

E cada um de nós pode fazer a nossa parte, seja atuando diretamente e/ou apoiando financeiramente aqueles que se põem na linha de frente da defesa do regime democrático.

Foto: Clem Onojeghuo/Unsplash

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Renato Guimarães

Jornalista, com mestrado em relações internacionais, é especialista em temas ligados à mobilização e engajamento em causas de impacto social. Morou oito anos no Peru, de onde conheceu bastante da América Latina. Trabalhou em organizações como Oxfam GB, Purpose, Instituto Akatu e IFC/Banco Mundial. Foi sócio de duas consultorias – Gestão Origami e Together – e Diretor de Engajamento do Greenpeace Brasil. Atualmente, é Assessor Sênior do Social Good Brasil e VP de Engajamento da Together, agência focada em processos de mobilização para causas de impacto