Noruega suspende repasse de R$ 130 milhões para projetos do Fundo Amazônia

Noruega suspende repasse de R$ 130 milhões para projetos do Fundo Amazônia

*Atualizado em 16/08/2019, às 11h31

Em entrevista publicada hoje (15/08) ao jornal norueguês Dagens Næringsliv, o ministro do Meio Ambiente daquele país, Ola Elvestuen, afirmou que o Brasil quebrou acordos para evitar o desmatamento e por isso, irá reter 300 milhões de coroas norueguesas – 130 milhões de reais -, que seriam repassados ao Fundo Amazônia.

Criado em 2008, o fundo promove e apoia financeiramente projetos para a prevenção e o combate ao desmatamento e também, para a conservação e o uso sustentável das florestas na Amazônia Legal, área que compreende nove estados brasileiros e corresponde a quase 60% do território nacional.

Financiado principalmente pelos governos da Noruega (o principal investidor, responsável por 93% dos recursos) e da Alemanha, o fundo tinha seus recursos geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e os projetos analisados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Até hoje foram apoiadas 103 iniciativas e o fundo contava com R$ 3,4 bilhões em caixa.

Infelizmente, há três meses, o governo federal decidiu, por conta própria, tentar mudar as regras do Fundo Amazônia. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou que queria usar os recursos da iniciativa para desapropriar terras.

Salles tentou ainda colocar dúvidas sobre o trabalho feito pelas ONGs recebedoras do dinheiro. No dia 17 de maio, divulgou que foram avaliados 103 contratos firmados nos últimos dez anos, no valor de R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 800 milhões para ONGs. Cerca de 30% deles apresentaram algum grau de inconsistência.

“Precisamos ter mecanismos que possam dar uma melhor destinação e escolher projetos que tenham sentido entre si e que possam ter os resultados mensurados”, afirmou o ministro (sim, ele é o ministro condenado por improbidade administrativa pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que inclusive já pediu sua saída do cargo).

Uma das medidas realizadas logo após a análise dos projetos do fundo pelo MMA foi o afastamento de sua gestora no BNDES, Daniela Bacas, mesmo embora a Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União não ter constatado nenhuma irregularidade no fundo, em 2018. O TCU fez uma auditoria e afirmou que os recursos foram aplicados de maneira adequada.

No dia seguinte ao afastamento de Daniela, indignados, colegas e outros funcionários do banco fizeram um protesto, em frente ao prédio, contra seu desligamento.

Salles realizou algumas reuniões com representantes dos governos da Alemanha e da Noruega e ambos afirmaram estarem satisfeitos com as ações do fundo.

Todavia, agora o governo norueguês* vem a público mostrar sua insatisfação em relação à política ambiental do atual governo e os índices crescentes de desmatamento na Amazônia.

Segundo Ola Elvestuen, um dos motivos da paralisão dos repasses ao fundo é que a Noruega foi contra o fim do comitê técnico e da diretoria da iniciativa. O ministro do meio ambiente norueguês citou ainda a preocupação da comunidade científica ao possível “ponto sem volta” da destruição da Floresta Amazônica.

No final do dia, Jair Bolsonaro respondeu à declaração de Elvestuen, e como sempre, usou o deboche para falar de um assunto sério. “A Noruega pode pegar esse dinheiro e dar para a Alemanha recuperar suas florestas”. O presidente disse ainda que os noruegueses “matam baleias e permitem a exploração de combustíveis fósseis no Ártico”.

Trabalho do Ibama pode ser impactado

Quase 60% dos recursos do Fundo Amazônia são destinados a instituições do governo.

O corte nos investimentos ou até, o fim da iniciativa, podem comprometer o trabalho, por exemplo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O alerta foi feito por funcionários do órgão, que afirmam que “de 2016 a 2018, pelo menos 466 missões de fiscalização do órgão foram bancadas pelo fundo. Ao todo, essas ações geraram aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas”.

A informação, publicada pelo portal G1, destaca ainda que as verbas do fundo financiam a compra de veículos especiais, como modelos 4×4 e helicópteros, usados na realização das vistorias na floresta.

Para piorar ainda mais a situação, em abril deste ano, o ministério do Meio Ambiente anunciou cortes no orçamento do Ibama. Com a redução de 24%, o instituto teve uma perda de quase R$ 90 milhões para realizar suas atividades.

Alemanha também faz cortes

No último final de semana,  a Alemanha anunciou que iria suspender financiamento de R$ 155 milhões a projetos de preservação na Amazônia (o dinheiro, entretanto, não é o mesmo do Fundo Amazônia).

“A atual política do governo brasileiro para a Amazônia levanta dúvidas se a redução consistente das taxas de desmatamento ainda está sendo buscada”, afirmou Svenja Schulze, ministra do Meio Ambiente da Alemanha, na edição de sábado do Tagesspiegel.

No domingo (11/08), o presidente Jair Bolsonaro respondeu à declaração da ministra alemã. “O Brasil não precisa do dinheiro da Alemanha para preservar a Amazônia… Ela não vai comprar a Amazônia. Vai deixar de comprar a prestação a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”, disse.

O desmatamento é real! Não há como esconder!

Recentemente, noticiamos aqui, no Conexão Planeta, que o desmatamento na Amazônia subiu 50% em 2019 e explodiu em julho. Segundo os alertas do sistema rápido Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mês passado foi o pior da série histórica – alta de 278% em relação ao mesmo período do ano passado.

Irritados com a repercussão na mídia do crescimento do desmatamento no país, Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, colocaram em dúvida os números do Inpe. O presidente chegou a dizer que os dados eram ‘mentirosos’. Dias depois, o diretor do instituto foi exonerado.

Nesse “disse não disse”, repleto de decisões equivocadas do governo brasileiro, a Amazônia continua sendo aniquilada. E agora, contamos com menos dinheiro ainda para evitar sua destruição.

*Não podemos deixar de mencionar que o governo da Noruega também vem sendo criticado internacionalmente por permitir a exploração de petróleo no Ártico.

Foto: divulgação Imazon/Araquém Alcântara

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.